De acordo com a coordenadora da pesquisa, a professora Maria Coleta Oliveira, do Nepo, o trabalho de avaliação teve início em 2002 e se estenderá até 2006. A metodologia de pesquisa foi dividida em quatro etapas, das quais as duas primeiras já foram concluídas e envolveram uma análise documental do trabalho desenvolvido pela PMFC nos três anos que antecederam à pesquisa e, também, a realização de um estudo de caso com um grupo de 112 usuárias e usuários dos serviços da entidade e seus respectivos pares.
Fundada em 1977, a Pró-Mulher tinha como missão inicial atender mulheres, vítimas da violência doméstica. Porém, como esse serviço não se mostrava tão eficiente e satisfatório, no início da década de 1990 a instituição resolveu adotar uma nova metodologia, desta vez envolvendo os homens no atendimento, como usuários e como parceiros das mulheres atendidas. Segundo Malvina Muszkat, coordenadora da pesquisa pela PMFC, essa mudança teve dois componentes fundamentais. O primeiro, fazer com que o homem se comprometesse com os atos de violência por ele praticado. O segundo, permitir que as soluções para as situações de conflito nas quais se instala a violência pudessem ser negociadas.
Além disso, a ONG passou a atender também outros membros da família envolvidos nos conflitos. Essa ampliação no atendimento fez com que a Pró-Mulher mudasse de nome, adotando a partir daí a denominação Pró-Mulher, Família e Cidadania. A sede da instituição está localizada na cidade de São Paulo, no bairro de Pinheiros e atua em vários convênios com a Procuradoria de Assistência Jurídica (PAJ) do Estado de São Paulo. Possui uma equipe multidisciplinar composta de advogados, psicólogos e assistentes sociais.
Malvina explica que a metodologia adotada foi trazida dos Estados Unidos e adaptada completamente à realidade brasileira. “Nos Estados Unidos é aplicada em população de classe média, estritamente voltada para questões jurídicas. Aqui ela foi adaptada para uma população de baixa renda. Incluímos vários itens e fomos avaliando e ajustando constantemente”, completa.
Impacto A participação do Nepo nesse trabalho foi de avaliar o impacto e a eficiência da metodologia. O modelo de avaliação adotado denomina-se “avaliação formativa”. Para isso, contaram com a participação de uma consultora especialista em avaliação de políticas públicas, a socióloga Regina Faria. Segundo Coleta, a alternativa escolhida é bastante consistente com a linha de pesquisa em Políticas Públicas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), financiadora do projeto juntamente com o Prosare (Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva), mantido pela Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) com recursos da Fundação MacArthur.
Este modelo pressupõe que, à medida que os resultados vão sendo produzidos, vão sendo introduzidas alterações no atendimento, não sendo necessário esperar que o projeto acabe para que melhorias possam ocorrer. Desta forma, o modelo de pesquisa tem caráter participativo, no qual a cada momento que surgia uma massa de conhecimento proporcionada pela pesquisa, reuniam-se com os técnicos apresentando e discutindo os resultados e o que fazer diante desses resultados. Como a instituição já possuía essa prática de revisão, por executar isso semanalmente com os técnicos, alguns dos problemas já eram conhecidos. “Porém, é diferente quando um grupo externo identifica o problema e mostra como a solução dessa questão pode implicar em melhora do serviço”, analisa a coordenadora.
Além do acompanhamento do atendimento e das entrevistas, a equipe decidiu que a melhor forma de avaliar o impacto seria fazer um follow up depois de alguns meses do encerramento do trabalho. O objetivo era saber, depois de passado algum tempo, qual a avaliação que as pessoas fazem daquilo que aconteceu e o que mudou na vida delas.
A segunda etapa da pesquisa encontra-se em andamento. Trata de avaliar o desenvolvimento da cooperação entre a PMFC e o serviço de atendimento na área de família da Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo (PAJ). O relatório da parte executada na sede da PMFC está sendo absorvido pela instituição e algumas modificações já foram realizadas. Outras continuam sendo feitas.
