Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 293 - 27 de junho a 10 de julho de 2005
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Programando a energia
Lendo a leitura
Destilação do etanol
Fibras fotônicas
Cenários emergéticos
Painel da Semana
Teses
Portal da Unicamp
Elos refeitos
Escavando novos paradigmas
 


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Lendo a leitura

Bartolomeu Campos Queirós: "A literatura permite vários entendimentos e acolhe a todos. É um texto aberto" (Foto: Antoninho Perri)A Unicamp sedia, entre os dias 5 e 8 de julho, o 15º Congresso de Leitura (Cole), evento mais importante da área de educação realizado no país. O congresso, que reunirá especialistas do Brasil e do exterior, terá 15 seminários, conferências (confira a programação na página 7), além da apresentação de 1,4 mil trabalhos. Serão debatidos temas como educação de jovens e adultos; linguagens na educação infantil; leitura e escrita em sociedades indígenas; mídia, educação e leitura; letramento e alfabetização; práticas de leitura, gênero e exclusão; e literatura infantil e juvenil, dentre outros.

Paralelamente, ocorre no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp a 6ª Feira de Leitura e Artes, que reunirá 50 expositores de livros, entre distribuidores e editoras renomadas, e 10 estandes de artesanato. Haverá também atividades culturais, entre as quais oficinas de gravura oferecidas por professores do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Unicamp. O Cole é organizado pela Associação de Leitura do Brasil (ALB), Faculdade de Educação da Unicamp (FE), Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), Secretaria Municipal da Educação e PUC-Campinas.

“O tema leitura não passa somente pela transformação das pessoas, mas também pela transformação social. Buscamos o acesso à leitura, aos bens da cultura e aos lugares onde os objetos da cultura circulam, para minimizar as desigualdades”, afirma Norma Sandra de Almeida Ferreira, uma das organizadoras do evento e diretora da Associação de Leitura do Brasil (ALB).

Nesta e nas duas próximas páginas, os escritores Bartolomeu Campos Queirós e Marina Colassanti, respectivamente conferencistas da abertura e do encerramento do Congresso, e Paulo Franchetti, escritor e professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), falam sobre a leitura no Brasil.

Marina Colassanti: "Hoje, todos sabemos que nem a internet nem o e-book acabarão com o livro" (Foto: Antoninho Perri)Jornal da Unicamp – Pesquisa nacional feita com pessoas de 15 a 64 anos, pelo Instituto Ação Educativa/Ibope, aponta que apenas 25% dos brasileiros têm “habilidades mais refinadas” para ler um texto e compreendê-lo. Como enfrentar essa distorção?

Bartolomeu Campos Queirós - Desconheço o tipo de texto usado pela pesquisa Ação Educativa/Ibope. Num texto didático ou informativo existe uma possibilidade de avaliação mais objetiva. É que todos leitores devem chegar a um mesmo nível de entendimento. Ele é um texto convergente. Se o texto é literário, ele busca a divergência. Cada leitor tem uma possibilidade de participação. A literatura permite vários entendimentos e acolhe a todos. É um texto aberto. Ele abre portas mas o leitor inscreve a sua paisagem.

Marina Colassanti – Bem antes dos 15 anos, com certeza  – hoje  sabemos, cientificamente, que  aos 2 anos de idade o ser humano atinge o seu potencial máximo de aprendizado – e através da leitura. Não apenas leitura como ferramenta rudimentar destinada mais a arrancar o indivíduo  das estatísticas de analfabetismo do que a fazer dele um cidadão  capacitado.  Mas leitura como formadora no  sentido mais amplo, leitura que não se limita a qualquer texto informativo,  leitura que se exerce na literatura.
Evidentemente, isso incide na formação dos professores, na orientação do ensino, e no próprio conceito de função da escola. Mas tem a ver também com a precariedade e insuficiência das bibliotecas públicas e escolares, a dificuldade de acesso ao livro,  a falta de valor que o país como um todo e os governantes em particular atribuem à leitura.

