LUIZ SUGIMOTO
O astrofísico venezuelano Orlando Naranjo vem à Unicamp entregar o prêmio principal do Grande Desafio, que reunirá quase 500 estudantes do ensino fundamental e médio. A equipe vencedora ganhará o direito de escolher o nome do asteróide 12367, descoberto por ele.
Naranjo possui 36 asteróides registrados como descobertas suas e mais de 600 que ainda não tiveram a autoria oficializada pela União Astronômica Internacional. Afirma, no entanto, que está longe de ser um dos grandes descobridores de asteróides, ocupando o 145º lugar no ranking mundial.
O astrofísico é professor da Universidade de Los Andes (ULA), em Mérida, cidade turística da Venezuela onde foi construído o Observatório Nacional de Llano del Hato, a 3.600 metros de altitude. Ele coordena o Grupo de Astrofísica Teórica, criado na ULA para realizar pesquisas em astrofísica e usar os instrumentos instalados no observatório.
Na entrevista que segue, Orlando Naranjo explica porque é importante localizar e acompanhar o movimento dos asteróides, que explodem na atmosfera terrestre com freqüência maior do que imaginamos. A linguagem acessível vem da experiência em outro trabalho, o de popularizar a ciência principalmente entre jovens, e que motiva sua viagem ao Brasil.
Jornal da Unicamp – Quais são as atividades de um astrofísico e as suas em particular?
Orlando Naranjo – Um astrofísico tenta conhecer os fenômenos que ocorrem no universo e estabelecer teorias e leis que expliquem esses fenômenos. Estuda o sistema solar, o sol, os planetas, as estrelas, as galáxias e o universo em geral. A linha central de minha pesquisa está relacionada com o conhecimento do sistema solar. Observo o céu ativamente através dos telescópios instalados no Observatório Nacional de Llano del Hato.
Uso os telescópios câmera Schmidt, refletor e refrator. Com eles executo três projetos de pesquisa. O primeiro é a busca de objetos em movimento no sistema solar, o que inclui asteróides, objetos ao redor da Terra, cometas, satélites de outros planetas etc. Foi durante este projeto que descobri o asteróide 12367.
O segundo projeto é a observação de estrelas ocultas por objetos do sistema solar, com o qual temos ajudado a conhecer a atmosfera de Titã, um satélite de Saturno. No terceiro estudo as propriedades físicas de objetos ao redor da Terra, com o objetivo de conhecer mais sobre esses objetos que são remanescentes da origem do sistema solar.
JU – O senhor já descobriu mais de 600 asteróides. Isto o coloca entre os maiores descobridores do mundo?
Naranjo – Não estou entre os maiores descobridores de asteróides do mundo. Quiçá, estou entre os maiores da América Latina. Eu me encontro no número 145 do ranking mundial. O maior descobridor de asteróides é um projeto envolvendo um telescópio automatizado, usado anteriormente pela força aérea americana. É conhecido como projeto Linear e tem seu observatório em Socorro, estado do Novo México (EUA).
JU – Por que é importante identificar e determinar a posição de asteróides?
Naranjo – Neste momento estou muito interessado no descobrimento e seguimento de objetos próximos da Terra. Alguns deles são potencialmente perigosos para a humanidade em caso e uma colisão com nosso planeta. São aqueles localizados a até 0,05 unidades astronômicas – ou 7,5 milhões de quilômetros da órbita terrestre. [Uma unidade astronômica equivale à distância média entre a Terra e o Sol, que é de 150 milhões de quilômetros].
Até o momento foram descobertos 864 objetos potencialmente perigosos. Antes do ano 2010, espera-se conhecer os objetos próximos que têm entre 140 metros e 1 quilômetro de diâmetro. No começo das minhas buscas no céu, por volta de 1992, não se conhecia muitos deles.
A identificação de objetos em movimento permite conhecer sua distribuição e estudar os processos mediante os quais se formou o sistema solar. Observando esta distribuição na parte mais interna do sistema, vemos que a Terra é literalmente “um polígono de tiro” dos asteróides.
JU – Qual a probabilidade de um asteróide colidir-se com a Terra?
Naranjo – De acordo com os estudos realizados, sabe-se que a cada milhão de anos um asteróide de mais de um quilômetro de diâmetro colide com a Terra, infringindo danos humanos e materiais. A cada 300 anos ocorre um evento como a explosão de Tunguska, com a colisão de um objeto de cerca de 20 metros de diâmetro e potência igual a várias bombas nucleares (a explosão ocorreu na atmosfera). O evento foi em 30 de junho de 1908, entre as 7 e 8 horas da manhã, na região do rio Podkamennaya Tunguska, na Rússia. Este é maior impacto ocorrido recentemente.
A cada ano acontece pelo menos um evento com a potência de uma bomba como a que explodiu em Hiroshima. Estas explosões ocorrem geralmente na atmosfera e não têm efeitos sobre a humanidade nem sobre a natureza e as coisas.
Não existem planos para a mitigação de um desastre por impacto. Na última conferência de defesa planetária, realizada em Washington de 5 a 8 de março deste ano, foram feitas 19 recomendações a diferentes governos do mundo para se desenvolver e provar novas tecnologias. Ademais, propõe-se que se inicie um debate público a fim de estabelecer políticas para a proteção da Terra frente ao risco do impacto de objetos que nos cercam.
