O demógrafo Daniel Joseph Hogan atenta para o momento interessante da história da humanidade que testemunhamos em 2008, quando se registra, pela primeira vez, mais da metade da população mundial morando nas cidades. Este processo está mais avançado na América Latina o Brasil já passou dos 80% há algum tempo mas a superação da média de 50% no planeta obriga à reflexão sobre o que seja um futuro urbano sustentável.
“Muito da tensão em torno das questões ambientais decorre do foco nas florestas e nos recursos naturais, sobretudo em nosso país. Entretanto, a verdade é que a grande maioria da população brasileira já está nas cidades. A questão é como conciliar uma qualidade de vida decente com tanta gente vivendo no meio urbano”, observa Hogan, que é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.
Segundo o docente, se muitos países ainda terão de se ocupar com o crescimento da população urbana, o importante para o Brasil é planejar o crescimento físico das cidades. “Aqui, a grande transição já aconteceu, dos anos 1950 até os 90. As cidades estão parando de crescer demograficamente e chegando perto do nível de reposição da população. Como tudo aponta para patamares ainda inferiores de fecundidade, supomos que o número de habitantes vai começar a diminuir dentro de poucas décadas”.
Daniel Hogan falará dia 16 na 60ª Reunião da SBPC sobre “Crescimento urbano, população e meio ambiente no século 21”. Como outros especialistas do país, ele está às voltas com uma questão que é motivo de polêmica internacional: se o adensamento da população em espaços já dotados da devida infra-estrutura urbana, preservando áreas verdes e minimizando custos ambientais como da emissão de carbono nos transportes, não seria menos impactante do que o espraiamento para condomínios em áreas mais distantes.
Considerando que o grande problema ambiental do século 21 é a mudança climática, e sendo difícil lidar com ela ao nível de cada comunidade, Hogan crê que o adensamento da população contribui para uma política mais verde. “Se eu decidir morar a dez quilômetros da Unicamp, e não mais a cinco, vou gastar o dobro de combustível por dia. Multiplique-se isto por centenas de milhares de pessoas e teremos uma séria influência nas emissões de carbono”.
Para quem supõe uma qualidade de vida melhor morando longe da agitação urbana, o pesquisador lembra que grandes cidades do mundo, como Paris e Nova York, apresentam um uso residencial importante na área central. “O adensamento é um meio de facilitar a oferta e de baratear serviços essenciais como de água, esgoto, eletricidade e asfalto, e de atender a demandas como de escolas, saúde e comércio”.
Planejamento O problema do Brasil, lamenta o professor da Unicamp, é a inexistência de um planejamento macro, inclusive para metrópoles que já têm constituídas suas regiões metropolitanas. Em sua palestra na SBPC, Hogan vai se valer do seu conhecimento da Região Metropolitana de Campinas (RMC) para justificar a posição favorável ao adensamento da população.
“Estão ampliando várias rodovias da RMC, como a Campinas-Mogi Mirim, em cuja margem está o condomínio Alphaville e se erguem inúmeros outros empreendimentos imobiliários. Não se pode criticar quem decidiu ampliar a pista de quatro para seis faixas, pois o engarrafamento no rush é infernal. Mas, facilitar a circulação de quem mora longe, é alimentar um círculo vicioso”, diz o pesquisador.
Na outra margem da mesma rodovia, uma área reservada para o Parque Tecnológico de Campinas, que está saindo do papel depois de dez anos, acaba de ser liberada pela Câmara de Vereadores também para a construção de condomínios, shoppings e outros negócios. “A medida não deixa de ser racional, pois a área já tem o entorno ocupado, infra-estrutura urbana e dispensa a criação de novos acessos. É melhor que construir na área rural. Resta saber como será afetado o projeto do pólo tecnológico”.
Daniel Hogan, que costuma guardar folhetos distribuídos nos semáforos, observa o ritmo da construção de condomínios fechados ao largo de um trecho urbano da rodovia D. Pedro I, em direção a Paulínia. “Também acho racional preencher os vazios desta área que já conta com diversos serviços, ao invés de ocupar as áreas verdes do distrito de Barão Geraldo, onde o anúncio de empreendimentos gera polêmica. Há muitas áreas na cidade que, provavelmente, comportariam mais uma população de Campinas”.
