Especialista em Previdência Social e autor de vários projetos sobre o assunto nos últimos 20 anos, o senador Paulo Paim, vice-presidente do Senado Federal e uma das estrelas do PT, vem dando trabalho ao governo. Longe de poder ser considerado um "radical", ele tem se posicionado contra o projeto de reforma da Previdência que atualmente tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CGJ) da Câmara dos Deputados. Para Paim, o projeto do governo é "injusto" para com os servidores públicos e não resolve a situação do trabalhador da iniciativa privada. Mesmo correndo o risco de retaliações em seu partido, Paim assegura que "nessa proposta, como está, não há condição de votar".
De algum modo, a retaliação
já começou. Na semana passada, Paulo
Paim tentou entregar ao ministro da Previdência,
Ricardo Berzoini, uma proposta alternativa de reforma
da Previdência. Não foi recebido. A ordem
teria partido do chefe da Casa Civil, José
Dirceu. Agora, Paim usará a agenda da própria
reforma na Câmara para tentar fazer valer suas
posições. Sua proposta pressupõe
uma transição mais suave para os servidores
da ativa, preserva a integralidade dos proventos de
sua aposentadoria, mantém a paridade entre
ativos e inativos, estabelece um aumento menos rigoroso
da idade mínima (um acréscimo da metade
dos anos que faltam até a idade mínima
de 60 anos) e fixa um redutor de 3,5% dos proventos
por ano que falta, em vez dos 5% propostos pelo governo.
Jornal
da Unicamp - Quais as chances de sua proposta
ser incorporada ao projeto da reforma?
Paulo
Paim - Eu vou fazer a minha parte. Vou levar
minha proposta também para o relator da matéria,
que é o deputado José Pimentel (PT-CE).
Acho um absurdo não haver uma regra de transição.
Absurdo mesmo. Um cidadão, por exemplo, que
faltar um mês para se aposentar e a reforma
for promulgada antes disso, poderá ter um redutor
de 50% nos seus vencimentos. E, caso ele vier a falecer,
a viúva irá receber 70% daqueles 50%
que sobraram. Então, tem de haver uma regra
de transição. Não faltam argumentos
para se estabelecer um bom debate sobre o assunto.
Espero interferir lá [na Câmara] e quero
interferir aqui no Senado. Acho que o Senado não
pode ser uma casa que vai apenas bater o carimbo em
cima daquilo que vier da Câmara. Vamos tentar
interferir na Câmara. Se lá não
der, vamos interferir aqui no Senado. Além
disso, vou tentar junto ao governo também.
JU
- O senhor defende a contribuição
dos inativos mas desloca a discussão do assunto
para os Estados. Por quê?
Paim - Se a contribuição dos inativos
foi uma imposição dos governadores,
como diz o discurso oficial, então que cada
governador encaminhe [o assunto] para as assembléias
e discuta com seus deputados. Conseqüentemente
os servidores estaduais e os aposentados vão
fazer o seu movimento de pressão no estado,
o que é muito mais fácil do que fazer
em Brasília. Aí vamos ver se vai ser
tributado ou não. Pode ser que muitos estados
não queiram tributar. Nós sabemos que
existem municípios que mediante um amplo debate
na base chegaram a um acordo de 5% para ambas as partes
(ativos e inativos) enquanto a prefeitura paga o dobro.
É um acordo entre eles. Por que Brasília
vai interferir quando a responsabilidade nesse caso
deve ser do estado e do município?
JU
- Sua proposta diz ainda que para os atuais
servidores, se trabalharia com uma forma que valorize
o cálculo do tempo no serviço público.
Como seria isso?
Paim - Estou dando algumas alternativas. Na minha
proposta eu acabo com o fator previdenciário.
Vamos trabalhar com os últimos dez anos. Isso
também é para a área privada.
Não é para aproximar os regimes? Na
área privada hoje pega-se só de 94 para
cá. Então proponho acabar com o fator
previdenciário e trabalhar apenas com os últimos
dez anos. Pelos meus cálculos, se trabalharmos
com esse prazo preserva-se o princípio da integralidade.
