| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 361 - 11 a 17 de junho de 2007
Leia nesta edição
Capa
Reforma departamental do IB
Artigo: O desafio da interdisciplinaridade
Produção de Etanol
Mestre cervejeiro
Olho eletrônico
Grande Desafio
Câncer de próstata
Pão de fôrma
Desenhando com as letras
Matthieu Tubino
Painel da semana
Teses
Unicamp na mídia
Portal no JU
Livro da semana
Fibra fotônica
Mundo micro
 


9

Matthieu Tubino,
um grego com alma brasileira

CLAYTON LEVY

O professor Matthieu Tubino em sua sala no Instituto de Química: cientista acaba de ser anunciado ganhador da edição 2007 do Prêmio Fritz Feigl (Fotos: Antoninho Perri)Instituto de Química, bloco I, sala 125. Um homem maduro, madeixas grisalhas contrastando com a calva avantajada, escreve alguma coisa no computador. Logo na entrada, a mesa abarrotada. Para um estranho, seria mais fácil acertar na loteria do que encontrar o que se procura. Papéis, livros, revistas, frascos químicos, produtos de limpeza, caixas de papelão, fotografias, tesoura, um pote de chá. Ao redor, prateleiras também abarrotadas. A um canto, o guarda-chuva; na parede oposta, a tabela periódica; e na lateral direita, uma balança de precisão. Matthieu Tubino interrompe o que está fazendo e desabotoa um sorriso. “Fiquem à vontade”.

Cientista desenvolveu
método limpo para
produção
de celulose

Cordialidade sóbria, ar discreto. Nem parece que acaba de ser anunciado ganhador da edição 2007 do Prêmio Fritz Feigl, promovido pelo Conselho Regional de Química IV Região (São Paulo e Mato Grosso). A entrega está marcada para o dia 11 de agosto, na sede da entidade, em São Paulo, durante cerimônia que comemorará os 50 anos de instalação do Conselho. Se Tubino está satisfeito? Claro que sim. Mas não inteiramente realizado. “Gostaria de ter feito mais, de ter contribuído mais para com a sociedade. Afinal, sou pago com o dinheiro dos impostos”.

Pura modéstia. Como cientista, Tubino coleciona feitos e prêmios. Muito antes que o mundo começasse a levar a sério a questão ambiental, o pesquisador desenvolveu um método limpo para produção de celulose, substituindo enxofre por álcool. Logo depois, ao assistir um programa de televisão que mostrava os efeitos do mercúrio metálico em garimpeiros, provou, em laboratório, que este metal, ao contrário do que se acreditava, pode se oxidar facilmente no meio ambiente, inclusive no corpo humano.

Em seguida, demonstrou que a “análise de toque”, método analítico qualitativo, desenvolvido por Fritz Feigl, que usa pequenas quantidades de amostra e de reagentes, também pode ser usado para determinações quantitativas. “É um método simples, de baixo custo, que representa uma alternativa para racionalizar e diminuir custos, beneficiando, principalmente, populações menos favorecidas”.

Ao falar dos mais pobres, sua memória bate asas e vai pousar num dia qualquer de 1954, na Grécia. Atracado no porto de Pireu, na velha Atenas, o navio de cruzeiro Eolea vai engolindo famílias inteiras. Homens, mulheres, velhos, crianças. Todos querem fugir das lembranças da guerra. O pequeno Matthieu, de apenas seis anos, embarca junto com a mãe e uma irmã mais velha. Se tudo der certo, em alguns dias encontrarão o pai, que há um ano partiu para o Brasil em busca de vida nova.

Numa espécie de transe, as cenas vão emergindo. De Atenas, a família segue para Gênova, onde troca de embarcação. Agora estão a bordo do transatlântico Provence, que fará várias escalas antes de chegar ao destino. Um misto de esperanças e incertezas acompanha os passageiros. Mas para o pequeno Tubino havia qualquer coisa de lúdico em tudo aquilo. Em Dacar, no ponto mais ocidental da África, ele fica maravilhado com as lâmpadas de sódio usadas na iluminação noturna. “A cidade inteira ficava mergulhada numa bruma amarela, uma coisa fantástica”.

