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Pesquisa aponta semelhanças entre lesões na pele de gatos e de humanos




JEVERSON BARBIERI


A médica veterinária Ellen Maria Pestili de Almeida: desenvolvimento de novos medicamentos e cosméticos destinados a tratamentos dermatológicos (Fotos Antoninho Perri)Estudo realizado pela médica veterinária Ellen Maria Pestili de Almeida constatou que o sol provoca lesões de pele em gatos brancos, muito semelhantes às diagnosticadas em seres humanos que ficam por muito tempo expostos aos raios ultravioleta e, também, quando submetidos a tratamento com radioterapia. O trabalho, que resultou na tese de doutorado de Ellen, foi desenvolvido junto ao Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, sob a coordenação da doutora Maria Letícia Cintra. Ellen ressaltou que um dos pontos fundamentais do trabalho foi a interação entre medicina veterinária e medicina humana, capaz de resultar no desenvolvimento de novos medicamentos e cosméticos destinados a tratamentos dermatológicos para as duas especialidades.

O interesse pela pesquisa teve início em 1999 quando Ellen foi morar no Canadá. Residiu nesse país aproximadamente dois anos e meio e aproveitou a oportunidade para cursar o mestrado na Faculdade de Medicina Veterinária, da Universidade de Montreal. A área de trabalho escolhida foi patologia, focada em câncer de pele de cães, que tem como causa principal a incidência solar. Porém, Ellen explica que a incidência solar no Canadá, se comparada com a do Brasil, é muito pequena, e esse fator dificultou a coleta de dados, restringindo bastante o número de animais que puderam ser pesquisados. Mesmo assim, concluiu sua dissertação de mestrado e ao retornar ao Brasil, em meados de 2001, resolveu retomar o tema no doutorado.

Mesmo sabendo que a Unicamp não tem em sua grade curricular o curso de medicina veterinária, a pesquisadora foi até a Universidade e conversou com a doutora Maria Letícia, médica dermatopatologista, cujo trabalho de pesquisa já era anteriormente conhecido por Ellen. Nessa conversa, ela pode explicar a importância do trabalho a ser realizado aqui no Brasil e a possibilidade de coletar um número grande de animais. Maria Letícia se tornou uma entusiasta da idéia e aceitou orientar o trabalho de doutorado.

A partir daí, Ellen saiu a campo e encontrou em Taubaté (SP), sua cidade natal, um centro de controle de zoonoses que abrigava, naquele momento, aproximadamente 200 gatos. Além do grande número de animais, as condições de pesquisa encontradas foram amplamente favoráveis. O abrigo possui uma área de sombra adequada, porém, independente do horário, os animais têm o hábito de ficar muito tempo ao sol. Com um espectro muito variado, Ellen selecionou 35 gatos para a coleta de dados e amostras. Pode, então, fazer um estudo bem detalhado. “Encontrei um número muito grande de gatos com lesões de pele causadas pelo sol, desde uma lesão inicial até câncer”, ressaltou.

O interesse pelo gato branco se deu pelo fato de que é um animal com baixa quantidade de melanina, que é um protetor do núcleo da célula epidérmica. Esse fato apresenta uma grande semelhança com pessoas de pele mais clara. Existe, segundo Ellen, uma pré-disposição muito maior desses animais brancos de desenvolverem doenças de pele causadas pelo sol, em relação aos gatos de pelo colorido.

A área do corpo escolhida para o estudo foi a orelha. Mesmo os gatos de pêlo colorido podem possuir as orelhas brancas, que estão em constante exposição à luz solar. Esse é outro fator bastante coincidente com os humanos. “Dessa forma, considerei que o gato fosse o melhor modelo de estudo”, confirma Ellen. Tanto humanos como animais têm, respectivamente, no rosto e na cara, a parte mais exposta do corpo e, conseqüentemente, mais suscetível ao aparecimento do câncer de pele. No caso dos humanos, ela explica que além do rosto, pessoas calvas também sofrem mais com esse tipo de doença. Nos trabalhadores rurais, pescoço e braços também são alvos de maior incidência solar. Nos gatos a região do focinho, pálpebras, lábios e orelhas são os locais com maior incidência de câncer de pele.

Além do estudo detalhado de como as células respondem à inflamação e de como se dá a evolução clínica da doença, desde o início da exposição solar até o câncer de pele, pode-se verificar que o gato é muito sensível à luz solar. “Ele é tão sensível que chega a ser comparado com humanos quando, por exemplo, uma pessoa passa por tratamento radioterápico. Ao incidir sobre a pele, os raios-X causam uma lesão muito grave, mais forte que a luz solar. Alguns gatos pareciam ter lesão por radiação de raio-X”, revela Ellen. Para ela, esses gatos podem servir como modelo adequado para estudo de medicamentos, tanto para a medicina veterinária como para a medicina humana. A pesquisadora afirma também que é possível, através desse estudo, descobrir novos cosméticos, novos tipos de filtro solar para as radiações (UV-A, UV-B e UV-C), com composições variadas.

Metodologia – Para analisar as amostras coletadas, foi desenvolvido um software chamado KS, elaborado pelo professor Konradin Metze, também do Departamento de Anatomia Patológica. Os fragmentos de orelha coletados eram levados em lâminas para um fotomicroscópio. Nesse aparelho a área de estudo era delimitada e através de foto essa imagem era captada e enviada a um computador. Com o auxílio do programa foi possível identificar a área da derme, da epiderme e anexos. Além da aplicação do KS, foi feita contagem de célula inflamatória, para verificar aumento ou diminuição da inflamação. Foi feita também análise histológica como a presença de edema, compactação e outras variáveis.

Trata-se de um trabalho inédito, segundo a autora. Para escrever a tese foi feito um extenso levantamento e a pesquisadora encontrou grandes dificuldades. “Existe uma literatura que, porém, se limita à parte clínica. Um estudo mais aprofundado, desde o início do processo até a consumação da doença, não foi encontrado”, ressalta Ellen.

Ellen acrescenta que a experiência realizada na FCM demonstrou que existe um interesse muito grande na interação da medicina veterinária com a medicina humana, uma vez que existe dificuldade na coleta de dados com humanos, o que praticamente não existe com animais. Além disso, a medicina veterinária ganha muito com essas pesquisas. “Essa área de câncer de pele é, inclusive, é um problema de saúde pública. Em veterinária, além do interesse clínico, isso é um problema econômico, porque animais para consumo (gado bovino, porco) com câncer de pele não podem ter qualquer parte aproveitada”, finaliza.




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