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Estudo aponta erros de planejamento
e cria metodologia para orientar o treinamento das equipes
Futebol coloca
tática para escanteio
MANUEL ALVES FILHO
Quando um treinador de futebol assumir aquele ar empertigado diante das câmeras de TV e avisar, com ar professoral, que seu time adotará o esquema 3-4-3 ou o 4-4-2 para enfrentar o adversário, desconfie. Na prática, cada um dos jogadores exerce funções diferentes ao longo da partida, fato que não pode ser percebido pela simples constatação dos números que nomeiam os sistemas de jogo. Tal divergência, porém, não constitui um subterfúgio para enganar o oponente. Trata-se, possivelmente, de mero desconhecimento do que sejam estratégia e tática de jogo, bem como da importância destas para conferir maior rendimento à equipe. A constatação faz parte de um estudo desenvolvido para a dissertação de mestrado de Rodrigo Aparecido Azevedo Leitão, defendida recentemente junto à Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, sob a orientação do professor Antonio Carlos de Moraes. No trabalho, o autor criou uma metodologia para analisar a dimensão tática de uma partida de futebol, a partir de dados qualitativos e quantitativos. Como resultado da pesquisa, ele desenhou, de forma hipotética, o melhor caminho para os atletas chegarem ao gol.
Se houvesse como estabelecer uma seqüência eficiente para um time marcar o gol, ela seria a seguinte, segundo o estudo realizado por Rodrigo Leitão. A jogada teria início com um desarme completo, que deveria ocorrer preferencialmente no segundo tempo de jogo, na zona de transição ofensiva e pelas faixas laterais do campo. Três jogadores tocariam a bola entre eles por quatro vezes, promovendo a alternância das faixas e zonas de campo. Todo o evento deveria ocorrer em até 20 segundos, sendo concluído, obviamente, com um arremate certeiro. O autor da dissertação explica que o dado não é uma receita pronta de sucesso, mas sim uma informação a ser considerada por ocasião dos treinamentos.
Autor desenha cenário ideal para alcançar o gol
Com freqüência, destaca o pesquisador, os técnicos colocam suas equipes para treinar incansavelmente o que é predominante durante um jogo, mas muito pouco o que é determinante. “Embora boa parte dos treinadores desconheça ou desconsidere, as informações táticas são muito importantes, pois elas têm reflexo significativo no êxito dos jogadores e, conseqüentemente, das equipes”, afirma Rodrigo Leitão. Para desenvolver o trabalho, ele analisou 61 partidas disputadas no ano de 2002, sendo 21 da Copa do Mundo, 20 do Campeonato Brasileiro e outras 20 do Corinthians, também ao longo do Brasileirão. Todos os jogos foram gravados por uma mesma emissora de TV a cabo.
O autor da dissertação dividiu o campo de jogo em 36 partes iguais, sendo 18 em cada meio campo, de modo a analisar cada evento por quadro. Foram consideradas, entre outras, variáveis como tempo de jogo decorrido, tempo de realização de ataque, mudança de setor de ação no campo de jogo, zonas privilegiadas de desarmes, número de contatos com a bola por seqüência ofensiva, passes, levantamentos, cruzamentos e finalizações. Uma constatação curiosa feita por Rodrigo Leitão diz respeito ao padrão de jogo dos times estudados. “Embora tenham alcançado resultados distintos, essas equipes não demonstraram grandes diferenças entre si”, diz. O levantamento indicou ainda que, em termos táticos, o que ocorria em campo não guardava relação com o que afirmava a maioria dos treinadores.
De acordo com a pesquisa, a boa performance de uma equipe normalmente está associada à velocidade, à capacidade de desarmar o adversário no campo deste, à eficiência dos passes e até mesmo ao número de faltas cometidas. Sobre este último item, o professor Moraes adverte: “Não basta fazer a falta. É preciso saber onde ela deve ou pode ser feita”. A constatação, acrescenta, joga uma pá de cal sobre a máxima que assegura que o time mais faltoso normalmente vence a partida. Conforme o autor da dissertação, a Seleção Brasileira que conquistou o pentacampeonato em 2002, dirigida por Luiz Felipe Scolari, tinha o mérito de saber onde e como cometer uma infração. “Na maioria das vezes, os brasileiros paravam as jogadas numa região que não oferecia riscos à defesa”, lembra.
Além disso, o time de Felipão também tinha um bom índice de passes verticais, ou seja, a equipe evoluía com freqüência em direção ao gol. Adicionalmente, o selecionado demonstrava muita eficiência para interceptar ou impedir os cruzamentos dos adversários, cuidado que evitava que a zaga, considerada por muitos como o ponto fraco do time, fosse colocada constantemente à prova. Segundo o professor Moraes, ao estudar detidamente a dinâmica e os eventos de um jogo de futebol, a metodologia desenvolvida por Rodrigo Leitão constitui uma ferramenta valiosa para o planejamento de um time, a partir de indicadores confiáveis. De resto, para formar um esquadrão vencedor, é preciso contar com o talento e a habilidade dos atletas e, como não poderia deixar de ser, com o auxílio luxuoso do imponderável, como diria Nelson Rodrigues.
Ponte Preta A dissertação de mestrado desenvolvida por Rodrigo Leitão nasceu a partir do trabalho chamado scout, que nada mais é do que um levantamento quantitativo dos elementos que compõem uma partida de futebol: passes, desarmes, cruzamentos, finalizações, faltas, impedimentos, tempo de jogo, substituições, cartões, atuação do goleiro etc. Segundo o professor Moraes, a pesquisa deu seqüência a uma experiência que vem sendo feita junto à Ponte Preta, clube de Campinas. Desde 1996, o professor Laércio Luis Vendite, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), coordena o scout do time, com a colaboração do orientador de Rodrigo Leitão.
Os dados coletados até aqui têm sido enviados para congressos científicos promovidos em diversos países, como Austrália, Grécia e Portugal. O docente da FEF afirma que o levantamento referente à Macaca, como a equipe é carinhosamente chamada, ambiciona fornecer elementos técnicos para serem utilizados em treinamento específico individualizado. “Há de ser destacado que várias equipes realizam algum tipo de scout, porém não com a profundidade do trabalho desenvolvido na Ponte Preta”, garante Moraes.
Conclusões
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O meio-campo ofensivo demonstrou ser, nos jogos analisados, a região do campo mais vantajosa para a recuperação da posse da bola, de modo a alcançar com mais rapidez a meta adversária. Quanto mais perto do gol, maior a possibilidade de chegar até ele.
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Dentro do meio-campo ofensivo, a recuperação da posse de bola na forma de desarme mostrou-se mais eficiente para proporcionar seqüências ofensivas resultantes em finalizações com gols.
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As interceptações foram as formas mais freqüentes de destruição da seqüência ofensiva adversária.
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A posse da bola não foi um fator determinante do êxito ou fracasso das equipes nas partidas.
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A variabilidade de jogadas e a variação de zonas e faixas do campo de jogo na construção das seqüências ofensivas constituíram fator importante para o melhor desfecho da mesma.
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O baixo tempo de realização dos ataques mostrou-se um fator associado à eficiência das jogadas.
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Fontes: Rodrigo Leitão e Antonio Carlos de Moraes |
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