A proposta do governo, como está, vai deixar
o servidor público numa situação
muito desfavorável. Em minha opinião,
vai se jogar tudo para os fundos de pensão
privados. Tenho recebido documentos da Comunidade
Européia mostrando que lá os fundos
de previdência são um caos. As pessoas
lá já desistiram de se aposentar porque
sabem que não vão se aposentar nunca.
Então, estou de fato preocupado. Todo mundo
sabe que sou da base do governo e do PT, mas estou
vendo tanta injustiça nessa proposta que eu
tenho de me manifestar.
JU
- No entanto, os servidores novos na sua proposta
(como na do governo) estarão submetidos a um
teto de aposentadoria de R$ 2.400. Como no Brasil
não há tradição de fundos
previdenciários, há um grande receio
nas universidades públicas de que elas deixem
de atrair novos talentos e entrem em processo de mediocrização
ou mesmo de desmonte. Como o senhor vê isso?
Paim - Também temos essa preocupação.
O saber acumulado e o conhecimento vão enfraquecer
no setor público.
JU
- Em sua opinião, a reforma da Previdência
será aprovada no tempo desejado pelo governo,
isto é, setembro ou outubro? Ou ela se arrastará
por mais tempo?
Paim - Estou preocupado com a falta de oposição.
Acho que em qualquer país do mundo é
bom que tenha situação e oposição.
Ora, a forma com que infelizmente o Parlamento brasileiro,
em grande parte, está aderindo ao governo é
assustador. Isso não é bom para a própria
democracia porque não se faz um debate qualificado
sobre as divergências, não se pontua
como se deve. Vejo pessoas se posicionando a favor
ou contra sem saberem o que estão dizendo.
Isso me preocupa. Se for nesse ritmo, a proposta do
governo poderá ser aprovada rapidamente. Só
há uma forma disso não acontecer, que
é a sociedade entender o que está acontecendo
e se mobilizar.
JU
- Mas a sociedade, nesse caso, é segmentada.
São os funcionários públicos...
Paim - Pois é, mas nós tínhamos
de mostrar para a sociedade, no seu conjunto, o que
significa essa reforma. Porque se você joga
a situação do servidor público
abaixo do regime geral da Previdência, a sociedade
tem de entender que num futuro próximo, pelo
princípio da universalidade, os trabalhadores
da Previdência na área privada também
serão jogados para esse patamar.
JU
- Em sua opinião, a reforma que será
aprovada é essa que está aí ou
será outra?
Paim - Não. Acho que há espaço
para alterarmos essa proposta. Mas não pense
que isso ocorrerá sem mobilização.
Se houver mobilização, com certeza acho
que a proposta será modificada.
JU
- O governo parece ter construído uma
folgada maioria no Congresso. Nesta quinta-feira,
por exemplo, a proposta foi aprovada na Comissão
de Constituição e Justiça por
44 votos a 13. Isso pode significar que a proporcionalidade
no Congresso é a mesma?
Paim - Não, aquilo não foi nada.
A experiência mostra que aquilo foi apenas uma
discussão constrangedora. Vi a base do governo
encurralada, constrangida, votando sem convicção
alguma, numa situação inusitada porque
nunca pensei que haveria um espetáculo como
aquele. Vi, não gostei e acho que na Comissão
de Mérito aquele quadro não poderá
se repetir. Até porque quinze membros da Comissão
foram trocados. Nunca em 18 anos de Parlamento vi
15 membros serem trocados em uma só comissão.
Isso mostra que essa comissão não reflete
todo o parlamento.
JU
- Caso suas propostas não venham a obter
guarida, como o senhor pretende votar: segundo sua
consciência ou conforme a determinação
do partido?
Paim - Essa proposta, como está, não
há condição de votar a favor.
Essa proposta terá de ser mudada. Nem se fosse
atingir somente uma pessoa, minha posição
seria a mesma. A injustiça, para mim, pode
ser contra um ou contra mil, será sempre uma
injustiça. Essa proposta também não
resolve a situação do trabalhador da
área privada como tentam mostrar. Pelo contrário,
ele também será prejudicado no desenrolar
desse processo. Estou com minha consciência
tranqüila, ciente do dever cumprido e sei por
que cheguei ao Parlamento. Acho que ajudar o governo
Lula não significa somente bater palma ou bajular.
Ajudar o governo Lula é ter propostas. Eu apresentei
propostas sérias e responsáveis.