Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 293 - 27 de junho a 10 de julho 2005
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Escavando novos paradigmas
 

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Livro em inglês organizado por professor da Unicamp
lança diferentes olhares sobre a arqueologia

Escavando novos paradigmas

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Os professores Pedro Paulo Funari (à esquerda) e Andrés Zarankin: transcendendo o foco anglo-saxão (Foto: Antoninho Perri)Nas Ciências Humanas, raros são os exemplos de livros organizados por brasileiros, em língua inglesa, voltados para um público internacional. Por isso, Global Archaeological Theory, Contextual voices and contemporary thoughts (“Teoria Arqueológica Global, vozes contextuais e pensamentos contemporâneos”), que acaba de ser lançado pela editora Kluwer/Plenum, de Nova Iorque, é original e inovador. Organizado pelo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro Paulo Funari, pelo pesquisador argentino Andrés Zarankin e pela professora norte-americana, Emily Stovel, a obra tem o mérito de ser a primeira a propor um olhar sobre a teoria arqueológica descentrado do tradicional foco anglo-saxão que permeia a grande maioria das publicações de referência no segmento. Embora nas 380 páginas do volume predominem autores latino-americanos, não se trata de uma coletânea de estudos sobre o continente e voltado para estudiosos do Brasil e de países vizinhos. Ao contrário: destinada também ao público norte-americano e europeu aborda, com pontos de vista alternativos, questões epistemológicas de fundo, de interesse e de ambição universal.

O livro começou a ser gestado em 1998, quando Funari, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – que também financiou parcialmente a publicação da obra – organizou a “Primeira Reunião de Teoria Arqueológica na América do Sul”, em Vitória (ES), encontro pioneiro e que originou encontros posteriores na Argentina e na Colômbia. As atas do congresso foram publicadas em português pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo dois anos depois e o trabalho mostrou-se potencialmente promissor para ganhar uma versão internacional, já que, entre os autores dos papers, havia respeitados pesquisadores dos EUA e da Europa.

“A idéia da publicação de um volume em inglês encontrou boa acolhida nos Estados Unidos e na Europa, na medida em que o volume congregaria não apenas estudiosos daqueles centros, como da América Latina. O projeto do volume consistia, assim, em contar com autores dos grandes centros em diálogo com estudiosos atuantes na América Latina”, relata Funari, coordenador do Grupo de Pesquisa de Arqueologia Histórica sediado no Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp.

A obra agora publicada reúne estudos arqueológicos de 24 autores – alguns participantes dos encontros na América do Sul e outros convidados a contribuir especificamente para a publicação – e rompe com as dicotomias tradicionais, que separam os estudiosos em categorias estanques: teóricos, pré-historiadores, classicistas e arqueólogos do mundo moderno. Os editores consideram a arqueologia uma reflexão crítica sobre a cultura material, em qualquer época e lugar, e nesse sentido, preocuparam-se em reunir estudiosos e campos que, normalmente, não se comunicariam entre si.

Os organizadores propuseram cinco grandes temas: teoria arqueológica, teoria arqueológica e os métodos em ação, espaço e poder na cultura material, imagens como discurso material e construção do discurso arqueológico.

No campo teórico, escreveram os editores do volume (Funari, Zarankin e Stovel), o teórico britânico Julian Thomas, o sueco Hakan Karlsson, o professor da USP Norberto Guarinello, o professor gaúcho José Alberione dos Reis e os argentinos Irina Podgorny, Maria Dolores Tobias e Máximo Farro. Os diversos autores trataram da cultura material como discurso e prática científica, a partir de diferentes pontos de vista, mas sempre em uma atitude reflexiva sobre a própria disciplina.

Teoria e métodos em ação foram abordados pelo arqueólogo americano Charles Orser Jr., pelo britânico Benjamin Alberti e por Emily Stovel, assim como por Funari, pelo argentino Gustavo Politis e por Francisco Noelli, professor da Universidade Estadual de Maringá (PR) e conhecido estudioso dos guaranis. O uso da teoria de rede para tratar do mundo moderno, por Orser, encontrou contraponto na busca pelas especificidades dos contextos históricos e no contraste entre as colonizações portuguesa e espanhola, por Funari, e na contextualização dos papéis sexuais, por Alberti. Politis, Stovel e Noelli tratam das identidades sociais.

O estudo do espaço e das relações de poder, a partir da cultura material, conta com quatro trabalhos argentinos (elaborados por Marisa Lazzari, Feliz Acuto, Andrés Zarankin, Maria Ximena Senatore), centrados na interpretação do espaço como campo de relações de poder. Os estudos de caso vão dos incas (Acuto), ao século XVIII argentino (Senatore), passando pelo formativo argentino (Lazzari) e pelo estudo da arquitetura escolar capitalista (Zarankin).

Dois estudiosos atuantes no Brasil voltam-se para o uso das imagens como discurso material: o veterano arqueólogo francês André Prous e o professor da UFRJ e colaborador da Unicamp, André Leonardo Chevitarese, com um estudo sobre a cerâmica ática. A construção do discurso arqueológico conta com um capítulo escrito pelo arqueólogo norte-americano Randall McGuire e pelo venezuelano Rodrigo Navarrete, sobre a relação entre os pensamentos críticos nos Estados Unidos e na América Latina, seguido de estudo de Lúcio Menezes Ferreira sobre a representação do indígena no Brasil imperial e de estudo sobre o mesmo tema no início do século XX, pela brasileira Ana Piñon. O volume conclui com um comentário do teórico britânico Matthew Johnson.