Paulo Franchetti: "A leitura não se faz no vácuo. Ela é um dos indicadores da qualidade de vida" (Foto: Antoninho Perri)Paulo Franchetti – Não sei exatamente o que significam essas “habilidades mais refinadas”, de modo que é difícil falar sobre o que poderia representar esse percentual. E é também preciso entender que “texto” é uma palavra que recobre uma enorme extensão. Uma sentença judicial é um texto; uma notícia esportiva também é um texto; e, claro, um romance ou um poema, também. Por certo, muito mais gente conseguirá ler “refinadamente” uma notícia esportiva, pelo interesse que desperta e por o leitor saber do que se trata e ter informação prévia, do que um texto de crônica ou uma reportagem sobre a situação da economia mundial.
A leitura não se faz no vácuo. Ela é um dos indicadores da qualidade de vida. Assim, considerando as condições do ensino e, principalmente, as condições de vida da enorme maioria da população brasileira, se é verdade que 25% dos brasileiros têm habilidades mais refinadas de leitura, estamos diante de um fato a ser comemorado, pois terá de ser bastante maior a porcentagem dos que teriam habilidades razoáveis de leitura...

JU – Apesar disso, o mercado editorial nacional experimenta um crescimento sem precedentes: o país ocupa hoje o oitavo lugar em produção de livros no ranking mundial, o que não significa, de acordo com especialistas, que o brasileiro está lendo mais. Como explicar esse paradoxo?

Bartolomeu Campos Queirós - Quero sempre acreditar que o brasileiro está lendo mais. Os processos educacionais têm reconhecido a importância da literatura na formação do aluno para a construção de uma sociedade melhor. Daí o aumento das bibliotecas escolares e dos vários movimentos de divulgação da leitura. A excelência das bienais e feiras de Livros, a extensão dos seminários do Proler, o trabalho constante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, os esforços do Fome de Livro e a existência do Cole, indicam a preocupação dos vários segmentos com a formação do leitor. É preciso reconhecer que a escola não é a única responsável pelo trabalho de leitura. Toda a comunidade deve estar envolvida.

Marina Colassanti – Poderíamos dizer que o brasileiro está lendo pior. Ou seja, está lendo um número considerável de livros absolutamente lineares, de texto elementar, ao alcance de qualquer pessoa minimamente letrada. Mas para afirmar isso necessitaríamos de dados, precisaríamos  saber exatamente a qualidade do que se edita e quanto  se consome de cada faixa.
Sem dúvida, porém, podemos afirmar que boa parte do crescimento se deve às compras governamentais executadas para distribuição gratuita nas escolas. Além das compra costumeiras, tivemos nos últimos anos o programa “Um Livro Em Sua Casa” – acho que o nome é esse –, dando coleções de cinco livrinhos de presente para as crianças, e criando demanda  para a publicação de  muitos milhões de livros.

Paulo Franchetti – Eu não concordo com a afirmação de que o brasileiro não leia mais hoje. De novo, parece-me uma questão de ponto de vista. O brasileiro de hoje não lê mais do que o brasileiro de há 100 anos? Há 120 anos, o Brasil era uma nação escravista. Quem são os brasileiros que entram nas estatísticas? Talvez seja possível dizer que a classe média alta e a classe alta de hoje leiam menos do que há 50 anos. Ou que a média de leitura das pessoas alfabetizadas caiu nos últimos 20 anos. Mas a leitura hoje me parece muito mais difundida do que sempre foi neste país: o mercado do livro espírita, por exemplo, alimenta milhões de leitores neste país; também o mercado de livros de auto-ajuda. A produção de revistas nunca foi tão grande. E nunca houve, no país, um mercado tão florescente de livros técnicos e didáticos, nem a educação de nível superior, de boa ou má qualidade, esteve ao alcance ou foi exigida de parcelas tão expressivas da população. De modo que não vejo nenhum paradoxo.
Não tenho acompanhado a discussão especializada, mas do pouco que vejo, creio que os dados são trabalhados com muitos implícitos que dificultam o raciocínio. Sequer entendo a pergunta: o brasileiro está lendo mais? Só é possível responder acrescentando o objeto do verbo: o brasileiro está lendo mais romances? O brasileiro está lendo mais livros didáticos? O brasileiro está lendo mais livros, em geral, independente do escopo? Mais jornal, mais revistas semanais? Sem essa precisão, é difícil saber sobre o que estamos falando.

‘Somos sempre levados a acreditar que
a fantasia é um exercício menor’

Aluno na Biblioteca Central da Unicamp: Cole vai reunir na Universidade mais de 3 mil congressistas; cerca de 1,4 mil trabalhos vão ser apresentados (Foto: Antoninho Perri)JU – Desde a década de 90 o governo tem investido forte na compra de livros para as escolas. Em paralelo há muitas críticas sobre as escolhas de leitura nas escolas, afastando o público infanto-juvenil dos livros. Que realidade, afinal, nós vivemos?