Outros medos O pesquisador ressalta que as pessoas são movidas para áreas mais distantes também por causa da violência, mesmo cientes de que um condomínio fechado não oferece segurança absoluta. “Nas pesquisas do Nepo, levantamos os medos da população. O medo da violência é maior do que outros, pois mesmo que as vítimas se concentrem entre as de maior renda, ela contamina a percepção da sociedade e influi na própria estratégia mercadológica das incorporadoras, que então vendem segurança”.
Uma das pesquisas do Nepo, tratando da expansão urbana e da vulnerabilidade sócio-demográfica nas regiões metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista, levantou a percepção da população também sobre os problemas ambientais. “Em nível nacional, a resposta mais comum é que o maior problema ambiental é a devastação da Amazônia. Mas, ao nível da RMC, em primeiro lugar aparece a poluição do ar”.
Daniel Hogan lembra que grande parte da poluição em Campinas vem do trânsito, que foi planejado para uma cidade com um terço da ocupação atual. “Algo tem sido feito para melhorar as condições viárias, já que o trânsito precisa fluir. Mas devemos pensar no transporte de massa para diminuir o transporte individual, inclusive no metrô. Mesmo em São Paulo, que precisa de uma rede mais densa, o metrô mostra-se um meio de transporte confortável, rápido e, além de tudo, não-poluente, já que é elétrico”.
Mais parques Apesar dos valores e hábitos que as grandes incorporadoras procuram enaltecer, o professor da Unicamp insiste que é possível viver plenamente satisfeito nas cidades. “As pessoas gostam da idéia de viver junto à natureza. Eu mesmo estou chegando de uma chácara em Jaguariúna, onde passo três dias da semana. Uma forma de promover este contato é viabilizar o acesso da população a bons parques não falo de reservas ecológicas, que são igualmente importantes”.
Hogan é norte-americano e cresceu em uma pequena cidade com dois grandes parques estaduais ao redor, onde passava os domingos. “No Brasil, são poucos os parques preparados para receber a população e próximos às grandes cidades. Quando vim para Campinas, em 1972, o Parque Taquaral estava sendo inaugurado. Ele é ótimo e continua muito bem freqüentado. Mas onde está o novo parque para as 700 mil pessoas que vieram depois?”
Outra sugestão do professor é a socialização de grandes áreas verdes que estão fechadas ao público, mesmo quando pertencem ao Estado. “Não é possível individualizar este desejo de aproximação com a natureza, com cada qual buscando seu jardim e seu pomar. O Exército, por exemplo, herdou em Campinas uma área bem maior que a do Taquaral e que daria um parque maravilhoso”.
Mosaico Na visão do professor Daniel Hogan, uma parcela muito pequena da população brasileira vive na área rural e isto será mais verdade no futuro do que hoje. “Quem mora na zona rural não vai se ocupar com a agricultura, que está se expandindo de forma fantástica, mas é superintensiva de capital e de máquinas, usando pouca mão-de-obra. O futuro do emprego também é urbano”.
O cenário que o pesquisador da Unicamp prevê para as próximas décadas é de um território recortado em blocos, como um mosaico, delimitando atividades comerciais e industriais, agrícolas e de preservação. “Um tipo de planejamento que já vem sendo praticado é o chamado Zoneamento Ecológico-Econômico, que tem sido aplicado com mais sucesso nos Estados amazônicos menores, como Acre e Amapá”.
No Estado de São Paulo, o governo está promovendo este zoneamento no litoral, contemplando principalmente o Vale do Ribeira, sua região mais pobre. Daniel Hogan lembra que há dez anos, quando representava a Unicamp no Conselho Estadual de Meio Ambiente, acompanhou uma vistoria na Ilha do Cardoso, parque do Estado que a Prefeitura de Cananéia declarou como ponto de expansão urbana.
“Empreendedores estavam construindo mansões na área e a prefeitura tinha interesse no IPTU. Os ambientalistas foram para o confronto, com razão. Mas hoje é preciso pensar o tipo de atividade econômica que pode ser conciliado com a preservação da mata Atlântica, ao invés de se congelar tudo do jeito que está e condenar a população local à mesma miséria”, pondera o professor.