Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 257 - de 28 de junho a 4 de julho de 2004
Leia nessa edição
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Cartas
O perfil da nova CUT
Soja: combate à anemia
Plantas medicinais
Inovação tecnológica em
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Pagu: a história da catadora
Parceria em pesquisas no AM
Negro no mercado de trabalho
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Unicamp na mídia
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  contemporânea
Café sem cafeína
 

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Estudo do Cesit mostra mudanças
verificadas no perfil da central sindical na última década


Pesquisa traça
o perf
il da nova CUT

CLAYTON LEVY


O professor e economista Cláudio Dedecca: "A CUT percebeu a necessidade de o Estado regular as relações de trabalho" (Foto: Antoninho Perri)Estudo inédito do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Cesit) e da Escola Sindical São Paulo, revela que, na última década, ocorreram mudanças importantes no perfil e no projeto político da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A entidade, que nasceu em 1983 como a organização mais combativa do sindicalismo brasileiro, aproximou-se do Estado, distanciou-se de sua base e envelheceu. A pesquisa “Quem são e o que pensam os delegados da CUT” foi realizada durante o 8º Congresso Nacional da central em junho de 2003 com 1.722 dos 2.500 delegados que participaram do evento.

Pesquisa foi feita em congresso da central

Uma das mudanças mais significativas está relacionada à postura da CUT em relação ao Estado. Nos anos 80, a central defendia o fim da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da Justiça do Trabalho e a não-interferência do Estado nas relações trabalhistas. Já em 2003 defende que os direitos básicos devam ser regulados pelo Estado e que outros direitos devam ser discutidos nas negociações. Segundo a pesquisa, “80% dos delegados entrevistados são favoráveis à presença ativa do Estado na regulação básica das relações e direitos do trabalho”. Somente 23% dos delegados defendem a prevalência da negociação na definição dos direitos.

O professor José Dari Krein: "As reações à flexibilização do artigo 618 da CLT marcaram mudança de postura" (Fotos: Antoninho Perri)“Essa mudança se deve à necessidade de preservar os direitos mínimos dos trabalhadores ante às mudanças no cenário político-econômico”, analisa o economista Cláudio Salvadori Dedecca, um dos coordenadores do estudo. “A CUT nasce num momento em que o Estado ainda é identificado com a ditadura militar, mas no decorrer do tempo, especialmente após a década de 90, quando teve de enfrentar o projeto neoliberal, a central percebeu a necessidade de o Estado regular as relações de trabalho como forma de garantir um patamar mínimo de direitos para os trabalhadores”, explica.

“Na década de 80, o movimento sindical estava emergindo com força e achava que tinha capacidade de se impor pela força da mobilização”, observa Dedecca. “Mas na década de 90, o movimento sindical enfrenta um período de fragilização em razão do desemprego, crise econômica, recessão e as conquistas começam a ficar mais escassas. É aí que a CUT percebe a necessidade da presença do Estado para regular as relações trabalhistas”, completa.

“As reações da central contra a flexibilização do artigo 618 da CLT (possibilita que a legislação do trabalho seja feita via negociação), durante o governo FHC, foram o o momento que melhor expressou essa mudança de postura”, destaca o professor José Dari Krein, que também participou do levantamento. “Nesse momento a CUT passa a defender a CLT, a legislação e a necessidade de um Estado mais ativo na regulação do trabalho”, completa.

8º Congresso Nacional da CUT, realizado em 2003, em São Paulo: para Dedecca, central afunilou sua atuação em temas pontuais e deixou de lado a articulação por conquistas de maior abrangência  (Fotos: Eduardo Knapp/Folha Imagem)Essa posição fica mais evidente quando os delegados avaliam o papel da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no processo de negociação. Predomina entre eles a posição de que a CLT deve sofrer algumas modificações, mas não pode ser descartada no atual processo de reformas. Para a maioria dos delegados (55%) presentes no Congresso, a CLT deve ser mudada apenas parcialmente. Outros 13% defendem a manutenção integral da CLT. “Em suma, mais de 2/3 dos representantes consideram importante a manutenção da CLT”, diz o documento. Apenas 9,5% dos delegados optaram pela substituição da CLT por um novo código do trabalho.

Outro aspecto que, segundo a pesquisa, reforça a aproximação da CUT em relação ao Estado é a defesa da presença da Justiça do Trabalho nos processos de negociação com as empresas. No final dos anos 80, a CUT rejeitava a Justiça do Trabalho. Hoje, 77% dos delegados entrevistados dizem que ela deve continuar existindo, embora com modificações. “Esse é um fato novo”, destaca Dedecca. Para 69,3% dos delegados, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) deve ser regulado exclusivamente pela lei, assim como férias (66,9%), 13º salário (63,6%) e licenças maternidade e paternidade (62%).

Apesar de não haver dúvidas sobre a mudança de postura da CUT em relação ao Estado, Dedecca chama a atenção para um detalhe que, embora não apareça na pesquisa, merece ser destacado. “A CUT percebe hoje a importância do Estado como instrumento para preservação de direitos mínimos, mas isso não significa que o movimento sindical tenha clareza do que deva ser essa base de direitos”, diz. “Na pesquisa mensuramos a necessidade de o Estado estar presente, mas ainda não está claro como a CUT considera que deva ser esta presença”,completa.