Duas semanas depois, a família finalmente reencontra-se no Brasil. Mas a viagem está longe de acabar. Depois de fazer escala em São Paulo, terão de seguir para Porto Alegre, onde a vida era mais barata e o pai havia conseguido trabalho. Na capital paulista, seguem o destino de quase todos os estrangeiros: a Hospedaria dos Imigrantes. “Ali dentro, vi pela primeira vez um tomate pequeno, o que me marcou muito, porque na Grécia os tomates tinham o tamanho de um caqui”.

A viagem de Maria Fumaça para Porto Alegre durou três noites e quatro dias, em bancos de madeira. No começo, a situação na capital caúcha parecia estável, mas dez anos depois o sonho acabou e a família decide voltar para São Paulo. “Fomos morar na casa de uns gregos no Bom Retiro, que alugavam quartos para outras famílias”. Agora Tubino é um adolescente e aquela aura lúdica que envolvia o mundo começa a dissolver-se. Em seu lugar, uma nova paixão está prestes a nascer: a química.

Tubino estuda em escola pública e alimenta o sonho de passar no vestibular. Tarefa nada fácil para um garoto que tem de fazer bicos e ajudar nas despesas de casa. Mesmo assim, três anos depois, ingressa na Universidade de São Paulo (USP). Duas bolsas de estudo, uma do Centro Acadêmico e outra do Lions Clube, ajudam o estudante a manter-se no curso de química, que transcorria em período integral. No último ano, passou a dar aulas num colégio particular, o que elevou sua renda para incríveis 450 cruzeiros por mês. “Fiquei rico”.

Quando as coisas finalmente pareciam se ajustar, algo inesperado coloca Tubino de novo na estrada. Cláudio Airoldi, atual decano do Instituto de Química, o convida juntamente com mais três estudantes da USP para trabalhar na recém-criada Unicamp. Em 1970, o grupo chega a Campinas a bordo do imponente Cometa. Desembarcam no Largo do Rosário e começam a tomar pé da situação. “Quando perguntamos aos motoristas de táxi onde ficava a tal Universidade Estadual de Campinas, ninguém sabia”.

Barracões – Por sorte, um dos taxistas que chegava ao local naquele instante matou a charada. “É lá para os lados de Barão Geraldo”. Àquela altura, Barão Geraldo ou Aparecida do Norte davam na mesma. “Entramos num Aero Willys cinza, redondinho, e seguimos viagem na base do seja o que Deus quiser”. Meia hora depois, chegavam ao campus. Ou pelos menos ao seu embrião. Á época, o local se resumia a alguns barracões cercados de mato por todos os lados, além do prédio da reitoria. “A estrutura da química consistia em algumas poucas salas usadas como escritórios e um pequeno laboratório”. Dos quatro convidados, dois desistiram na hora. Só Tubino e José Augusto Rosário Rodrigues resolveram ficar. “Aquilo não era muito racional, mas fomos seduzidos pelo desafio”.

Tubino fez mestrado, doutorado e não parou mais de ter idéias. Discreto por natureza, não chega a sair correndo nu pelo laboratório, gritando “Eureka” a cada vez que tem um insight, como fazia seu conterrâneo Arquimedes, dois séculos antes de Cristo. Mas Tubino também tem seus momentos de inspiração. “Geralmente ocorrem quando estou sozinho ao volante do carro”. Pelo menos foi nesta situação que o pesquisador encontrou a solução para inúmeros problemas científicos.

Excentricidades à parte, Tubino revela uma consistente lucidez ao analisar a situação da ciência no Brasil. “Melhorou muito de uns anos para cá, mas ainda estamos muito dependentes do que se faz lá fora”. Quando toca no assunto, o pesquisador fica sério, quase severo. “Esquecemos que temos demandas próprias e deixamos o exterior pautar o roteiro de pesquisas no Brasil”. E questiona: “Afinal, o que é importante para o país?” Em seguida, completa: “Meu trabalho é modesto, mas tento seguir essa linha”.

Ouvindo-o falar dessa maneira, nem parece que se trata de um imigrante, cuja terra natal fica do outro lado do Oceano Atlântico. Na verdade, meio século de Brasil plasmou no cientista grego uma identidade tupiniquim difícil de encontrar até mesmo entre muitos de seus pares “nativos”. Não só pelo fato de ter se naturalizado brasileiro em 1970, mas pela consciência que desenvolveu acerca da realidade nacional e de seus enormes desafios. “Não nasci aqui, mas sinto que aqui é o meu lugar”.

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