Bartolomeu Campos Queirós – É bem verdade que o governo tem, nos últimos anos, incentivado os programas de leitura nas escolas. Mas a escolha dos livros deve ser do aluno. Dificuldades econômicas associadas à formação dos professores vêm impedindo tal ação. É que parte dos professores, por tantos motivos, não é leitora. É impossível saber o que interessa a cada criança, daí a necessidade da escolha ser feita pela criança. Mesmo como escritor devo reconhecer que jamais recebi autorização das crianças para escrever em nome delas ou para elas. Tudo é uma aventura. Por ser assim, a biblioteca é indispensável por guardar diferentes tipos de produção.

Marina Colassanti – As duas. De fato, o governo vem investindo muito na compra de livros. Mas não investe com igual intensidade na formação de professores ou na sua reciclagem. Os livros podem ser bem escolhidos, e ainda assim muitos professores não estarão aptos a realizar com eles um bom trabalho.  Além disso, não podemos esquecer as escolas particulares, que em muitos casos tampouco  realizam um bom trabalho de leitura. A escolha do livro é importante, mas não é o grande vilão. O grande vilão é o professor despreparado,  o professor que não é leitor, que não ama a leitura e que não pode transmitir aquilo que não sente.

Paulo Franchetti – Creio que a compra de livros para escolas é um passo importante. Mas é apenas um primeiro passo. Não é possível esperar que a simples compra dos livros, independentemente de eles serem bem ou mal escolhidos, resolva o problema do acesso à leitura e da formação do hábito da leitura. As condições objetivas das escolas contam muito. O local de conservação dos livros, as formas de acesso, manuseio, empréstimo. E, por último, há o fator principal, que usualmente fica fora dos diagnósticos dos problemas de leitura: a educação dos professores e as suas condições de trabalho e vida. Um professor de leitura tem de ser alguém que lê. Alguém que tem livros para ler e que tem tempo para os ler. E alguém para quem a leitura seja algo importante, e não apenas uma tarefa pedagógica.
Nós vivemos numa realidade na qual o investimento nas pessoas, nos profissionais do ensino, é secundário. Numa realidade na qual se acredita que é mais fácil resolver o problema da leitura com compra de livros do que com investimento na formação e na qualidade de vida cultural dos professores encarregados de ensinar o prazer e a utilidade da leitura.

JU – Com o surgimento da internet, ou seja, da junção de imagem e texto, tem-se a impressão que os jovens estão voltando a ler e a escrever. Se isso é verdade, não estaríamos diante de uma revolução da leitura e, mais extensamente, da cultura literária entre os jovens?

Bartolomeu Campos Queirós – Há uma crescente busca de informação. É um direito de todo sujeito saber de suas antecedências. A internet tem sido um lugar de referência e temos que concordar que outros avanços ainda teremos. A construção de “sites” busca uma estética capaz de seduzir a todos, também pelos seus mistérios. E conhecimento gera conhecimento. Podemos afirmar que, quanto mais conhecemos, menos sabemos. O sujeito desde sua origem foi um grande construtor. Cada dia mais nos inteiramos que são vários os caminhos da leitura. Se a internet avança, também o consumo do livro aumenta. São muitas as leituras. Atrás de um bom filme existe um roteiro, de um teatro existe um texto, de uma novela existe um argumento. Sempre seremos leitores.

Marina Colassanti – Leitura é uma coisa, e cultura literária é outra, bem diferente. Na internet os jovens escrevem de uma forma muito mais pictográfica e telegráfica do que quando  se escreve no papel.
Estão forjando uma outra forma de escrever, muito gráfica, visual, e é possível que a pós-modernidade  a considere  uma nova forma literária. Mas é um conceito discutível.
Quanto a ler, não creio que ninguém faça leituras extensas e densas na internet, embora perdendo  horas em leituras fragmentadas, eventualmente de pouca ou nenhuma utilidade. Ninguém lê “Grande Sertão e Veredas” no computador.