“A proposta foi desconstruir a concepção monolítica de arqueologia e revelar a pluralidade de idéias que podem existir sobre o tema”, salienta Zarankin, arqueólogo e docente do Instituto Multidisciplinar de História e Ciências Humanas, de Buenos Aires (Argentina).

Global Archaeological Theory pode ser comprado pelo site por US$ 129 (exemplar com capa dura) e US$ 59,95 (capa simples).

Trabalho arqueológico em Angra dos Reis: estudando  formações de sambaquis e fortificações com objetivos preservacionistas (Foto: Divulgação)

De olho na preservação

O grupo liderado por Funari e Chevitarese na Unicamp criou pioneiramente no Brasil uma área de pesquisa em “Estratégias em Arqueologia Pública”, para estimular ações que, a exemplo do livro, pretendem desmitificar o conceito tradicional da arqueologia como ciência preocupada apenas com a recuperação e estudo de artefatos antigos, para colocá-la a serviço de necessidades de preservação do patrimônio histórico e cultural das comunidades contemporâneas.

Funari conta que as intervenções públicas da arqueologia contribuem para mostrar às pessoas que o patrimônio cultural de uma determinada comunidade integra suas histórias individuais. Resgatá-lo e preservá-lo significam, portanto, manter viva suas próprias identidades.

O mais recente trabalho arqueológico nesse campo ocorre em Angra dos Reis, conforme mostram as fotos que ilustram esta página. Lá, Funari e a pesquisadora Nanci Vieira Oliveira estudam com objetivos preservacionistas formações de sambaquis (restos de conchas e moluscos acumulados) e fortificações históricas dos séculos 17 e 18 erguidas para a observação de embarcações. A iniciativa envolve ainda ações educativas ambientais para a comunidade local.

“É uma demonstração de como a arqueologia, engajada na sociedade, pode promover valorização, preservação e educação patrimonial”, resume Funari.

A abrangência global e o passado

Estudar a vida rural de uma sociedade ou a arquitetura de edifícios escolares é uma atividade arqueológica? Sim, ainda que os exemplos pareçam destoar da definição mais clássica de arqueologia, como ciência que estuda os vestígios das antigas sociedades, por meio de escavações e outras técnicas e métodos. A aparente dissonância também é contemplada pela proposta editorial de Global Archaeological Theory, segundo destaca Funari.

“Há uma tradição, contra a qual esse livro se insurge, de considerar que o arqueólogo está atrás apenas de desvendar os grandes acontecimentos do passado. Isso é um mito; olhamos o passado a partir de temas que sejam relevantes para nós. O contexto no qual vivemos e trabalhamos faz com que tenhamos posições próprias sobre como interpretar o passado”, argumenta o docente da Unicamp.

Nesse aspecto, a obra defende um ponto de vista segundo o qual o contexto histórico-cultural específico das sociedades latino-americanas (ainda sob forte influência das origens campesinas) fornece aos arqueólogos nativos meios originais de reflexão sobre a sociedade e sobre o passado.

“Arqueólogos norte-americanos e europeus vivem em contextos capitalistas e, em geral, olham o passado por esse prisma, produzindo modelos de interpretação que temos a tendência de importar. O livro é a oportunidade de apresentarmos a nossa maneira de estudar uma sociedade mais antiga, seja ela indígena ou romana, e os resultados que essa abordagem é capaz de proporcionar. Trata-se de um viés que eles acham bastante interessante”, comenta Funari, referindo-se à receptividade da obra na comunidade internacional.

O trabalho do professor André Chevitarese (também do Grupo de Pesquisa de Arqueologia Histórica da Unicamp) sobre a sociedade rural de Atenas é, segundo Funari, emblemático dessa abordagem inovadora. A originalidade está, em primeiro lugar, no fato de ser uma investigação sobre arqueologia européia desenvolvida por um brasileiro. Em segundo lugar, não segue a linha clássica de pesquisas sobre a Grécia, habitualmente focadas em aspectos de sua filosofia e de sua cultura urbana.

O estudo, baseado em imagens de cenas rurais encontradas em cerâmicas áticas, concentrou-se no campo, e esse tipo de insight, o de estudar a vida campestre grega, é mais fácil de ocorrer para um pesquisador latino-americano, cuja vivência urbana ainda está fortemente influenciada pela rural, do que para um norte-americano ou europeu.

A preocupação dos autores em mostrar a arqueologia como ciência capaz de oferecer subsídios para a melhor compreensão também das sociedades contemporâneas aparece no estudo em que Zarankin analisa a arquitetura de escolas públicas de Buenos Aires a partir da idéia de que o edifício escolar, como uma espécie de prisão, conforma o jeito de as pessoas agirem.

“A arqueologia sempre foi pensada para estudar uma sociedade antiga. Mas a abordagem das escolas compreende os últimos 150 anos, o que em termos arqueológicos é muito recente. Então, é uma atividade que também estuda a nossa sociedade atual e as coisas que ainda estão em uso”, observa o autor.

Funari destaca que as pesquisas, embora desenvolvidas localmente, como a de Buenos Aires, geram metodologia que permite análises semelhantes em contextos muito diferentes, o que demonstra uma outra particularidade da arqueologia contemporânea: a sua abrangência global.

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