| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Temática 402 - 14 de julho a 2 de agosto de 2008
Leia nesta edição
Capa
Opinião
A receita do equilíbrio
Palha e bagaço
Uma meta a cumprir
Produtividade com baixo impacto
Terapia em construção
Adensar para manter o verde
Cientista não é biopirata
Muito além do ativismo
O futuro humano
Uma equação que não fecha
A corda e a caçamba
A chave do tamanho
Percepção pública da ciência
Amplo painel
Novas leituras do consumo
O espaço do indeterminado
O estranho íntimo
 


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Palha e bagaço
na ‘linha de produção’

LUIZ SUGIMOTO

Carlos Rossel, pesquisador da FEQ e do Nipe: tecnologia promete revolucionar a produção de etanol (Fotos: Antoninho Perri)Depois de duas décadas ajustando e consolidando o modelo de usina que tem a sacarose da cana como matéria-prima na produção de açúcar e etanol, o Brasil vive a transição para uma outra unidade, que pode ser vista como uma fábrica de biocombustíveis. A matéria-prima usada nesta fábrica será a biomassa – material lignocelulósico que compõe a estrutura de toda planta. Da cana vai se aproveitar preferencialmente o bagaço, mas também parte da palha que hoje fica no campo, o que contribuirá para o fim das queimadas.

“Ocorre que o aproveitamento da biomassa exige uma tecnologia nova e extremamente complexa, ainda não resolvida, que é a hidrólise. O domínio desta tecnologia é estratégico para o Brasil por permitir aumentar a oferta de álcool combustível sem aumentar a área plantada. Seria um fato revolucionário”, afirma o professor Carlos Eduardo Vaz Rossell, que dará conferência sobre o chamado etanol de segunda geração durante a 60ª Reunião Anual da SBPC.

Rossell é apontado como o maior especialista em hidrólise no país. Aposentado do Centro de Tecnologia Copersucar, passou a atuar como pesquisador colaborador na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e no Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, e como consultor no setor sucroalcooleiro. Integrou o Projeto Etanol, grupo de estudos coordenado por Rogério Cerqueira Leite, e responderá pela área de processo industrial do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em fase de instalação em Campinas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Otimista, Carlos Rossell reitera a previsão que fez ao Jornal da Unicamp em entrevista de um ano atrás, quanto ao domínio desta tecnologia em 2009. “Por sua importância para o Brasil, isso precisa acontecer rapidamente. Para nós pesquisadores, representa um grande desafio que pede a contribuição de toda a comunidade científica numa atividade multidisciplinar, e também do setor produtivo e dos fabricantes de equipamentos. Da parte do governo, já temos a atuação importante da Fapesp e do MCT”.

O especialista informa que países como Estados Unidos e Canadá perseguem a tecnologia da hidrólise há duas décadas, dispondo de muito mais recursos, e já estão saindo do laboratório para unidades piloto de produção do etanol a partir dos resíduos do milho. “Dentro de dois a cinco anos, as unidades deverão estar prontas para produzir em escala, mas a questão será o preço deste álcool, inclusive porque elas já contam com fortes subsídios para poderem operar”.

Bagaço de cana usado por usina para produzir energia na região de Campinas: segundo Rossel, o domínio da hidrólise é estratégico para o país Na opinião de Carlos Rossel, o Brasil tem grandes possibilidades de recuperar o atraso graças à cadeia consolidada de destilarias, às quais serão simplesmente acopladas as novas unidades para aproveitamento do bagaço da cana, e principalmente à abundância de matéria-prima, quando os outros países enfrentam sérios problemas para obtenção de biomassa. “Além disso, já formamos um mercado interno que se encontra em expansão devido ao sucesso dos carros flex”.

Dominada a tecnologia da hidrólise, uma unidade estaria em condições para produzir em escala em dois anos, considerando o prazo de aquisição de equipamentos e de ajustes e otimização do processo industrial. “A unidade deve passar primeiro por um estágio equivalente ao período de duas safras, produzindo um volume próximo dos 120 mil litros por ano. Com o processo aprovado, o salto de escala para até 500 mil litros seria imediato”.

De acordo com as projeções feitas no Projeto Etanol, o Brasil precisará produzir 205 bilhões de litros de etanol por ano, a fim de atingir a meta de substituir 10% da gasolina consumida no mundo em 2025. Espera-se que o bagaço e a palha ofereçam um aumento de pelo menos 40% na produção. Carlos Rossell ressalva, contudo, que transformar o país numa potência em biocombustíveis é outro desafio multidisciplinar. “Temos de criar uma infra-estrutura de pesquisa e depois a logística para produção, transporte e comercialização”.

