Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Unicamp revelaram que um hormônio produzido no hipotálamo, chamado Hormônio Concentrador de Melanina (MCH), tem o papel duplo de controlar o gasto energético e a produção de insulina no organismo. O trabalho, que rendeu a recente publicação de um artigo na revista norte-americana Endocrinoloy, da Endocrine Society, abre caminho para ações terapêuticas destinadas a combater o diabetes mellitus, que atinge 9% dos brasileiros e normalmente está associado à obesidade. A conexão entre as duas doenças decorre do fato de que a insulina, ao mesmo tempo em que atua nos órgãos periféricos para controlar a quantidade de glicose no sangue, também atua no cérebro para controlar a fome.
“Complexas conexões participam de um ciclo que controla a fome, o gasto de energia, e a produção e a ação da insulina em múltiplos órgãos”, explica o professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e chefe do Laboratório de Sinalização Celular, Licio Velloso, que coordena as pesquisas. “Constatamos que o MCH tem papel importante nestas conexões e, por isso, torna-se um alvo interessante para abordagem terapêutica comum para pacientes com diabetes e obesidade”, completa. Os estudos coordenados por Velloso contaram com colaborações de outros grupos da Unicamp, liderados pelos professores Mário J. A. Saad, também da FCM, e Antonio Carlos Boschero e Everardo M. Carneiro, do Instituto de Biologia. (IB).
O estudo desenvolvido na Unicamp focalizou a expressão de 1.176 genes no hipotálamo de camundongos obesos alimentados com dieta rica em gordura. Desse total, 169 sofreram alterações em conseqüência da alimentação. Ao estudar isoladamente cada um deles, os pesquisadores constataram a dupla função do MCH em controlar o gasto energético e a produção de insulina no organismo.
Segundo Velloso, drogas que controlem a produção de MCH encontram-se em avaliação na Unicamp e em centros de pesquisa de outros países. “Há uma verdadeira corrida mundial para se chegar a esses medicamentos que, no futuro, possivelmente serão utilizadas para tratamento destas doenças”, diz o médico. Na Unicamp, os ensaios consistem em controlar a produção de MCH no hipotálamo dos animais. As experiências mostram que indivíduos obesos tem mais MCH, o que faz com que gastem menos energia. Já no indivíduo magro, há menos MCH e maior queima de caloria. Animais que receberam doses extras de MCH também passaram desenvolver resistência à ação da insulina, tornando-se diabéticos. “Eles produzem mais insulina mas o seu funcionamento é inadequado”, explica.
A insulina é um hormônio produzido exclusivamente por células especializadas do pâncreas, chamadas células beta. Sua produção ocorre após a ingestão de alimentos. Para que a glicose obtida através da alimentação saia do sangue e entre nas células de diversos tecidos onde participará da produção de energia, é necessário que a insulina esteja presente e funcione adequadamente. Além de promover a captação da glicose, a insulina age no hipotálamo, produzindo a sensação de saciedade. O hipotálamo é a região do cérebro que controla funções autonômicas como fome, sono, sede e termogênese (gasto de energia necessário para manutenção de funções vitais).
Quando o indivíduo desenvolve a forma mais comum de diabetes (diabetes tipo 2), segundo Velloso, observa-se que apesar de ainda possuir insulina, esta já não age mais de forma tão eficaz como anteriormente. “Com isso, há uma falha na inibição da fome e a pessoa passa a comer mais e a ganhar peso”, explica. “A resistência à ação da insulina em outras regiões do corpo favorece o desenvolvimento de diabetes enquanto a resistência à insulina no cérebro favorece o desenvolvimento de obesidade”, completa.
Outro fator que associa o diabetes à obesidade é a constatação de que dietas ricas em gordura interferem no receptor de insulina existente na célula. Para transformar glicose em energia a insulina precisa ligar-se a um receptor ancorado na membrana da célula. Em determinadas situações esse receptor não funciona corretamente, o que produz o quadro de diabetes. Segundo Velloso, uma das razões possíveis para isso é a dieta rica em gordura.
“Nosso objetivo é chegar a uma droga que atue no hipotálamo para diminuir a produção do MCH, o que possibilitará aumentar o gasto energético e melhorar a ação da insulina nos órgãos periféricos”, diz Veloso. Segundo ele, apesar de os estudos em animais terem começado há cerca de quatro anos, ainda é cedo para falar em testes nos seres humanos. “A produção de um medicamento novo depende de etapas muito meticulosas de avaliação”, explica. A etapa clínica com pacientes humanos divide-se em quatro fases e é iniciada apenas após resultados satisfatórios em animais.