Antes de entender como a análise emergética pode contribuir para alcançar a produção sustentável de alimentos, bens e serviços, é conveniente saber o que significa o conceito de emergia. O termo, cunhado pelo pesquisador H.T. Odum, pode ser traduzido livremente como o estudo que indica a energia gasta pela biosfera, que é o conjunto de ecossistemas do Planeta, para produzir um determinado recurso. São considerados, nesse caso, tantos os recursos naturais quanto os antrópicos, estes últimos resultantes da ação do homem sobre a natureza. Pois bem, o que os pesquisadores da Unicamp estão fazendo é quantificar o consumo total das energias em unidades comuns (emergia solar), agregando os fluxos em função de suas características de renovabilidade. A sustentabilidade de um sistema determina-se pela proporção de emergia renovável em relação ao total de emergia utilizada.
O coordenador dessa linha de pesquisa, professor Enrique Ortega, explica que a análise emergética é uma metodologia relativamente nova, portanto desconhecida pela maioria das pessoas. De acordo com ele, a ferramenta é holística e muito versátil. Ela pode ser utilizada para aferir o índice de sustentabilidade tanto de uma pequena propriedade rural, quanto de uma usina de álcool ou da cadeia agroindustrial da laranja. Além disso, pode servir a estudos de sistemas virtuais voltados à análise de cenários futuros. Mais ainda: pode ser aplicada como instrumento para orientar políticas públicas que visem ao desenvolvimento sustentável de uma região. “Num encontro com prefeitos paulistas promovido pela Unicamp dois meses atrás, nós apresentamos uma proposta de assessoria para a realização de um diagnóstico regional que serviria para elaborar a Agenda 21 municipal. Até agora, apenas uma prefeitura demonstrou interesse”, informa o docente. A Agenda 21, apenas para registrar, é um acordo mundial aprovado durante a Conferência Rio 92, promovida pela ONU, que tem por metas o desenvolvimento sustentável e a eqüidade social.
Mas como funciona, na prática, a análise emergética? Para esclarecer essa questão, o professor Ortega sugere um pequeno mergulho na dissertação de mestrado de um de seus orientados, Feni Dalano Roosevelt Agostinho. O estudante de pós-graduação tomou para estudo três propriedades rurais de Amparo, cidade próxima a Campinas. Para efeito de comparação, ele optou por dois sítios que utilizam métodos químicos de produção e um que emprega o manejo agroecológico. Feni conta que trabalhou com a análise emergética em associação com o sistema de informações geográficas, conhecido pela sigla SIG, para avaliar a sustentabilidade das três áreas produtivas.
O sistema SIG, esclarece o autor da pesquisa, foi utilizado para calcular a perda do solo, por meio de uma equação específica (RUSLE), além de auxiliar na confecção de mapas que fornecem subsídios ao gerenciamento interno das propriedades. Feni também fez várias visitas aos sítios e apresentou um questionário aos proprietários para apurar todo o material ou recurso que entrava ou saía dos três empreendimentos agrícolas. Por fim, ele buscou, em variadas fontes, os dados de matéria orgânica no solo e sobre as condições climáticas da região. Depois de cruzar, processar e analisar essas informações, o estudante de pós-graduação calculou que as propriedades que utilizam o manejo agro-químico têm índices de sustentabilidade de 26%, enquanto a que emprega técnicas agroecológicas alcança o percentual de 75%.
Quanto mais próximo dos 100%, esclarece Feni, mais sustentável é uma atividade. “Não existe um padrão internacional que aponte a partir de qual índice uma propriedade rural pode ser considerada sustentável. Entretanto, estudos desenvolvidos na Europa e Estados Unidos indicam que sítios e fazendas que empregam o manejo agro-químico convencional apresentam taxa de renovabilidade entre 15% e 30%. Portanto, a partir de 30%, já é possível dizer que o sistema produtivo segue na direção da sustentabilidade”. A principal diferença entre o sítio agroecológico e os outros dois, conforme o autor do estudo, concentra-se na forma como são aproveitados os recursos naturais. Os dois maiores problemas das propriedades que obtiveram uma baixa avaliação por meio da análise emergética concentram-se no uso excessivo de insumos químicos (não-renováveis) e na perda de solo.
