Tese avalia ação de anestésicos em hipertensos
CARMO GALLO NETTO
Os cirurgiões-dentistas em geral encontram dificuldades em tratar pacientes hipertensos porque temem que o uso de anestésicos locais contendo vasoconstritores provoque alterações significativas na pressão arterial a ponto de colocar em risco a vida desses pacientes. Além disso, a ausência na literatura especializada de informações mais objetivas dificulta a escolha do anestésico mais adequado e a decisão sobre a dose a ser utilizada. Os anestésicos que não contêm vasoconstritores se mostram ineficazes na contenção do sangramento e no tempo de duração do efeito, fatores que dificultam a maioria dos procedimentos odontológicos. A dor e o estresse conseqüentes de uma anestesia ineficiente podem provocar alterações na freqüência cardíaca, na pressão arterial e gerar arritmias, mais prejudiciais do que os possíveis efeitos provocados pela quantidade de vasoconstritores.
Essas constatações levaram a cirurgiã-dentista Vanessa Rocha Lima Shcaira, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, a avaliar o efeito dessas soluções anestésicas sobre alguns parâmetros cardiovasculares de vinte pacientes portadores de hipertensão arterial estágio l (até o limite de 159/99 mmHg). Os resultados mostraram que a utilização de dois tubetes de anestésicos locais (lidocaína com adrenalina ou prilocaína com felipressina, em concentrações devidamente especificadas e controladas) não induziu alterações cardiovasculares clinicamente importantes em hipertensos estágio 1 e podem ser usados com segurança nesses pacientes.. Verificou-se também que o controle da dor trans e pós-operatória e da ansiedade é importante para evitar alterações cardiovasculares clinicamente relevantes. O estudo deu origem à tese de doutorado apresentada à Faculdade de Odontologia de Piracicaba.
Vanessa explica os pressupostos de partida: “Embora o uso de anestésicos locais para o controle da dor em pacientes hipertensos seja bastante discutido na literatura e haja concordância na associação dessas soluções com substâncias vasoconstritoras para aumento da eficiência anestésica, o uso com segurança dessa associação em pacientes com alterações cardiovasculares ainda é motivo de controvérsias. Não há estudos bem controlados do tratamento odontológico desses pacientes quanto a alterações eletrocardiográficas relacionadas ao uso de soluções anestésicas locais contendo os vasoconstritores adrenalina ou felipressina. A maioria dos trabalhos omite informações importantes como dose e tipo de soluções utilizadas, o que inviabiliza conclusões”.
Como foi Vinte voluntários portadores de hipertensão arterial estágio 1 foram monitorados antes, durante e após o atendimento odontológico para avaliação da pressão arterial e freqüência cardíaca através do MAPA (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial) e da incidência de arritmias cardíacas por meio de monitorização eletrocardiográfica contínua por Holter, em quatro sessões de estudo: uma basal, com o Holter instalado por 24 horas, outra de simulação de atendimento odontológico com utilização do Holter (24 horas) e do MAPA (5 horas) e mais duas sessões com tratamento periodontoal após anestesia com dois tubetes (3,6 mL de soluções com adrenalina ou felipressina aleatoriamente alternadas), com idêntico monitoramento utilizado na simulação.
Os voluntários tiveram o nível de ansiedade avaliado nas quatro sessões e o acompanhamento da dor deu-se durante e após as duas últimas sessões em que se verificaram os procedimentos odontológicos. O monitoramento dos procedimentos levou Vanessa a concluir que “a utilização de soluções dos dois anestésicos contendo adrenalina ou felipressina, no volume de 3,6 mL, não induziu alterações cardiovasculares clinicamente significativas em pacientes hipertensos estágio 1. Além disso, o controle efetivo da ansiedade frente ao atendimento odontológico e da dor trans e pós-operatória, com anestesia eficaz e medicação analgésica, contribui para o atendimento seguro desses pacientes”. A pesquisadora pretende continuar os estudos com pacientes em outros estágios de hipertensão arterial.
O estudo, que contou com recursos de auxílio à pesquisa da Fapesp e bolsa de estudos da Capes, foi desenvolvido no Consultório Odontológico do Hemocentro da Unicamp com apoio das professoras Joyce Bizzacchi e Maria Elvira Pizzigatti Côrrea. Vanessa recebeu orientação da professora Maria Cristina Volpato, da FOP, e assistência dos cardiologistas Otávio Rizzi e João Carlos Rocha, do HC da Unicamp, e do cardiologista Márcio J. O. Figueiredo.