Aceitação – A transição para o etanol de segunda geração, observa o pesquisador, tornou-se exigência diante da disseminação interna do carro flex, da possibilidade de exportação gerando uma commodity, do aumento do preço do petróleo e dos benefícios ambientais. Entretanto, ainda que se pregue a captação do dióxido de carbono (CO2) – originário da queima de combustíveis fósseis e produtor do efeito estufa –, o álcool da sacarose de cana ainda é alvo de críticas internacionais, associadas às condições de trabalho e à ocupação de terras para cultivo de alimentos ou de preservação.

“Tudo isso cria um clima muito favorável para o álcool de segunda geração. Tenho ouvido formadores de opinião que acreditam na melhor aceitação deste etanol, como por exemplo, pela comunidade européia, devido ao reaproveitamento de resíduos e ao não-comprometimento do uso da terra. É importante ressaltar que este projeto vem sendo minuciosamente estudado desde o início e já nasce atendendo a uma série de pré-requisitos de sustentabilidade”, assegura Carlos Rossell.

O professor lembra que os estudos da Unicamp prevêem regras tanto no que se refere à expansão das terras para cultivo quanto ao processo de hidrólise. São algumas regras fundamentais: a não utilização de áreas de floresta, matas e margens de rios; não avançar sobre terras agriculturáveis, com aproveitamento de áreas de pecuária extensiva; reverter o ganho econômico-social para escolas, saúde, empregos; evitar o consumo excessivo de água; não produzir grande quantidade de efluentes sem tratamento adequado; e investimento das usinas para evitar emissões no meio ambiente.

Rossel explica os processos químicos disseminados atualmente, em sua maioria, foram desenvolvidos numa época em que os critérios de sustentabilidade – ambientais, sociais e econômicos – ainda não estavam arraigados na sociedade. “Tais processos estão ou terão de passar por uma revisão e adequação. A introdução do etanol de segunda geração será mais racional, com datas definidas para ir atendendo aos critérios, em que pesem as correções naturais de uma tecnologia ainda não estabelecida”.

Desafios da hidrólise – A matéria lignocelulósica (biomassa) é composta basicamente por celulose (polímero dos açúcares com seis carbonos), por hemicelulose (outro polímero, mais complexo, com açúcares de cinco carbonos) e por lignina, material estrutural da planta que pode ser fonte de outras matérias químicas ou de combustíveis. A celulose e a hemicelulose podem ser transformadas em açúcares de cuja fermentação se obtém o álcool.

Acontece que a natureza impôs um grande desafio aos pesquisadores, fazendo com que os materiais ligniosos, como do bagaço da cana, sejam muito resistentes aos ataques de agentes físicos e biológicos. É uma estrutura muito difícil de ser quebrada.

O que se tenta, primeiramente, é promover o abrandamento da estrutura da matéria-prima através de processos físico-químicos, tornando-a mais acessível ao passo seguinte: a adição de resíduos de ácido sulfúrico (hidrólise ácida) ou de enzimas (hidrólise enzimática) para quebrar os polímeros da celulose e da hemicelulose, transformando-os em açúcares fermentáveis.

O ataque com ácidos vem sendo experimentado há vários anos, inclusive em escala industrial. Mas a transformação se dá muito rapidamente e, devido às condições agressivas, parte dos açúcares é destruída. O que se procura é reformular o processo com ácido, realizando a reação em meio etanol-água, a fim de resolver os problemas de baixa eficiência e também do custo, que ainda é alto.

Em relação à hidrólise enzimática, vale observar que as enzimas já estão presentes na natureza. Uma roupa de algodão em ambiente muito úmido logo vai mofar, por causa da ação de microorganismos que têm um sistema de enzimas chamadas de celulases. As celulares é que permitem quebrar a celulose em açúcares simples, que servem como fonte de carbono e energia para os microorganismos.

A dificuldade é que a enzima, em escala industrial, precisa promover a transformação em açúcares muito mais rapidamente. Também deve permanecer estável por longo tempo e não pode ser inibida pelos agentes formados com sua própria atividade. Grande parte da pesquisa está centrada na produção de enzimas mais eficientes.

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