Secundino esclarece que a programação da operação é o planejamento feito um dia antes da operação real, ou seja, todo dia o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) faz um planejamento da operação do dia seguinte. Nessa programação de operação é feita uma alocação de quanto cada usina hidroelétrica e termoelétrica do sistema interligado nacional gerará a cada meia hora do dia seguinte. Para fazer essa programação de geração são necessários modelos matemáticos que são resolvidos em computador. Eles fazem uma análise da situação do sistema e fazem a melhor alocação, segundo certos critérios de desempenho. Segundo o coordenador, atualmente o setor elétrico, e o ONS em particular, estão carentes de ferramentas que façam essa programação de forma otimizada.
Existem também modelos de fluxo de potência que analisam como essa geração irá se distribuir pelo sistema de transmissão até atingir os centros de carga. A distribuição dos fluxos precisa ser otimizada para que, na eventualidade de uma contingência (saída de uma linha, de um transformador ou de uma usina, ou seja, perda de algum componente do sistema), ela ainda seja estável e não provoque apagões. Essa é a finalidade da programação da operação.
O projeto envolve, além da FEEC, o Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação (IMECC) da Unicamp, a Faculdade de Engenharia Elétrica de Bauru (Unesp), a Escola de Engenharia de São Carlos (USP) e a Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Unesp). A primeira tarefa do projeto é analisar e diagnosticar a programação da operação do sistema interligado nacional com relação a violações de restrições elétricas, ou seja, ver como o sistema está atualmente, detectar os gargalos e qual o diagnóstico dessa programação de operação que é feita diariamente pelo ONS, no sentido de identificar as limitações e as dificuldades.
“Na medida em que se pode fazer uma melhor programação procurando aliviar e carregamento das linhas de transmissão, dos equipamentos e da rede, estaremos mais seguros na eventualidade de contingências que normalmente acontecem, principalmente por que alguns deles são inevitáveis, como raios e mau-funcionamento de equipamentos que queimam, interrompendo o fluxo de energia”, afirma Secundino. O problema é que essas ocorrências acontecem diariamente no sistema e não têm repercussão maior, uma vez que são localizadas e os equipamentos de proteção rapidamente desligam o aparelho, ilhando o fenômeno sem provocar então o chamado efeito dominó, que é o que mais preocupa. Quando ocorrem grandes apagões, normalmente é uma falha que provoca uma série de desligamentos de grande porte. Portanto, a finalidade do projeto é desenvolver ferramentas para permitir ao ONS que faça uma programação mais confiável do ponto de vista de segurança da rede de transmissão.
Secundino ressalta que todos os projetos desenvolvidos até o momento foram de interesse dos pesquisadores, que assumiram o risco totalmente. “Nunca houve um incentivo ou qualquer tipo de orientação por parte do sistema elétrico brasileiro. Nos propusemos a desenvolver essa cadeia de planejamento e a programação da operação”, disse. Por volta de 1990 teve início o primeiro projeto temático com a finalidade de montar um software completo que incluísse toda a base de dados do sistema elétrico brasileiro e, por cima dessa base de dados, tivesse uma base de modelos que analisassem a operação do sistema, e fizessem o planejamento e a programação dele, usando dados reais. “Fomos relativamente bem-sucedidos nesses três primeiros projetos temáticos, nos quais foram desenvolvidos dois softwares que estão sendo analisados e avaliados pelo ONS. O primeiro chama-se HydroData, que é um banco de dados de todas as usinas hidroelétricas brasileiras e possui mais informações que o próprio ONS sobre o sistema de geração brasileiro”, comemora. Pretende-se, com o projeto atual, concluir esse estudo fazendo a base de dados elétrica, que ainda não está disponível.
Modelo elétrico Com relação ao modelo elétrico brasileiro, Secundino afirma que ainda está muito longe do ideal. Segundo o pesquisador, o grande erro que se comete no Brasil é o de privilegiar em demasia as usinas hidroelétricas em detrimento das termoelétricas. O Brasil, segundo ele, sabe fazer usinas hidroelétricas, tem tecnologia de construção de barragens que são exportadas para o mundo todo, sabe fazer o maquinário das hidráulicas, detendo portanto um know-how de produção, construção e operação. Porém, na área de termoelétricas, o Brasil é muito atrasado. “Não temos indústrias que produzam equipamentos para esse tipo de usina, e nem know-how de construção, de operação e de manutenção”, lamenta.
