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Professora da Unicamp alerta para usos equivocados da
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 2002) que ajudou a elabora
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O ofício de cada um

LUIZ SUGIMOTO


Bailarina em cena: comitê de doze representantes escolhidos dentro e pelo próprio meio artísticoO que fazem os trabalhadores brasileiros para que o país vá para frente? O portal do Ministério do Trabalho e Emprego, na Internet, traz uma página com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 2002), onde é possível saber num clique que atividades exerce um engenheiro aqüicultor, por exemplo. Ali estão descritas 596 famílias ocupacionais no Brasil, cobrindo 2.422 ocupações e 7.258 títulos sinônimos. O catador de papel agora tem seu ofício reconhecido, assim como a prostituta, com todos os seus sinônimos – meretriz, quenga, messalina, michê – e cuja atividade é “batalhar programas sexuais em locais privados, vias públicas e garimpos”.

Fruto de um levantamento nacional realizado por pesquisadores da Unicamp,A professora Liliana Rolfsen Petrilli Segnini, da Faculdade de Educação: novas perspectivas Fipe/USP, UFMG e Senai, a CBO foi atualizada depois 20 anos para referenciar estatísticas administrativas e censitárias nacionais e regionais, tornando-se instrumento estrategicamente importante também para ajudar a integrar políticas públicas, sobretudo de intermediação de mão-de-obra. A CBO atende solicitação da OIT (Organização Mundial do Trabalho), que estimula e estabelece parâmetros para este trabalho de classificação, buscando elementos comparativos e confiáveis entre países-membros que permitam um mínimo de diálogo internacional.

Ao final, chegou-se a 250 ocupações

Em duas décadas, muitas profissões surgiram, outras passaram por mudanças de conteúdo e de denominação, e outras que sempre existiram somente agora são reconhecidas. “Ocupações como as do catador de papel e da prostituta nunca foram descritas em classificações na América Latina. Ignorá-las faz com que esses trabalhadores fiquem totalmente desprotegidos. A CBO não lhes assegura proteção, mas oferece visibilidade e a chance de serem contemplados em políticas públicas”, afirma a professora Liliana Rolfsen Petrilli Segnini, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, que coordenou a pesquisa brasileira nas áreas das Ciências e das Artes.

“Conhecer, sistematizar, classificar o mercado de trabalho de um país significa elaborar parâmetros que informam relações econômicas, políticas e sociais. Trata-se de uma das políticas públicas elaboradas pelo Estado, desde 1971, no processo de consolidação do mercado de trabalho urbano e industrial no país. A CBO 2002 capta as mudanças ocorridas na última década e re-elabora os parâmetros referidos. As classificações de ocupações são compreendidas como formas de representar uma sociedade ou um país, considerando em sua elaboração parâmetros tecnológicos e sociais, tais como formação profissional, qualificação, representação sindical, relações e organização do trabalho, em suas diferentes etapas e processos”,afirma.

Segundo a professora, um grande diferencial em relação à CBO anterior, divulgada em 1982, está no método de captação de dados. Se, antes, recorria-se a um observador para acompanhar e descrever as atividades de um profissional, agora os próprios profissionais foram chamados para explicar o que fazem. “Este método canadense – Dacum – parte do princípio de que só quem realiza a atividade pode descrevê-la. No caso dos bailarinos, reuniu-se um comitê de doze representantes escolhidos dentro e pelo próprio meio artístico – bailarinos, ex-bailarinos, estudiosos – que se reuniram por dois dias para definir atividades e sub-atividades realizadas no exercício da profissão. No terceiro dia, a discussão foi feita também com as instituições de formação profissional, sindicatos patronais e de trabalhadores”, informa.

Para cumprir com sua parte no levantamento encomendado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a equipe da Unicamp foi composta por 16 professores e pesquisadores, doutorandos, mestrandos e profissionais já graduados, que foram treinados pela Capra, instituição canadense que assessorou o MTE na aplicação do método acima mencionado. O trabalho atingiu 1.300 profissionais das Ciências e das Artes, 306 associações representativas das categorias, 180 instituições de formação profissional e 208 empresas. Ao final, chegou-se a 250 ocupações, um leque que engloba desde professores de nível superior, profissionais das ciências jurídicas, comunicadores, artistas, dançarinos, músicos, religiosos, técnicos de nível médio e trabalhadores administrativos do setor de espetáculos, até profissões ameaçadas de extinção, como a de domadores de animais de circo.