JU – Como se descobre um asteróide?
Naranjo – Para descobrir asteróides usamos uma câmera Schmidt. O telescópio é assim chamado porque é literalmente uma câmara fotográfica gigante. Nele não observamos diretamente com o olho. Só é possível obter imagens do céu, mediante o uso de placas fotográficas ou de dispositivos eletrônicos conhecidos como CCD (charge couple device). O CCD é um dispositivo como o usado em câmeras filmadoras ou fotográficas modernas.
O método consiste em expor fotografias da mesma zona do céu durante três dias seguidos, três vezes por dia. As análises das observações permitem determinar a posição precisa do asteróide no céu. Essas posições são enviadas ao Centro de Planetas Menores da União Astronômica Internacional, em Cambridge, Massachusetts (EUA), onde é feita uma numeração temporária. Quando o asteróide é numerado definitivamente, o descobridor pode sugerir um nome à comissão da UAI, que aceita ou não o nome proposto.
JU – Como o senhor descobriu o asteróide 12367?
Naranjo – Descobri o asteróide quando realizava uma busca na eclíptica. A eclíptica é o plano que forma a órbita da Terra ao redor do Sol. Quase todos os objetos que se movem ao redor do Sol o fazem no plano da eclíptica. Naquele momento interessava-me conhecer mais sobre a distribuição e o tipo de asteróides que orbitam nesse plano.
Para isso, expus fotos em placas fotográficas da mesma região do céu em diferentes momentos. Comparando as diferentes exposições, pude detectar o movimento de asteróides ou do grupo de asteróides. Em algumas zonas cobertas por uma placa pude descobrir até 28 asteróides.
Uma mesma placa abarcava 5 graus no diâmetro do céu, que acabava estampado em uma placa de vidro, coberta de um lado por uma emulsão fotográfica. As fotos foram tiradas em dias diferentes. Ao comparar as placas simultaneamente com um aparato conhecido como comparador blink PSK, consegui detectar o movimento do asteróide no céu, no dia 8 de fevereiro de 1994.
Neste momento, o asteróide está a uma distância de 2,976 unidades astronômicas (aproximadamente 446 milhões de quilômetros) da Terra.
JU – Qual a motivação para o senhor conceder aos estudantes brasileiros o direito de escolher o nome do asteróide?
Naranjo – Minha principal motivação é contribuir para a popularização e divulgação da ciência entre os estudantes e o público em geral. Colocar meu grão de areia para fazer com que os estudantes se interessem pelas disciplinas científicas, especialmente os mais jovens. Para mim, é uma honra oferecer um dos meus descobrimentos para a premiação de um evento como Grande Desafio.
JU – Há um comitê internacional que estabelece regras para a escolha do nome de um asteróide. Pode citar algumas regras para orientar nossos estudantes na escolha?
Naranjo – O comitê da UAI é formado por 15 pessoas de diferentes partes do mundo. As regras gerais são as seguintes: o nome não deve ter mais de 16 caracteres; a preferência é por uma só palavra; não deve ser um nome ofensivo; deve ser um nome pronunciável (em qualquer idioma); não deve ser muito similar a um nome já proposto; nomes de pessoas ou eventos conhecidos por suas atividades militares e/ou políticas podem ser usados somente quando passados mais de 100 anos da morte da pessoa ou de ocorrido o evento.
O nome é tornado oficial quando publicado nas Circulares de Planetas Menores, emitidas mensalmente pela União Astronômica Internacional.
JU – No Brasil e no mundo, as descobertas da ciência despertam grande interesse, mas poucos jovens escolhem a profissão de cientistas. Um dos motivos seria a baixa remuneração em comparação com outras profissões. O que o senhor diria para motivar os jovens a serem cientistas?
Naranjo – Hoje em dia, a profissão de cientista não é de salários tão baixos como no passado. O cientista hoje é melhor remunerado. E, acima disso, está a satisfação pessoal de sentir-se descobridor de um fenômeno científico importante.
Toda a população deveria estar mais familiarizada com os fenômenos científicos que ocorrem ao seu redor. Por esta razão é necessário popularizar e divulgar mais a ciência em geral, através de museus e com um maior contato entre os cientistas e os jovens estudantes.
A astronomia é uma ferramenta ideal para o ensino de outras áreas da ciência. É necessário que nossas crianças comecem desde cedo a apreciar a importância da ciência.
O desenvolvimento dos povos está estreitamente ligado ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação. Precisamos de muito mais pesquisadores do que temos hoje nos países latino-americanos
Links para saber mais
Ranking de descobridores
de asteróides
http://www.cfa.harvard.edu/iau/lists/MPDiscsNum.html
A Terra como alvo
dos asteróides
http://www.cfa.harvard.edu/iau/lists/InnerPlot.html
Informações sobre
o asteróide 12367
http://ssd.jpl.nasa.gov/sbdb.cgi
As regras para dar nome ao asteróide
http://cfa-www.harvard.edu/iau/info/HowNamed.html
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