O cotidiano em Brasília é recheado de embates como esse, em que empresas e entidades desenvolvem esforços para influenciar o Executivo ou o Legislativo na defesa de seus pontos de vista e interesses. Assim como a indústria de refrigerantes, a farmacêutica, os sindicalistas, os ambientalistas, os aposentados - a lista é enorme - têm feito lobby para obter vantagens ou conseguir apoio às suas causas.
O lobby e seu impacto sobre a representação de interesses no Brasil foram abordados pela socióloga e cientista política Andréa Cristina de Jesus Oliveira em tese de doutorado defendida na Unicamp. No estudo, orientado pelo professor Bruno Wilhelm Speck, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e financiado pelo CNPq, ela investigou a relação dos lobistas com os poderes Legislativo e Executivo, com seus clientes e, sobretudo, as estratégias de ação utilizadas para alcançar seus objetivos.
Embora também ocorra nas esferas municipal e estadual, é no âmbito federal, por razões óbvias, que a atividade de lobbying se prolifera e ganha também contornos que colaboram para acentuar o seu estigma de marginalidade, freqüentemente associada à corrupção e ao tráfico de influência - aspectos que o trabalho de Andréa tem o mérito de desmitificar, ao lançar luz sobre uma prática controversa, que se confunde com a história recente das instituições políticas brasileiras.
"O desconhecimento sobre a atividade, o estigma que carrega, aliados à ausência de dados confiáveis, muitas vezes desencorajam a academia, contribuindo para manter o lobbying em uma espécie de limbo teórico. O desinteresse se reflete na carência expressiva de estudos que analisam o fenômeno no Brasil de forma mais ampla", afirma a autora do trabalho.
Reativo - O que chama a atenção no lobbying empreendido no Brasil é seu caráter reativo, constata a pesquisadora. Segundo ela, em um país em que o poder Executivo propõe 85% dos cerca de 5.000 projetos de lei em tramitação e regulamenta diversas áreas que afetam a vida da iniciativa privada, seria difícil atuar de maneira propositiva.
"Raramente entidades classistas ou escritórios de consultoria e lobbying elaboram proposições pautando novos temas e discussões junto ao Congresso Nacional e ao poder Executivo", observa Andréa.
Embora o interesse a ser defendido é o que determina a instância de tomada de decisões sobre a qual o lobby atuará, a preponderância do poder Executivo sobre o poder Legislativo - e a sua conseqüente força na aprovação de projetos de lei, além de seu poder de regulamentação - faz com que essa esfera não seja deixada de lado.
"Ter o apoio ou pelo menos a não oposição do Poder Executivo na tramitação da proposta que contempla os interesses do cliente é de suma importância, independentemente da esfera em que o lobista pretenda atuar", enfatiza.
Pressão histórica - A pressão sobre o Executivo não é nova, conforme revela o trabalho de Andréa. O florescimento do lobbying no Brasil ocorreu a partir de meados da década de 70, quando o país estava sob a égide de um regime militar que centralizou o processo de tomada de decisões no Poder Executivo, fragilizando o Legislativo. Essa centralização, porém, não impedia que certos grupos pressionassem o poder Executivo para o atendimento de suas demandas. O resultado dessa prática foi a expansão da compra de acessos e resultados.
"Conhecer ministros influentes ou militares em cargos estratégicos era essencial para o sucesso do lobista. No entanto, todo o processo se desenrolava na clandestinidade", pondera a socióloga.
Isso deu margem para que a mídia passasse a chamar de lobbying qualquer atitude que tivesse alguma relação com influência e convencimento, sem se importar com o caráter da representação de interesses, o que desgastou o termo, criando um estigma de marginalidade que, hoje, longe de ter sido superado, ainda envolve a atividade.
Segundo ela, o pleno desenvolvimento do lobbying só foi possível com o fortalecimento do poder Legislativo, resultante do processo de redemocratização do país. A ação dos grupos de pressão, que se concentrava sobre algumas figuras-chave do Poder Executivo, cedeu lugar a um trabalho especializado de persuasão e representação técnica, mediante dados, relatórios, visitas e trocas de opiniões.
"O lobbying é necessário para que se crie um canal de comunicação entre sociedade civil e Estado. Essa é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que melhora a imagem da empresa ou entidade junto ao Estado, possibilita trocar idéias e informações com a sociedade civil, o que subsidiará o seu processo de tomada de decisões, e tornará a empresa ou entidade interlocutor qualificado do Estado", esclarece.
Houve também, no âmbito dos dois poderes, várias tentativas de regulamentar a prática e, assim, arrefecer o seu estigma de ilegitimidade, uma vez que pautado por regras claras, o lobbying poderia contribuir para a transparência do processo de tomada de decisões. Porém as iniciativas não prosperaram.
"Acredito que não há vontade política para a regulamentação do lobbying no Brasil. Os próprios parlamentares, muitas vezes, cumprem o papel de lobistas ao intermediarem a liberação de verbas para estados e municípios, ou ao defenderem os interesses de setores que representam ou dos quais fazem parte", argumenta Andréa.
"No Congresso Nacional há parlamentares que são proprietários de convênios médicos, universidades, agronegócios, indústrias, e todos eles defendem os seus interesses e o de seus respectivos setores. A atividade de lobbying, se regulamentada, restringiria a liberdade que hoje possuem", conclui a pesquisadora.
Pesquisadora traça perfil de profissionais
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Analisando os dados fornecidos por lobistas entrevistados, Andréa traçou o perfil desses profissionais.
São, em sua maioria, homens, com idade entre 40 e 50 anos, grau de escolaridade superior em geral cursaram Direito e, não raro, pós-graduados. Proprietários dos escritórios de consultoria e lobbying que representam, costumam trabalhar sozinhos, imprimindo um estilo pessoal no trato com os clientes, os quais, na maioria das vezes, são empresas privadas nacionais e em menor número, entidades de classe.
Os escritórios que dirigem são de médio porte e os lobistas possuem mais de 10 anos de experiência na profissão, após terem exercido uma atividade anterior no governo.
Os honorários praticados pela categoria variam conforme a empreitada e o porte do escritório. Por exemplo, um trabalho encomendado à Patri Relações Governamentais, considerado um dos três maiores no segmento em Brasília, com 50 funcionários, não sai por menos de R$ 25.000,00 ou o equivalente em dólares, conforme informação na página da própria empresa na Internet.
Tanto as entidades classistas como os escritórios executam tarefas semelhantes, entre as quais, monitoramento legislativo e político, elaboração de estudos técnicos e pareceres que subsidiem a informação que fornecem aos tomadores de decisão, além do corpo-a-corpo, que consiste em argumentar para convencer.
Contudo, a grande visibilidade pública, a legitimidade, a capacidade de mobilização de suas bases e o caráter consensual e majoritário dos interesses defendidos pelas entidades classistas, são fatores que diferenciam a sua atuação perante a dos escritórios de consultoria e lobbying, que costumam defender interesses específicos e individualizados.
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