Educadora defende cartilha
sobre alunos com deficiência
MANUEL ALVES FILHO
Uma cartilha lançada no final do ano passado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, intitulada “O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular”, virou alvo de intensa polêmica. De acordo com os autores, entre eles a professora Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, o objetivo da obra foi apresentar pela primeira vez uma interpretação da legislação brasileira, de modo a fornecer à sociedade “um referencial para a construção de sistemas educacionais inclusivos, organizados para atender o conjunto de necessidades e características de todos os cidadãos”. Ocorre, porém, que instituições que prestam atendimento especializado aos deficientes consideraram o documento uma ameaça à continuidade de suas atividades. A Federação Nacional das Apae’s, por exemplo, criticou o teor da cartilha e convocou suas afiliadas a recorrem à Justiça contra os possíveis reflexos que ela possa trazer ao trabalho que desenvolvem. “Infelizmente, essas entidades fizeram uma leitura completamente equivocada do texto”, alega a professora Maria Teresa.
De acordo com ela, a cartilha, que teve tiragem de 60 mil exemplares e foi distribuída gratuitamente em escolas, destaca o direito de acesso de crianças e adolescentes com deficiência ao ensino fundamental obrigatório. Este, conforme estabelece a Constituição, promulgada em 1988, teria de ser oferecido exclusivamente pelas escolas comuns, cujo conteúdo pedagógico está em acordo com a base curricular nacional. O atendimento educacional especializado, explica a docente, não deve ser confundido com o primeiro. “Este último assegura o aprendizado de conteúdos outros, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o método Braille, que não constam da base curricular, mas são indispensáveis para que o aluno seja incluído nas turmas do ensino regular. Ou seja, um trabalho não exclui o outro. Ao contrário, são complementares”, afirma a especialista.
A professora Maria Teresa insiste que o conteúdo da cartilha não representa uma ameaça às atividades das instituições especializadas. No seu entender, a interpretação correta caminha no sentido oposto. “Ao definir as competências das escolas comuns e das entidades especializadas, ambas podem se estruturar de maneira a cumprir com maior eficiência as suas funções. O ideal é que haja uma parceira entre elas, visto que cada uma tem a sua atribuição”. De acordo com a co-autora da cartilha, a presença do deficiente na escola comum é fundamental para o seu desenvolvimento pessoal e, conseqüentemente, para a sua plena inclusão na sociedade. Os conceitos modernos de educação, conforme a docente da FE, propugnam que essas pessoas não devam continuar segregadas no que se refere ao aprendizado formal.
As escolas regulares, diz a professora Maria Teresa, devem estar preparadas para receber os deficientes. Isso implica na melhor formação de seus professores, no aparelhamento de salas de aulas e laboratórios e na eventual adaptação de suas instalações. “É fato que muitas unidades ainda não atingiram esse estágio, mas isso não significa que não tenhamos que exigir o cumprimento da lei. Já se passaram mais de dez anos desde a promulgação da Constituição. Penso que não podemos perder mais tempo”, analisa. Conforme a educadora, o convívio entre deficientes e não-deficientes é salutar para ambos. A experiência da diferença, como ela classifica, traz ganhos generalizados. “Todos os envolvidos no processo aprendem e crescem ao compartilharem o mesmo espaço e as mesmas experiências”.
A reação negativa por parte das instituições especializadas à cartilha, no entender da docente da FE, tem duas explicações. A primeira, insiste, está relacionada à interpretação equivocada do documento. “A cartilha não nega o valor dessas entidades. Ao contrário, reconhece a experiência acumulada por elas durante décadas, e cobra-lhes o cumprimento do papel social para a qual foram criadas, que é a melhoria da qualidade de vida do portador de deficiência”. A segunda, imagina, talvez esteja ligada ao receio da perda de poder que detêm. “Mas isso também não faz sentido, pois elas continuarão sendo importantes para os deficientes e para a sociedade, desde que se restrinjam ao cumprimento das suas atribuições”.
No meio da polêmica, a Federação Nacional das Apae’s promoveu várias discussões e divulgou alguns documentos condenando o teor da cartilha. Em um deles, disponibilizado no site da entidade, o texto questiona o conceito de escola regular empregado na obra da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, destaca o trabalho desenvolvido pelas instituições especializadas e reclama que estas não participaram da elaboração da cartilha. Conforme a professora Maria Teresa, porém, as entidades foram convidadas para integrar as discussões que precederam o documento, mas não compareceram.