Para o coordenador, nas décadas de 1980 e 1990, na expansão do sistema elétrico, foram privilegiadas as usinas hidroelétricas e, por isso, temos um sistema muito forte. Isso acarretou um problema de desperdício de energia, já que o sistema não possui uma oferta constante, segura e estável. A oferta de energia do sistema hidroelétrico depende essencialmente da chuva. Em anos consecutivamente fracos de chuva, conseqüentemente a oferta é baixa. Em anos consecutivamente bons de chuva, com grande vazão, a oferta pode aumentar 20%. E esse excedente de energia é jogado fora através do chamado vertimento turbinável, “Isso significa que havendo turbina, linha de transmissão e todo o sistema elétrico construído para produzir energia, ainda há desperdício por falta de mercado. E isso ocorre porque o sistema é muito hidráulico e pouco térmico. Assim, se a oferta hidráulica aumenta rapidamente, ela esgota a contribuição térmica e aí não existe mais mercado”, analisa.
O sistema, para Secundino, deveria ser mais balanceado, em torno de 30% de geração térmica para 70% de geração hidráulica. Essa geração térmica deveria ser flexível para que, quando estivesse chovendo, fosse possível reduzir a geração térmica para não haver desperdício de geração hidráulica. Hoje acontece o contrário. As usinas térmicas brasileiras, além de possuírem um pequeno parque, aproximadamente 15% da potência instalada, é inflexível. Os fornecedores de combustível para térmicas, segundo ele, exigem em contrato a compra de um mínimo e essa geração mínima da térmica é uma inflexibilidade, uma vez que não pode haver diminuição de geração por conta do contrato de fornecimento de combustível. Dessa maneira, a usina termoelétrica não pode reduzir a produção quando a usina hidráulica tem uma oferta muito grande. Conseqüentemente, o mercado não é capaz de absorver porque é obrigado a consumir a energia gerada pela térmica e, com isso, acaba vertendo turbinável.
Em alguns anos da década de 1990, o Brasil verteu turbinável o dobro da geração das usinas termoelétricas. Produziu aproximadamente 1.500 MW médios através das usinas térmicas e verteu turbinável 3.000 MW médios. Esse é o grande erro de planejamento do sistema elétrico brasileiro apontado pelo pesquisador. “Não fomos capazes de criar um parque termoelétrico suficientemente grande e flexível, para acomodar a nossa natureza predominantemente hidroelétrica e não desperdiçar nada do que é produzido. É um absurdo construir usinas hidrelétricas enormes, com um custo muito alto, que leva muitos anos para ser amortizado, e ainda não aproveitá-las em toda a sua potencialidade por falta de um planejamento energético global”, lamenta ele.
Secundino comenta também que, do ponto de vista ambiental, essa situação é inusitada. Ele explica que o impacto da hidroelétrica se dá apenas na construção e não na operação. “Se estiver vertendo turbinável ou turbinando e não vertendo, o impacto ambiental é o mesmo. Já para a usina térmica é justamente o contrário. O impacto de construção de uma usina termoelétrica é zero. O impacto da térmica está na operação, poluindo muito mais que a hidroelétrica. Então é um absurdo estar vertendo turbinável e gerando térmica porque está piorando a situação ambiental. A térmica deve ficar como medida de segurança, por que a operação dela é cara, o combustível não é renovável e ela é, sobretudo do ponto de vista ambiental, muito danosa quando está em operação. É ela que tem que ficar de fora primeiro, tanto por questões econômicas como por questões ambientais”, compara.
Nesse tipo de ferramenta que será desenvolvido entra-se com um modelo matemático que representa a operação das usinas. Se uma usina termoelétrica tem uma inflexibilidade, representa-se esse fator no modelo. Eventualmente é possível avaliar o benefício econômico que teria a redução da inflexibilidade. É possível, também, através de uma simulação, verificar como isso reduziria os custos operacionais do sistema e seus impactos ambientais. “Esses modelos são capazes de enxergar esse tipo de coisa”, afirma.
Futuro De acordo com o coordenador, inicialmente o projeto não tem nenhum vínculo com o ONS. Porém, um estudo prévio, desenvolvido em três projetos temáticos anteriores a esse, que visaram mais a parte de planejamento de operação que é de médio e longo prazo, desenvolveram ferramentas que atualmente o ONS vem testando. Isso foi possível graças a um convênio firmado com a Unicamp, que previa, eventualmente, o aproveitamento das ferramentas para o planejamento da operação a médio e longo prazos. Para a programação, possivelmente, os resultados desse projeto temático também serão de interesse do ONS e, eventualmente, serão celebrados convênios nesse sentido.