Paulo Franchetti – Penso que a questão não é a junção de imagem e texto. A internet permite que a leitura e a escrita tenham interesse imediato, tenham função na vida cotidiana. Não que a leitura de livros ou jornais ou revistas não tenha. Mas o interesse da internet é que ela permite respostas imediatas às ações. Alguém que está em busca de informação sobre um assunto é rapidamente conduzido a outros, de acordo com o seu interesse momentâneo. E a leitura se faz de forma fragmentária, não seqüencial, não obrigatória, mas ao sabor do interesse. Interesse é a palavra-chave, na minha opinião.
E quanto a escrever, a internet faz de cada um de nós um sujeito da escrita: podemos escrever comentários nos blogs dos outros, postar poemas numa lista de discussão, debater publicamente qualquer assunto que nos interesse, das preferências sexuais à conservação das locomotivas antigas, criar uma homepage com nossos contos ou artigos.
Mas é preciso ver que é ainda pequeno o acesso à internet, de modo que a pergunta pressupõe uma determinação de classe que não deve ser ocultada: trata-se de jovens de classe média e alta. O que, neste país, é ainda uma parcela muito pequena da população.


JU – Fenômenos como o surgimento e a rápida proliferação dos blogs, a internet acaba por forjar uma espécie de “dialeto” entre os jovens. Isto é positivo ou negativo?

Bartolomeu Campos Queirós – A escrita é dinâmica como o mundo. Se participo na internet de uma sala, sei que não estou construindo literatura. São muitos os estilos de comunicação. Mas tanto na internet como na literatura existe um rompimento com o cotidiano da linguagem. Não sei se chamaria esse fenômeno de “dialeto”. Se assim for, penso que um dia Guimarães Rosa vai ser um dialeto para aqueles que estão chegando à vida. Não quero ser nostálgico. Todo mecanismo que nos ajuda a ser mais sensíveis diante do mundo e de nossa própria humanidade é válido. Só pela sensibilidade teremos um mundo mais ético.

Marina Colassanti – Nem uma coisa, nem outra. É um fenômeno lingüístico e social que ainda está sendo estudado.

Paulo Franchetti – O blog, enquanto diário e lugar de colagem de textos que o autor escolheu para transcrever e/ou comentar, é diferente, como atitude e prática de linguagem, de outros meios de comunicação escrita na internet, como os chats e os programas de comunicação interativa. Não acho que seja negativo nem positivo o fato de se criar um “dialeto” nos blogs. Mas acho que é positivo o fato de, para um número cada vez maior de pessoas, a linguagem escrita ser algo com que se sentem à vontade.

JU – Ao longo da história, grandes movimentos da arte e da cultura sempre vieram na esteira das transformações da sociedade e de seus modos de produção e de comunicação. A internet é essencialmente um fator de mudança do campo da informação e da própria cultura, afetando também os modos de produção. Por que as artes ainda não reagiram? Ou essa reação existe e ainda não é tão visível?

Bartolomeu Campos Queirós – É que a sociedade está voltada para o consumo. Não nos foi possível descobrir e vivenciar, com intensidade, que todo real é uma fantasia que ganhou corpo. Só pela fantasia acrescentamos. Somos sempre levados a acreditar que a fantasia é um exercício menor. Parece-me que estamos mais preocupados com a qualidade dos preços do que com a qualidade dos valores. Por muito tempo fomos induzidos à crença de que consumir é mais prazeroso que criar. Mas percebo reações e justifico, em parte, a violência, como uma resposta. Por outro lado, muitos artistas, principalmente em artes visuais, têm feito das tecnologias seus instrumentos de expressão.

Marina Colassanti – As artes já reagiram. Reagiram incorporando  desde o início os meios televisivos. O cinema se apossou deles de modo  muito evidente e constante, as artes visuais jogam com eles o tempo todo,  a poesia os utiliza e se veicula através deles, já os vi incorporados na dança e tenho certeza de que penetraram na música. Mas já são para nós tão familiares, tão corriqueiros, que muitas vezes os vemos incorporados em uma instalação ou em uma cenografia, sem registrarmos diretamente sua presença.

Paulo Franchetti – Quando falamos de cultura, eu creio que estamos falando de artes e ciências. Assim, não compreendo o que quer dizer a afirmação de que os grandes movimentos culturais venham na esteira das transformações da sociedade. A cultura produz transformações, é parte do processo de transformação da sociedade. Não é possível compreender a escola hoje, isto é, a escola dos que têm acesso a computador, sem a internet. Não se faz mais pesquisa sem internet, seja por conta das facilidades da web, seja por conta das trocas de informações e arquivos por e-mail. O modo de escrever já mudou com o computador pessoal. E continua a mudar.