Para Dedecca, a central afunilou sua atuação em temas pontuais e deixou de lado a articulação por conquistas de maior abrangência no mercado de trabalho. “A central tem a função política de expressar as bandeiras fundamentais do movimento sindical; não cabe a ela entrar na discussão de uma negociação coletiva específica”, diz. Na avaliação do pesquisador, uma central com o perfil da CUT deve se preocupar com os temas mais gerais das relações do mercado de trabalho, como o salário mínimo, sistema de proteção de direitos da política social, forma de organização dos sindicatos.

“Se formos olhar a atuação da CUT nos últimos anos veremos que está muito mais focada em temas de interesse econômico”, observa Dedecca. Segundo Dari, essa postura ficou caracterizada no episódio do reajuste do salário mínimo pelo governo Lula. “A CUT fez seu papel ao colocar o tema em discussão mas se mobilizou pouco, não tentou envolver outros atores e não discutiu com a sociedade”, diz. “Em vez disso, foi uma ação muito pontual, focada e isolada”, completa.


Maioria dos delegados ocupa cargos diretivos

O levantamento também revelou um distanciamento crescente entre os delegados e as chamadas bases. A maior parte dos delegados tem cargo de direção (90% dos delegados ocupavam funções no primeiro escalão). “Isso mostra que o último congresso da CUT foi marcado por reduzida participação da base”, diz o documento. Somente 6,7% dos dirigentes eram diretamente vinculados a algum tipo de organização sindical no local de trabalho”, informa o relatório. Também se destaca a pequena participação de membros de oposição sindical, restrita a 2%.

Somando os dirigentes de organizações no local de trabalho, os delegados de oposição sindical e aqueles que não exercem cargos de direção sindical, chega-se a 16% da representação no Congresso. Segundo a pesquisa, este é um número similar ao encontrado no 4º Concut (1991), que foi o primeiro congresso realizado sob a vigência do estatuto reformulado em 1988. No 3º Concut, realizado em 1988, os delegados de base representavam 51% do total.

No ano passado, 23% dos delegados presentes eram presidentes de suas entidades e 9% eram tesoureiros. Há dez anos, esses percentuais eram, respectivamente, 18% e 5%. “Cada vez mais a CUT é organizada pela liderança sindical. A presença de trabalhadores de base vinculados a cargos de direção é pequena”, diz Dedecca.

O trabalho mostra, ainda, que 40% dos delegados eram ligados ao setor público. Há dez anos, eram 33,7%. Também dobrou a representação do setor rural (de 10% para 20%) no período. Não houve mudança na representação do setor industrial, que se manteve em 16% em dez anos.O estudo revela ainda que os delegados da central têm renda média de 4,2 salários mínimos -quase o dobro da renda média do trabalhador brasileiro (2,5 salários mínimos).

Envelhecimento – Outra mudança que chamou a atenção na pesquisa é o envelhecimento dos dirigentes sindicais ligados à CUT. Enquanto em 1994 a maioria (55%) dos participantes localizava-se na faixa de 30 a 39 anos, no 8º Concut a maioria (57%) encontrava-se com mais de 40 anos. No 5º Concut, em 1994, somente 28,6% dos participantes tinham mais de 40 anos. “Isso sinaliza um menor grau de renovação na direção da central. É um dado preocupante”, observa Dedecca. Segundo ele, até meados dos anos 90, a CUT passou por renovação intensa de quadros.

De acordo com o levantamento, 69% dos participantes do Congresso possuem menos de 10 anos de exercício em cargos de direção sindical. São, portanto, lideranças forjadas na prática sindical estabelecida na década de 90. Apesar disso, é expressiva a presença de delegados com mais de 10 anos na direção sindical, chegando a 31% dos entrevistados. Em contraste, somente 14% dos representantes estão em cargos há menos de 2 anos.

Em relação ao 5º Concut, observa-se um aumento do tempo de direção dos delegados . Por exemplo, o percentual de dirigentes com até dois anos de direção era de 24,7%, baixando, em 2003, para 14%. Enquanto isso, aumentou o número de dirigentes com 7 anos ou mais, que pulou de 24,8% para 53%, entre 1995 e 2003.

De acordo com Dedecca, fatores políticos e econômicos explicam esse quadro. Do ponto de vista econômico, esse movimento estaria associado ao baixo crescimento da economia e à falta de postos de trabalho durante a década de 90. “Os trabalhadores de diversas categorias ingressaram no mercado de trabalho até a década de 80”, observa.

O outro fator, de ordem política, deriva do fato de a CUT estar vinculada ao surgimento de um partido político, o PT. Num primeiro momento, segundo Dedecca, o crescimento e a consolidação partidária permitiram que vários dirigentes saíssem de seus postos de trabalho e se transformassem em políticos. Há uma mobilidade natural e crescente da CUT para o partido nos anos 80. “Basta ver o grande número de ex-sindicalistas dos anos 80 que agora estão no governo”, destaca. Entretanto, a partir do momento em que o partido se consolida e passa a ter um crescimento menos acelerado essa migração cai. “Naturalmente, isso induz a um processo de envelhecimento da direção da central”.


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