| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 215 - 2 a 8 de junho de 2003
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::Legião microbiana
 

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Pesquisadores da FEA usam fungos e bactérias para degradar produtos tóxicos

A legião microbiana
avança contra os poluentes


MANUEL ALVES FILHO

Iamgine a seguinte cena, que pode ser baseada em acontecimentos reais registrados recentemente no Brasil. Um navio, carregado com milhões de litros de óleo diesel, sofre um acidente. A carga vaza integralmente, contaminando o mar e a praia. Preocupadas com os prováveis graves danos ecológicos, as autoridades ambientais dão início à imediata limpeza da água e do solo. Em vez de utilizarem bombas de sucção, esponjas e pás, como se faz convencionalmente, os técnicos lançam mão de fungos e bactérias para remover o combustível. Passado algum tempo, os microorganismos se desenvolvem e "devoram" o material poluente, reduzindo ou até mesmo eliminando a sua toxicidade. O processo, chamado de biorremediação, já está sendo executado em laboratório por pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Dentro de poucos anos, segundo eles, a tecnologia já poderá ser aplicada no campo.

Os resultados das pesquisas conduzidas pela FEA são animadores. Os experimentos em laboratório têm constatado que os microorganismos são capazes de degradar entre 50% e 100% dos poluentes. De acordo com a coordenadora dos estudos, a professora Lúcia Regina Durrant, o objetivo principal é evitar que o vazamento ou mesmo o despejo de produtos tóxicos contamine o solo, os rios e o lençol freático, trazendo prejuízos à cadeia alimentar e, conseqüentemente, às pessoas. Para explicar de maneira simplificada o trabalho realizado pelos cientistas, o que eles fazem é acelerar o trabalho que a natureza levaria dezenas de anos para executar.

A professora Lúcia Regina Durant, coordenadora dos estudos: em poucos anos, "pacotes" prontos para ações de biorremediaçãoAssim, eles identificam e selecionam as bactérias e fungos que se prestam à biorremediação. Depois, estabelecem uma espécie de consórcio microbiano, uma vez que um microorganismo não é capaz de responder sozinho pela descontaminação. Atualmente, os esforços dos cientistas estão concentrados em duas frentes. A primeira está voltada aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), substâncias tóxicas e potencialmente cancerígenas geradas a partir da combustão de derivados de petróleo, queima do lixo e emissão industrial. Entre elas destacam-se o benzo(a)pireno, as dioxinas e os bifenilos policlorados (PCBs), estes empregados em capacitores e transformadores elétricos. A outra linha de investigação dirige-se aos derivados de petróleo especificamente.

Segundo a professora Lúcia, as bactérias e fungos estudados pela sua equipe produzem compostos biosurfactantes, um tipo de emulsificante. Quando entra em contato com os poluentes, essa substância torna-os solúveis, facilitando assim a sua remoção por medida complementar. Além disso, também têm a capacidade de promover a degradação do material tóxico. Como se não bastasse, os biosurfactantes podem ser usados, ainda, nas indústrias alimentícia e de cosmético, como ingredientes na fabricação de sorvetes e cremes, respectivamente. Para degradar as dioxinas, os pesquisadores da Unicamp têm usado fungos que podem até ser considerados prosaicos: cogumelos comestíveis, facilmente encontrados nas gôndolas dos supermercados.

Colocados diretamente em contato com o produto tóxico, eles produzem uma enzima que o degrada. Contra o benzo(a)pireno, os especialistas também têm utilizado cogumelos, tanto comestíveis quanto não-comestíveis. Já para combater os malefícios que podem ser causados pelos PCBs, a "arma" empregada pelos pesquisadores são as bactérias, cuja identificação ainda não foi feita. Bactérias também são as "faxineiras" das substâncias tóxicas liberadas pelos derivados de petróleo. A professora Lúcia esclarece, porém, que o trabalho dos cientistas não se limita à identificação e seleção dos microorganismos e formação do consórcio microbiano. Alguns fungos e bactérias, explica, promovem a degradação de poluentes, mas acabam gerando elementos mais tóxicos do que os originais. "Por isso, nós também realizamos testes toxicológicos para identificar que substâncias podem trazer mais problemas do que soluções. Estas são imediatamente descartadas", afirma.

Receita de bolo - De acordo com a coordenadora dos estudos, alguns países desenvolvidos já dominam a tecnologia da biorremediação. O Brasil também entrou nessa corrida por duas razões importantes. Primeiro, porque, se continuar tecnologicamente dependente, o País terá que desembolsar muito dinheiro para adquirir, por exemplo, consórcios microbianos estrangeiros. Depois, porque esse tipo de importação poderia trazer riscos à biodiversidade ou à saúde das pessoas. "Não dá pra saber o que a eventual disseminação de um microorganismo desconhecido poderia ocasionar por aqui", explica a docente da FEA.

A tendência, conforme a professora Lúcia, é que dentro de dois a quatro anos os pesquisadores da Unicamp já consigam produzir, em laboratório, "pacotes" prontos para ações de biorremediação. Fazendo uma comparação livre de rigor científico, é como se eles criassem receitas como as de bolo, cada uma com uma "mistura" destinada a um tipo de aplicação. Mas quando o produto chegará ao mercado? A docente da FEA afirma ser difícil fazer esse exercício de futurologia, mas considera que, alcançado o estágio laboratorial, a transferência de tecnologia para a indústria não será tão complicada.

Por lançar mão de recursos naturais, a biorremediação é considerada uma tecnologia ecologicamente correta. Além disso, ela também chega a ser entre 65% e 85% mais barata do que os modelos convencionais de descontaminação e tratamento de rejeitos agroindustriais. Só para se ter um parâmetro de comparação, basta saber que o custo para incinerar uma tonelada de resíduos varia entre US$ 250 e US$ 300. Já a degradação do mesmo volume por meio do tratamento biológico exige um gasto da ordem de US$ 40 a US$ 70.

Caso real - Ao tomar conhecimento do trabalho realizado pelos cientistas da Unicamp, algumas pessoas costumam perguntar por que a Faculdade de Engenharia de Alimentos está envolvida em estudos ambientais. A resposta, de acordo com a professora Lúcia, é simples. Ao contaminar o solo, o lençol freático, os rios ou mesmo o ar, os produtos tóxicos também podem atingir a cadeia alimentar. "Nossa meta é tentar evitar que isso ocorra", diz a especialista. A linha de pesquisa da FEA gerou, apenas em 2002, sete teses de doutorado. Os estudos contam com bolsas concedidas pela Capes, CNPq e Fapesp. A Fapesp também financia vários dos projetos.

Um exemplo que pode ajudar os leigos a entender como a contaminação da cadeia alimentar ocorre vem da Inglaterra, mas tem conexão direta com o Brasil. Em 2000, os ingleses descobriram que o leite e seus derivados produzidos no país continham dioxinas. Depois de uma longa investigação, foi identificada a fonte do problema: o farelo de polpa cítrica, produto brasileiro utilizado na ração do gado. Novas análises foram feitas em terras tupiniquins, até que foi detectada a origem de todo o mal. A água usada para irrigar a cultura agrícola de onde é gerado o farelo é que tinha as dioxinas. Estas, por sua vez, eram provenientes da cal usada no tratamento da água.

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