JU – Que impacto a internet terá na produção e na difusão do livro? São instrumentos complementares ou excludentes entre si?

Bartolomeu Campos Queirós – Vejo que tanto a internet como o livro são instrumentos complementares embora exigindo maneiras diversas de participações. Ambos abrem caminhos. Eu me lembro que ao surgir o vídeo muitos diziam que os cinemas seriam fechados. Nunca tivemos tantas salas como agora e com tanta freqüência. É necessário confirmar que o sujeito é que dá sentido às coisas. E como é bom descobrir que por meio dos sentidos somos além de nós.

Marina Colassanti – Complementares. Durante alguns anos se disse e se temeu que a  internet acabasse com o livro. O assunto foi discutido em todas as grandes feiras de livros, em seminários e em simpósios, nas editoras e nas universidades. Mas enquanto discutíamos, verificou-se progressivamente que isso não ia acontecer. Hoje, todos sabemos que nem a internet nem o e-book acabarão com o livro. Aliás, não era essa sua intenção.

Paulo Franchetti – É difícil prever. O acesso à informação na internet deverá ainda sofrer muitas alterações. Basta pensar no que houve com os jornais impressos. Num primeiro momento, todos foram para a web. O acesso era gratuito e geral. Parecia que seria o fim do jornal pago, que os anúncios na internet sustentariam o custo. Logo se viu que não era assim. Hoje, os grandes jornais vendem assinaturas eletrônicas e oferecem acesso eletrônico apenas aos assinantes do papel ou de um portal coligado. É difícil saber como será o futuro do livro na internet. Hoje a internet tem, sobre o livro impresso, duas vantagens: a acessibilidade imediata do que está digitalizado e o custo nulo ou irrisório. Se o custo subir, as vantagens do livro (manuseabilidade, portabilidade ilimitada, durabilidade e disponibilidade da informação, independente de equipamentos, energia elétrica ou encerramento de homepages) voltarão a pesar muito.
Quando à difusão do livro, a internet já tem um papel fundamental. Num país enorme e sem livrarias, como o Brasil, a possibilidade de adquirir, de qualquer lugar, qualquer livro disponível no mercado por meio do comércio eletrônico é algo de extrema importância.

JU – Apesar da queda dos níveis de renda da população desde a década de 90, o número de editoras cresceu exponencialmente no Brasil, nos últimos anos. Como se explica isso? Isso significa um aumento do número de leitores? As perspectivas são portanto boas?

Bartolomeu Campos Queirós – Claro, também a partir de sua confirmação, que existe um número maior de leitores. Se vivemos em um lugar capitalista, as editoras não estão estocando seus produtos. Não há como desconhecer a necessidade da literatura. Se feita de fantasia, ela alimenta a fantasia daquele que lê. O que existe de mais profundo em nós é a fantasia. E na leitura a fantasia do escritor se soma à fantasia do leitor. Portanto não existe diálogo mais íntimo. Depois de ler um bom livro, jamais deixaremos de ler outro e mais outro.

Marina Colassanti – Quem deve  dar o número preciso de leitores, seu eventual aumento em relação à população e à renda, não sou eu. É o mercado livreiro. Aliás, essa é uma pergunta toda ela para editores. O que sabemos é que as editoras estão aumentando o número de títulos mas diminuindo as tiragens. E sabemos também que a renda não aumenta, mas a população  sim. E que vêm surgindo pequenas editoras nos estados, não mais dispostos a viver só dos livros fornecidos pelo grande eixo leitor. E que têm tido êxito editoras setoriais, ou seja, dedicadas apenas a um determinado tipo de livros, como os de auto-ajuda, de espiritismo, de ecologia ou culinária. Talvez isso tudo responda à sua pergunta.

Paulo Franchetti – Creio que o número de editoras cresceu não só porque o número de leitores efetivamente aumentou, mas principalmente porque o custo de criar e manter uma editora diminuiu imensamente, por causa da informatização. Hoje, uma editora pode ser criada e mantida com pouco investimento em equipamentos e recursos humanos. Do ponto de vista da produção, a rigor, só são necessárias duas pessoas: um editor para escolher os livros e um funcionário para contratar os trabalhos terceirizados. E com o progresso da impressão sob demanda, sequer se faz necessário um grande espaço de armazenamento, até a editora se consolidar, descobrir a sua fatia de mercado e possuir um catálogo razoável.

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