Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 254 - de 31 de maio a 6 de junho de 2004
Leia nessa edição
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Artigo: O Vestibular
Impactos: atuação de lobistas
Colírio para olho seco
HC: balanco positivo
Programa inédito: Vestibular
Perfil Social do estudante
 da Unicamp
Purificação da água
  Castanha na farinha de
   mandioca
Velocidade dos nanocristais
Painel da semana
Unicamp na mídia
Oportunidades
Teses da semana
Transferência de tecnologia
Fóruns permanentes
A Arte mais brasileira
 

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Tese de doutorado investiga estratégias e relação
de profissiona
is com os poderes Legislativo e Executivo

Estudo avalia impactos
da atuação de lobistas



PAULO CÉSAR NASCIMENTO


Votação na Câmara: segundo a pesquisadora, o que mais chama a atenção no lobbying empreendido no Brasil é seu caráter reativo (Foto: Aquivo/Agência Estado)Está no noticiário: a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) e a Associação Brasileira das Indústria de Alimentação (Abia) se preparam para enfrentar o ataque aos comerciais de refrigerantes e devem aumentar o lobby sobre senadores e deputados responsáveis por examinar projeto de lei da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) que restringe a publicidade de bebidas consideradas prejudiciais à saúde. Pelo projeto, já aprovado pela Comissão de Educação do Senado, toda propaganda de refrigerante teria que trazer obrigatoriamente informação de que o produto pode causar obesidade e malefícios à saúde - como nos maços de cigarro - o que, para as duas instituições, pode ter impacto negativo em um mercado que movimenta dez bilhões de litros de produto, o dobro do que era consumido há cinco anos.

Atividade é associada ao tráfico de influência

OA socióloga e cientista política Andréa Cristina de Jesus Oliveira: tirando o assunto do “limbo teórico” (Foto: Neldo Cantanti) cotidiano em Brasília é recheado de embates como esse, em que empresas e entidades desenvolvem esforços para influenciar o Executivo ou o Legislativo na defesa de seus pontos de vista e interesses. Assim como a indústria de refrigerantes, a farmacêutica, os sindicalistas, os ambientalistas, os aposentados - a lista é enorme - têm feito lobby para obter vantagens ou conseguir apoio às suas causas.

O lobby e seu impacto sobre a representação de interesses no Brasil foram abordados pela socióloga e cientista política Andréa Cristina de Jesus Oliveira em tese de doutorado defendida na Unicamp. No estudo, orientado pelo professor Bruno Wilhelm Speck, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e financiado pelo CNPq, ela investigou a relação dos lobistas com os poderes Legislativo e Executivo, com seus clientes e, sobretudo, as estratégias de ação utilizadas para alcançar seus objetivos.

Embora também ocorra nas esferas municipal e estadual, é no âmbito federal, por razões óbvias, que a atividade de lobbying se prolifera e ganha também contornos que colaboram para acentuar o seu estigma de marginalidade, freqüentemente associada à corrupção e ao tráfico de influência - aspectos que o trabalho de Andréa tem o mérito de desmitificar, ao lançar luz sobre uma prática controversa, que se confunde com a história recente das instituições políticas brasileiras.

"O desconhecimento sobre a atividade, o estigma que carrega, aliados à ausência de dados confiáveis, muitas vezes desencorajam a academia, contribuindo para manter o lobbying em uma espécie de limbo teórico. O desinteresse se reflete na carência expressiva de estudos que analisam o fenômeno no Brasil de forma mais ampla", afirma a autora do trabalho.

Reativo - O que chama a atenção no lobbying empreendido no Brasil é seu caráter reativo, constata a pesquisadora. Segundo ela, em um país em que o poder Executivo propõe 85% dos cerca de 5.000 projetos de lei em tramitação e regulamenta diversas áreas que afetam a vida da iniciativa privada, seria difícil atuar de maneira propositiva.

"Raramente entidades classistas ou escritórios de consultoria e lobbying elaboram proposições pautando novos temas e discussões junto ao Congresso Nacional e ao poder Executivo", observa Andréa.

Embora o interesse a ser defendido é o que determina a instância de tomada de decisões sobre a qual o lobby atuará, a preponderância do poder Executivo sobre o poder Legislativo - e a sua conseqüente força na aprovação de projetos de lei, além de seu poder de regulamentação - faz com que essa esfera não seja deixada de lado.

"Ter o apoio ou pelo menos a não oposição do Poder Executivo na tramitação da proposta que contempla os interesses do cliente é de suma importância, independentemente da esfera em que o lobista pretenda atuar", enfatiza.

Pressão histórica - A pressão sobre o Executivo não é nova, conforme revela o trabalho de Andréa. O florescimento do lobbying no Brasil ocorreu a partir de meados da década de 70, quando o país estava sob a égide de um regime militar que centralizou o processo de tomada de decisões no Poder Executivo, fragilizando o Legislativo. Essa centralização, porém, não impedia que certos grupos pressionassem o poder Executivo para o atendimento de suas demandas. O resultado dessa prática foi a expansão da compra de acessos e resultados.

"Conhecer ministros influentes ou militares em cargos estratégicos era essencial para o sucesso do lobista. No entanto, todo o processo se desenrolava na clandestinidade", pondera a socióloga.

Isso deu margem para que a mídia passasse a chamar de lobbying qualquer atitude que tivesse alguma relação com influência e convencimento, sem se importar com o caráter da representação de interesses, o que desgastou o termo, criando um estigma de marginalidade que, hoje, longe de ter sido superado, ainda envolve a atividade.

