Numa comparação simplista, a implantação desta técnica na indústria seria como posicionar máquinas fotográficas ao redor da esteira onde correm as laranjas, obter imagens em três dimensões e conferir no computador se o tamanho de cada fruto está dentro do padrão desejado. Impedido de demonstrar como o processo é experimentado em seu laboratório temporariamente desmontado para receber uma nova mesa óptica e outros equipamentos , Inácio Dal Fabbro faz uso da clareza verbal para explicar como os métodos de Moiré e o Biospeckle, bastante conhecidos na física e na mecânica, estão sendo levados à área agrícola com o objetivo de certificar a capacidade de germinação de uma semente ou a arquitetura e o tempo de vida (senescência) de frutos e plantas.
“Nossa agricultura pede engenharia sofisticada. O engenheiro civil que está construindo um prédio precisa saber de antemão como a obra ficará quando pronta, não pode apenas supor; assim deve ser também no setor agrícola. Pelo menos em relação aos frutos, a aplicação dos métodos de Moiré e de Biospeckle é quase uma realidade, e nosso grupo está pronto para iniciar uma nova era tecnológica”, assegura o pesquisador. Neste grupo, ele inclui pesquisadores de outras instituições com as quais a Feagri mantém estreita colaboração, como os Institutos de Física da Unicamp e da USP, a Universidade Federal de Lavras, a Universidade de La Plata (Argentina), o Instituto Agronômico de Jundiaí e a Unisal de Campinas.
Moiré Formado em engenharia agrícola, Dal Fabbro atua na área de mecânica voltada à agricultura, com especialização em Ohio e PhD em Michigan, tendo sido também professor em ambas as universidades. Trouxe de lá uma experiência de nove anos na aplicação das duas técnicas em sua área, então uma grande novidade. “O método de Moiré é bastante antigo, mas vem ganhando terreno principalmente depois da informatização. Antes, era conhecido apenas como um método óptico, fotoelástico, como vários outros bem conhecidos na física”, adianta.
Procurando tornar mais claro o conceito de Moiré, o professor oferece o exemplo de duas telas de tecidos mais ou menos transparentes, com a mesma densidade de linhas, uma disposta sobre a outra: “Quando uma das telas é deslocada ou deformada, nota-se uma interferência de ondas luminosas que também se deslocam. Se a deformação causa o deslocamento das ondas luminosas, essas ondas servem para medir deformações”, simplifica. Logo, a mesma técnica serve para medir topografias: superfícies lisas e depressões, como “montanhas e vales”. No caso de um fruto, as ondas luminosas permitem determinar sua forma geométrica e, com a aplicação da técnica em boa escala, é possível imaginar um salto no processo de seleção, estabelecendo e garantindo padrões.
A determinação da arquitetura de uma planta vegetal, por sua vez, é importante, entre outras coisas, para o cálculo da fotossíntese (quanto ela está recebendo de luz) o que vai influir no sistema de poda e condução de um pomar e para a regulagem de máquinas em grandes plantações, ajudando a definir tipo e nível de corte. “Nós publicamos vários trabalhos a respeito. Um dos estudos envolve a lâmina que corta a cana e a tensão e deformação que ocorre durante este processo; outros analisam elementos de máquinas em processo dinâmico, como a vibração em um disco de corte”, informa o pesquisador.
Biospeckle As pesquisas para aplicação do Biospeckle (ou Speckle dinâmico) na agricultura foram introduzidas no Brasil por dois alunos doutorados na Feagri que passaram a integrar os quadros da Universidade Federal de Lavras. Sobre a técnica, Inácio Dal Fabbro explica que, quando o laser ilumina qualquer superfície com seus “vales e montanhas”, os raios refletidos interferem um no outro e formam os chamados grãos de Speckle: são pontos brilhantes e pontos negros que ressaltam a topografia da superfície. Este efeito muitas vezes é considerado um estorvo para o pesquisador da física, mas na agricultura e em outras áreas torna-se bastante interessante na área agrícola.