Polêmica – Liliana Segnini afirma que a CBO 2002 cumpriu o propósito de classificar e caracterizar as ocupações existentes no Brasil, tornando-se instrumento relevante para o aprofundamento de questões como políticas de intermediação de mão-de-obra, emprego e desemprego, saúde ocupacional, migração e temas afins. A coordenadora da pesquisa da Unicamp adverte, porém, que os enunciados enxutos e precisos sobre as ocupações brasileiras, disponibilizados no site do MTE, servem como referência, mas não como “camisas de força” para a organização de carreiras, processos de trabalho em empresas ou de currículo em instituições de formação profissional: “É necessário compreender as especificidades regionais e locais”.

A utilização dos dados da CBO com tais objetivos é alvo de muita polêmica. “A classificação francesa, denominada Rome, tem sido utilizada para organizar carreiras em empresas ou mesmo currículos, mas esta não é a realidade brasileira”, enfatiza. “Não podemos desfocar o objetivo desta descrição. A proposta de elaborar um currículo para formar um jornalista, a partir simplesmente do que ele faz no dia de hoje, é uma visão muito redutora do que seja formação, que tem um sentido muito mais amplo, mobilizando conteúdos mais profundos”, pondera. A professora Aparecida Neri de Souza, também integrante da equipe da CBO, acrescenta que a perspectiva da formação volta-se para o cidadão e trabalhador que se pretende formar. “A CBO é um instrumento que pode informar novas políticas em educação e trabalho, articulando Ministérios do Trabalho e da Educação”, complementa.

Liliana Segnini argumenta que todas as discussões para se chegar aos mapas descritivos foram bastantes ricas e oferecem uma fonte inesgotável para pesquisadores em sociologia do trabalho e sociologia da educação, por exemplo. Cada profissão possibilita a elaboração de uma pesquisa, de uma tese. A própria pesquisadora e Neri de Souza já desenvolvem projeto temático com financiamento aprovado pela Fapesp – “Trabalho e formação no campo da cultura: professores, músicos e bailarinos” – para seguir nesta linha de pesquisa, com duplo enfoque metodológico: a análise comparativa internacional entre Brasil e França, e relações de gênero.

Pesquisa aponta acúmulo de tarefas

A professora Liliana Segnini é de opinião que as atividades e sub-atividades descritas na CBO 2002 informam também a intensificação do trabalho, visto que os dados foram captados num contexto de altíssimo desemprego, no qual os trabalhadores não relutam em acumular tarefas para garantir uma colocação no mercado de trabalho ou manter o emprego. Ela recorda que a CBO de 20 anos atrás captou outro momento da economia, da expansão da industrialização dos anos 1940 até os 1980, quando o país chegou a incorporar uma média de 500 mil trabalhadores por ano no trabalho formal, aquele com carteira assinada – que se pretendia de longa duração. “O fato é que tivemos 60% da força de trabalho com registro em carteira e, hoje, temos menos de 40%. Esta inversão nos índices talvez seja apenas a ponta do iceberg, aquilo que é mais visível dentro desse processo de mudanças”, afirma.

Segundo a pesquisadora, às reuniões compareceram ocupados, trabalhadores e profissionais que mostraram nos mapas descritivos um processo de intensificação do trabalho muito grande. “O contexto de desemprego fornece espaço político para exigir que o trabalhador faça mais do que fazia para permanecer no emprego. A primeira decorrência dessa intensificação do trabalho, sem dúvida, é o fato de estarmos diante de descrições freqüentemente apontadas, pelo próprios participantes, como superestimadas”, alerta. “Outra evidência é o enfraquecimento do movimento sindical, pois os trabalhadores estão fragilizados socialmente, com dificuldades para aderir a uma resistência mais explícita contra o acúmulo de tarefas”, acrescenta.

A professora Neri de Souza lembra que representantes dos sindicatos dos professores propunham a CBO como uma diretriz para normatizar a profissão do ensino médio, até perceberem que os docentes estavam se submetendo a um conjunto de atribuições que não eram as suas. “A estratégia de manutenção do emprego era bem perceptível”, conclui.

Serviços

Confira os dados sobre sua profissão na Classificação Brasileira de Ocupações
(CBO 2002) em:
www.mtecbo.gov.br/index.htm


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