Segundo ela, o pleno desenvolvimento do lobbying só foi possível com o fortalecimento do poder Legislativo, resultante do processo de redemocratização do país. A ação dos grupos de pressão, que se concentrava sobre algumas figuras-chave do Poder Executivo, cedeu lugar a um trabalho especializado de persuasão e representação técnica, mediante dados, relatórios, visitas e trocas de opiniões.

"O lobbying é necessário para que se crie um canal de comunicação entre sociedade civil e Estado. Essa é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que melhora a imagem da empresa ou entidade junto ao Estado, possibilita trocar idéias e informações com a sociedade civil, o que subsidiará o seu processo de tomada de decisões, e tornará a empresa ou entidade interlocutor qualificado do Estado", esclarece.

Houve também, no âmbito dos dois poderes, várias tentativas de regulamentar a prática e, assim, arrefecer o seu estigma de ilegitimidade, uma vez que pautado por regras claras, o lobbying poderia contribuir para a transparência do processo de tomada de decisões. Porém as iniciativas não prosperaram.

"Acredito que não há vontade política para a regulamentação do lobbying no Brasil. Os próprios parlamentares, muitas vezes, cumprem o papel de lobistas ao intermediarem a liberação de verbas para estados e municípios, ou ao defenderem os interesses de setores que representam ou dos quais fazem parte", argumenta Andréa.

"No Congresso Nacional há parlamentares que são proprietários de convênios médicos, universidades, agronegócios, indústrias, e todos eles defendem os seus interesses e o de seus respectivos setores. A atividade de lobbying, se regulamentada, restringiria a liberdade que hoje possuem", conclui a pesquisadora.


Pesquisadora traça perfil de profissionais
Analisando os dados fornecidos por lobistas entrevistados, Andréa traçou o perfil desses profissionais.

São, em sua maioria, homens, com idade entre 40 e 50 anos, grau de escolaridade superior – em geral cursaram Direito – e, não raro, pós-graduados. Proprietários dos escritórios de consultoria e lobbying que representam, costumam trabalhar sozinhos, imprimindo um estilo pessoal no trato com os clientes, os quais, na maioria das vezes, são empresas privadas nacionais e em menor número, entidades de classe.

Os escritórios que dirigem são de médio porte e os lobistas possuem mais de 10 anos de experiência na profissão, após terem exercido uma atividade anterior no governo.

Os honorários praticados pela categoria variam conforme a empreitada e o porte do escritório. Por exemplo, um trabalho encomendado à Patri Relações Governamentais, considerado um dos três maiores no segmento em Brasília, com 50 funcionários, não sai por menos de R$ 25.000,00 ou o equivalente em dólares, conforme informação na página da própria empresa na Internet.

Tanto as entidades classistas como os escritórios executam tarefas semelhantes, entre as quais, monitoramento legislativo e político, elaboração de estudos técnicos e pareceres que subsidiem a informação que fornecem aos tomadores de decisão, além do corpo-a-corpo, que consiste em argumentar para convencer.

Contudo, a grande visibilidade pública, a legitimidade, a capacidade de mobilização de suas bases e o caráter consensual e majoritário dos interesses defendidos pelas entidades classistas, são fatores que diferenciam a sua atuação perante a dos escritórios de consultoria e lobbying, que costumam defender interesses específicos e individualizados.


Os quatro tipos

A atividade lobista assume vários formatos e foi dividida por Andréa em quatro tipos. Entenda cada um deles:

Lobbying público – Assume as características de assessoria parlamentar e está presente nos ministérios, nas agências reguladoras, nas autarquias e em outros órgãos estatais. As assessorias parlamentares têm como objetivo influenciar os tomadores de decisão sobre o que é melhor para o próprio Estado, e isso acontece porque os órgãos governamentais, às vezes, defendem interesses diversos e conflitantes, agindo como grupos de pressão na disputa por verbas ou competências. Os lobbies dos ministérios e das autarquias federais são coordenados pela Casa Civil.

Lobbying institucional – Refere-se à atuação dos departamentos de assuntos corporativos ou institucionais das empresas privadas, os quais dedicam-se às relações com as diferentes esferas e níveis governamentais. Como já possuíam larga experiência no exterior, as empresas multinacionais foram as primeiras a utilizar o lobbying institucional no Brasil. Os seus departamentos de assuntos corporativos ou institucionais já atuavam durante a ditadura militar. Com o período de distensão entre 1974 e 1978 e a redemocratização a partir de 1985, essa atuação foi reforçada.

Lobbying classista – Caracteriza a atuação das entidades de classe, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e o DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), e tem como objetivo pressionar e influenciar os poderes Executivo e Legislativo com o intuito de defender os interesses de seus filiados. Ao representar sindicatos e federações, as entidades de classe deparam com interesses bastante amplos e muitas vezes divergentes. É por isso que se restringem a defender apenas interesses que se mostram consensuais e majoritários entre seus filiados.

Lobbying privado – Refere-se à atuação dos escritórios de lobbying e consultoria. Os primeiros escritórios começaram a ser abertos em meados da década de 70, porém, a atividade dos escritórios se intensificou com a redemocratização a partir de 1985. Como a atividade não é regulamentada e devido ao estigma de marginalidade que o lobbying carrega, agências de publicidade, agências de comunicação, agências de relações públicas, escritórios de advocacia e de consultoria política atuam no setor, mas não se assumem como lobistas.



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