Isso ocorre, segundo Feni, porque os produtores rurais plantam sem curva de nível ou cultivam morro abaixo, bem como fazem opção pela monocultura intensiva e pelos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Outro procedimento inadequado refere-se ao costume de roçar os morros, perdendo a cobertura vegetal que ajudaria a proteger o solo. “Um fator que diminui a sustentabilidade e a auto-suficiência é o uso exagerado de recursos comprados na economia urbana. Ou seja, esses agricultores preferem adquirir insumos industriais tóxicos em vez de aproveitar os recursos que a natureza oferece, como a reciclagem de nutrientes, o controle biológico de pragas e a incorporação de nutrientes potencialmente disponíveis no solo local”, afirma. No sítio que faz o manejo agroecológico, ao contrário, os recursos naturais são mais bem aproveitados.
O autor da dissertação conta que o dono dessa propriedade mantém uma área de floresta, onde vivem os predadores naturais das pragas que costumam atacar suas culturas. Além disso, ele optou pela policultura e abandonou o uso de agroquímicos. A biomassa gerada no campo serve como adubo e auxilia na indução da atividade dos microorganismos do solo, que disponibilizam nutrientes. Graças a esses procedimentos, os alimentos produzidos no local são considerados orgânicos, o que lhes garante um preço muito superior no mercado. Por fim, o proprietário ainda conseguiu ampliar o faturamento ao abrir as porteiras do sítio para visitas de pessoas interessadas em conhecer a sua experiência e em aprender um pouco mais sobre educação ambiental. “O mais interessante é que esse sítio manteve o manejo convencional até 1985. Somente a partir dessa data é que o proprietário adotou o conceito agroecológico. Isso demonstra que qualquer produtor rural pode fazer o mesmo. Só depende de uma mudança de atitude”, analisa Feni.
Em seu trabalho, o estudante de pós-graduação foi ainda mais longe e estimou a quantidade de água da chuva que se infiltra no sítio agroecológico. De acordo com seus cálculos, o volume atingiria perto de 75 milhões de litros ao ano. Como a propriedade não utiliza agrotóxicos, essa água não sofre qualquer contaminação. “A metade desse volume, coletada e aproveitada, seria suficiente para abastecer 1,5% da população de Amparo. Ou seja, tal medida reduziria os gastos da prefeitura com o tratamento da água. As ações de desenvolvimento sustentável não trazem, portanto, vantagens apenas para o agricultor e o consumidor dos seus produtos. Elas também são benéficas para a natureza e a sociedade em geral”, completa.
Assentamento Como já foi dito, a análise emergética não se presta apenas à apuração do nível de sustentabilidade de uma pequena propriedade rural. Outro orientado do professor Enrique Ortega, Alexandre Monteiro de Souza, está aplicando a metodologia junto a um assentamento rural em Iperó, cidade da região de Sorocaba, no interior de São Paulo. Os camponeses ocupam há treze anos uma área da Fazenda Ipanema, administrada pelo Ibama, que foi dividida em 151 lotes, cujos tamanhos variam de 5 a 20 hectares. O objetivo do estudante de pós-graduação é estabelecer evidentemente a taxa de sustentabilidade do assentamento, assim como verificar qual é a visão de futuro dos produtores rurais. “Lá, a produção é muito diversificada. Há quem lide com gado leiteiro e quem se dedique à fruticultura. Também existe quem usa o manejo convencional e quem já adote ações agroecológicas. Por meio da análise emergética será possível saber em que estágio de evolução da produção os assentados estão e apontar onde eles poderão chegar”, afirma.
Além das duas pesquisas citadas acima, o Laboratório de Engenharia Ecológica da FEA tem outros estudos em andamento envolvendo a análise emergética. Eles compreendem desde a comparação de sistemas agrosilvi-pastoris da Colômbia, passando pelo desenvolvimento de uma ferramenta web para diagnóstico e certificação participativa de produtos do meio rural, e desembocando na modelagem e simulação da economia do Peru. O objetivo desses trabalhos, diz o professor Enrique Ortega, é criar cenários que permitam aos produtores rurais, aos gestores públicos e à sociedade em geral perceber a importância da adoção das premissas do desenvolvimento sustentável. De acordo com ele, a partir de diagnósticos confiáveis, como os proporcionados pela análise emergética, ainda é possível viabilizar propostas na direção da sustentabilidade. Mas é preciso agir já, adverte o especialista, sob pena de num futuro não muito distante a população mundial ter que enfrentar o esgotamento dos recursos naturais e as suas respectivas conseqüências. Com a decisão, o homo sapiens.