“Quando temos um material biológico (tecido animal ou vegetal) refletindo luz laser, os grãos de Speckle movimentam-se freneticamente, formando uma imagem que pode ser captada, processada e que aparece na tela do computador como chuviscos de uma televisão fora do ar. Já foi comprovado que o Biospeckle é proporcional à vitalidade do tecido, ou seja, quanto mais intensa a imagem, mais vivo o tecido. Cortando uma semente e medindo a intensidade de grãos de Speckle na área cortada, podemos predizer a capacidade de germinação, o índice de vida do tecido”, conclui Inácio Dal Fabbro.
Grupo da Unicamp é
chamado de ‘Moiré People’
O professor Inácio Maria Dal Fabbro lembra-se bem de quando acompanhou o trabalho de pesquisadores da Universidade de La Plata, que determinaram a geometria de uma antiga catedral a partir de seus tijolos expostos, utilizando uma sofisticada técnica de Moiré. Era um sinal da ênfase que aquele método, assim como o de Biospeckle, vem ganhando em pesquisas internacionais. No Brasil, o grupo da Feagri é o único a pesquisar a aplicação dessas técnicas especificamente na agricultura, além de vir emprestando o conhecimento para outras áreas de especialização como medicina, arquitetura e engenharia civil , tanto dentro como fora da Unicamp. Dal Fabbro estima em cerca de 50 o número de trabalhos publicados em congressos nacionais e internacionais, e uma dezena em revistas científicas. “Já somos chamados de ‘Moiré People’”, brinca.
Os métodos de Moiré e de Biospeckle têm oferecido respostas a problemas tão difíceis quanto inusitados, como a geometria da rótula em junção com a tíbia; identificação de tecidos vivos, mortos ou necrosados quando gerados em tela de propileno; a distribuição de tensão e deformação em juntas de estruturas de madeira; determinação da arquitetura de edificações rurais; ou, para mencionar um projeto de pesquisa do Instituto de Física da USP, a medição do nível de secagem da pintura industrial. “Não existe limite em relação a proporções. Podemos determinar medidas em tamanho microscópico ou macroscópico”, assegura Dal Fabbro.
Outro trabalho fora de sua área destacado pelo professor é realizado na Universidade Federal de Lavras, utilizando o Biospeckle para certificação de sêmen animal. Segundo ele, o movimento frenético dos espermatozóides de um animal também permite medir a qualidade do sêmen, uma garantia para o pecuarista, por exemplo, que paga caro pelo produto. A mesma técnica vem servindo para qualificação do hemograma animal, podendo-se detectar a presença de patógenos no sangue. Quanto à possibilidade de adoção do método para se determinar a fertilidade no homem, no entanto, Dal Fabbro é comedido: “A classe médica é que deve opinar sobre esta possibilidade, pois entram questões éticas. Mas, em tese, imagino que é possível utilizar o método”.
Projetos Um dos aspectos enfatizados por Inácio Dal Fabbro nas pesquisas com os métodos de Moiré e de Biospeckle é a atração que as técnicas exercem junto aos estudantes de graduação, estimulando a iniciação científica. Por isso, o professor incluiu as matérias em sua disciplina. Na pós-graduação, ele acha que chegou o momento de colocar as pesquisas em prática. “Até agora, escrevemos papers. Devemos sair do laboratório de quintal, adquirindo equipamentos mais sofisticados e passando a elaborar projetos. Já mantemos contatos com produtores nas áreas de sementes e de seleção de frutas, havendo a possibilidade de trabalhar com arquitetura de plantas. Para o futuro reuniremos capacitação no desenvolvimento de equipamentos agrícolas, como os de poda e de pulverização, entre outros. É importante não se restringir aos fundamentos e forçar nossa entrada efetiva na área tecnológica”, finaliza.