Ao comentar o trabalho realizado na PAJ, Coleta revelou que as perspectivas de futuro são muito boas, uma vez que os procuradores envolvidos são entusiastas dessa metodologia. “Eles sentiram que o trabalho teve um grande significado para eles, não só em termos da perspectiva de mediação e no acesso das pessoas a outras possibilidades de condução de suas vidas, como especialmente na redução do número de ações judiciais, na medida em que se encontra uma solução amigável para os casos. Isso evita desdobramentos que implicam, muitas vezes, em mais de uma ação judicial em cada caso atendido”, explica.
Vontade política Apesar de entusiastas, os recursos financeiros e físicos para ampliar o serviço são escassos. Segundo Coleta, o desenho setorial das políticas precisa ser revisto, uma vez que o atendimento judiciário, a assistência social e a saúde são serviços localizados em diferentes órgãos, dificultando a abordagem interdisciplinar no atendimento à população. Para que esse tipo de serviço de atenção integrada evolua, é necessária muita vontade política. As coordenadoras são unânimes em afirmar que, apesar das dificuldades, o serviço oferecido pela PAJ é muito bem gerenciado pelos procuradores.
A PMFC chegou à conclusão de que o trabalho interdisciplinar é um enorme desafio de diversas naturezas. O primeiro deles é de ordem operacional. Os serviços de atendimento à população precisam dispor de diferentes profissionais, desafiando o estilo setorial e fragmentado. O segundo é a natureza dos olhares. O bom advogado, o bom psicólogo e o bom assistente social chegam à instituição com formação profissional já delineada na graduação e, por mais que reconheça a importância de outros profissionais, na hora de trabalhar é muito difícil absorver diferentes percepções. Conflitos, divergências e falhas surgem exatamente aí. “Se pensarmos isso sob a estrutura do poder público, é muito mais complicado”, compara.
Segundo Malvina, a experiência da PMFC revela que, em 12 anos de atendimento, o perfil da população atendida mudou muito. As classes média e média baixa se proletarizaram e, com isso, a população que procura o serviço não é somente a mais pobre. O quesito idade também apresentou alterações, observando-se uma diminuição drástica na média de idade da população que busca a PMFC. A hipótese é a de que antigamente as mulheres ficavam mais tempo submetidas a situações de violência do que ficam hoje. Porém, em doze anos de atendimento somente um homicídio foi registrado e esse é um dado considerado importantíssimo pela equipe. Além disso, outro fato importante é o reconhecimento das pessoas pelo atendimento prestado.
Em alguns países da América Latina, assim como nos Estados Unidos e na Europa existem centros de mediação na comunidade. Na visão das pesquisadoras, se cada sub-prefeitura de São Paulo tivesse um centro de mediação e ele pudesse absorver os casos da região, isso seria muito bom. Para elas, existem tantos conflitos em diferentes áreas que a idéia seria atuar junto à população, visando uma mudança de mentalidade das pessoas, evitando desdobramentos desagradáveis, capazes de inviabilizar uma solução mais simples.
Os centros de mediação funcionariam como centros de prevenção e trabalhariam em parceria com as diversas instituições do poder público. Porém, para Malvina, que é psicanalista e dirige atualmente o Núcleo de Estudos em Mediação Interdisciplinar da PMFC, é preciso entender também os paradigmas do que significa mediação. “É necessário um tempo adequado para fazer a mediação, ouvir as partes. Existe um perigo na interpretação equivocada do que venha a ser mediação”, reflete.
A terceira fase da avaliação será uma pesquisa com a população alvo. A partir da identificação dos bairros dos quais provém a clientela, o objetivo é entrevistar e visitar famílias desses bairros, provavelmente os de maior concentração. Será um trabalho de acompanhamento, com visitas em vários momentos do dia e em diferentes dias da semana, com famílias que nunca procuraram o serviço.
A idéia é verificar se existem diferenças do ponto de vista das concepções e dos valores que possam influenciar esse tipo de ocorrência conflituosa, mais violenta, daqueles que procuram o serviço quando comparados com os que não procuram, mas que são parte do público alvo, cuja renda e local de moradia são os mesmos.
“Quando trabalhamos na linha da mediação, não temos como finalidade resolver apenas o conflito pontual. Nós temos como finalidade oferecer a oportunidade de mudar a concepção e a compreensão das pessoas a respeito da questão de gênero, da questão da violência e até da concepção de família. Então, o que a equipe está avaliando é qual o impacto desse método e se de fato há uma mudança nessas concepções ou não”, finalizam as coordenadoras do projeto.