Linha de pesquisa determina perfil de produtos
alimentícios, entre os quais a doçura e o amargor
A ‘radiografia sensorial’
dos alimentos
MANUEL ALVES FILHO
Quando iniciou o seu projeto de doutorado na Unicamp, em 1993, na área de análise sensorial, Helena Maria André Bolini cogitou comprar um software para realizar suas pesquisas. Como o produto era importado e muito caro, cotado na casa dos US$ 18 mil, ela e suas orientadoras resolveram desenvolver com o auxílio de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) um programa de computador próprio, capaz de atender às suas necessidades. Transcorrida mais de uma década, a ferramenta está sendo utilizada por Helena, hoje professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), em estudos que integram uma linha de pesquisa cujo objetivo é determinar o perfil dos atributos sensoriais dos alimentos, como doçura e amargor, tendo por parâmetros o tempo e a intensidade. Em outras palavras, graças a esse método, associado a outros procedimentos, os especialistas têm como identificar, por exemplo, o quão é doce uma bebida e por qual período o seu sabor permanece na boca do consumidor. Com o apoio da Agência de Inovação, o software está sendo registrado pela Universidade, primeiro passo antes de ser produzido comercialmente.
O grupo da professora Helena é o único no Brasil, segundo ela, a trabalhar com a análise do tipo tempo-intensidade. Em razão desse pioneirismo, os especialistas da FEA têm sido procurados por outras universidade e institutos de pesquisa interessados em realizar uma “radiografia sensorial” de produtos. A análise tempo-intensidade permite que produtos industrializados sejam adequados conforme a preferência do consumidor. Mas como é que isso funciona na prática? A docente da FEA esclarece a questão, tomando por base uma situação fictícia. Imagine-se que um fabricante esteja descontente com o desempenho comercial de uma marca de néctar de fruta. O primeiro passo, ensina Helena, é promover uma investigação acerca da aceitação tanto dessa bebida, quanto daquelas que exercem a liderança do mercado.
Assim, é realizada uma pesquisa junto ao consumidor para saber a opinião dele sobre a aparência, o sabor, o aroma e a textura dos produtos em questão, entre outros aspectos. Esse trabalho, destaca a professora Helena, está fundamentado em conhecimentos fornecidos por várias ciências, como a fisiologia, a psicologia e a estatística. Em seguida, os pesquisadores traçam o perfil dos produtos. Os atributos mais importantes, como doçura ou sabor característico, são submetidos à análise tempo-intensidade. Ao promover a comparação entre os produtos mais aceitos e a menos aceitos, os especialistas conseguem identificar em que aspectos eles diferem. “Se a diferença do produto menos aceito para o mais aceito está no grau de doçura, que é menos intenso, a solução é aumentar esse atributo. Se o sabor está fraco, a alternativa é intensificá-lo”, detalha a docente.
Origem e desenvolvimento Explicada dessa forma, a análise sensorial tempo-intensidade pode parecer um “achado” recente da ciência, mas não é exatamente assim, como faz questão de ressaltar a professora Helena. De acordo com ela, a metodologia é um prolongamento da análise sensorial clássica. Sua origem remonta ao ano de 1957, com a publicação de um artigo científico no qual a pesquisadora norte-americana Anne Neilson fez uma avaliação de quanto tempo alguns sabores permaneciam na goma de mascar e em outros alimentos. Na ocasião, a cientista percebeu que o sabor de menta de uma goma de mascar, por exemplo, tinha intensidade e duração diferentes, variando conforme a marca tomada para investigação.
Naquela época, porém, esse trabalho era feito de forma bem primitiva, se considerados os métodos atuais. De olho num cronômetro, o provador ficava com papel e caneta nas mãos. Passados alguns segundos, ele anotava a intensidade do que percebia. Com o avanço da informática, esse tipo de avaliação tornou-se mais efetiva e precisa. Em 1985, no Japão, foi lançado um software que registrava os dados do provador por meio da manipulação de um joystick, o mesmo utilizado em videogames. Hoje, as grandes indústrias alimentícias internacionais dispõem de softwares que promovem a análise sensorial global de seus produtos.
A despeito do avanço da tecnologia, o ser humano continuará sendo fundamental nesse tipo de trabalho, segundo a professora Helena. Para que a análise sensorial seja completa, diz ela, é preciso conduzir dois estudos paralelamente. Um deles é realizado por meio de provadores, que devidamente treinados, desenvolvem o mesmo tipo de memória sensorial. Segundo a professora Helena, os provadores são como equipamentos refinados, cuja precisão pode ser constatada através de rigorosas análises estatísticas. O segundo estudo é feito junto aos consumidores. Os alimentos são submetidos a testes afetivos, para que sejam avaliados com o auxílio de escalas específicas. Os consumidores registram o quanto gostam ou desgostam desses determinados alimentos. “Cruzando esse conjunto de dados e realizando a análise tempo-intensidade, eu consigo mapear sensorialmente o produto e identificar que tipo de formulação agrada mais ao consumidor. Assim, nós ampliamos a possibilidade de que ele tenha uma boa aceitação pelo mercado”, reforça a professora Helena.
É a somatória desses fatores, prossegue a docente da FEA, que torna a análise sensorial uma ciência única. “Não existe como substituir o ser humano nesse trabalho. Nem mesmo os instrumentos eletrônicos mais sofisticados poderiam desempenhar o papel de um provador. Nenhum equipamento pode dizer se um determinado alimento é gostoso ou não. Também não existe um dispositivo tecnológico em condições de informar, por exemplo, se a batata frita pegou o gosto da embalagem depois desta permanecer armazenada por um determinado período na gôndola do supermercado”, esclarece.
Atualmente, a professora Helena está orientando 15 projetos dentro da linha de pesquisa de análise sensorial, entre dissertações de mestrado, teses de doutorado e trabalhos de iniciação científica. Em função dos estudos que vêm sendo desenvolvidos na FEA, os profissionais formados naquela unidade têm sido muito valorizados pelo mercado, de acordo com ela. “Vários dos nossos estudantes saem daqui como uma colocação assegurada na indústria”, assinala. Só para se ter uma idéia da produtividade do grupo, seus integrantes já elaboraram cerca de 70 artigos que foram publicados em revistas de circulação internacional e somaram perto de 150 participações em congressos científicos. Os projetos em desenvolvimento são financiados pela Fapesp, CNPq e Capes, por meio da concessão de bolsas de estudos.