Esta fibra, que contém microfuros da ordem de um mícron (a milésima parte do milímetro), veio permitir um controle do guiamento da luz sem precedentes, gerando inúmeras e intensas pesquisas sobre suas possíveis aplicações, incluindo a sua utilização como sensor óptico. Os pesquisadores da Unicamp, que contribuíram decisivamente para a implantação da fibra óptica brasileira, também não perderiam o bonde da história da nova fibra.
O jovem pesquisador Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, do Laboratório de Fenômenos Ultra-rápidos do Instituto de Física Gleb Wataghin, circula nos centros mundiais de ponta que investigam a fibra fotônica. Foi introduzido neste círculo pelo próprio Philip Russel, seu supervisor no pós-doutorado na Universidade de Bath.
Ao voltar da Inglaterra em 2005, Cristiano Cordeiro pôde manter-se no novo campo de pesquisa dentro do laboratório do professor Carlos Henrique de Brito Cruz e tem colaborado com diversos pesquisadores do Instituto de Física e da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).
Neste curto período de retorno ao Brasil, Cordeiro já participou do desenvolvimento de uma nova classe de fibras, juntamente com o doutorando Gustavo Wiederhecker e o professor Hugo Fragnito, do Grupo de Comunicações Ópticas. Este trabalho ganhou destaque na Nature Photonics, há poucos meses. Sim: foi o jovem pesquisador quem fabricou as primeiras fibras fotônicas brasileiras.
A busca de novas aplicações para a fibra micro-estruturada gerou três patentes pela Inova (Agência de Inovação Inova Unicamp), além de uma patente internacional em parceria com um grupo da Universidade de Sydney, na Austrália. Para mensurar a relevância dessas patentes é preciso entender ao menos as diferenças básicas entre a fibra óptica tradicional e a fibra fotônica.
Segundo Cristiano Cordeiro, em três décadas de desenvolvimento e com o interesse em produzir fibras ópticas capazes de transmitir o sinal por distâncias cada vez maiores, a sílica material do qual elas são feitas foi seguidamente melhorada e purificada. “Trata-se de um material com a melhor qualidade óptica possível e que praticamente alcançou a perfeição”.
O pesquisador explica que a fibra convencional é composta de dois tipos de vidros, um deles dopado, formando o núcleo por onde é guiada a luz. “O vidro da casca, com índice de refração menor, funciona como um batente que permite o confinamento da luz pelo núcleo, onde o índice de refração é maior. Já a fibra fotônica é feita de um único tipo de vidro, sendo que o ar dos microfuros serve para formar o batente de índices de refração”.
Ocorre que, enquanto a espessura da fibra convencional é de 125 mícrons, o seu núcleo, onde a luz está confinada, é de apenas 8 mícrons. Isto significa uma limitação quando a fibra é aplicada com fins de sensoriamento, pois o material analisado está distante do núcleo onde a luz é guiada. Na fibra fotônica, o material é inserido nos microfuros ao redor do núcleo, submetendo-se a grande interação com a luz.
Mas é a possibilidade de guiar a luz em qualquer ambiente, inclusive no ar e na água, que atrai tanto interesse pela fibra fotônica. “Se imaginarmos um tubo oco em ziguezague, e tentarmos fazer a luz guiar pelo núcleo de ar, ela vai escapar pelos lados, já que não é totalmente refletida de volta efeito que chamamos de reflexão interna total. Já o cristal fotônico que forma a casca das novas fibras funciona como um espelho onde a luz bate e volta, sendo guiada com baixas perdas”, exemplifica Cordeiro.
1ª patente A primeira patente obtida pelo pesquisador, juntamente com o doutor Enver Chillcce e o professor Luiz Carlos Barbosa, já tem dois anos e envolveu a fabricação de tubos de vidros especiais para a produção de fibras fotônicas.
“A sílica permite fazer uma fibra de quilômetros de comprimento e mesmo assim com perda muito baixa de luz, o que é fundamental para todo o campo das comunicações ópticas. Mas existem aplicações específicas onde a fibra pode ter poucos metros ou mesmo centímetros, importando mais as características especiais do seu material”, justifica Cristiano Cordeiro.
Produzir fibras destes vidros especiais é trabalho de artesão. Misturam-se os constituintes químicos de vidros, transformando-os em blocos que são processados para se chegar a tubos com alta qualidade. Os tubos, depois de esticados até 1 milímetro de diâmetro, são empilhados manualmente, formando-se a estrutura macroscópica da fibra planejada. Na torre de puxamento, todo este conjunto sai espremido em uma fibra com microfuros. Seu diâmetro total é de um fio de cabelo.
“Foi a maneira que encontramos de obter tubos e capilares de fibras a partir de vidros feitos no laboratório e que atendiam às nossas necessidades específicas. O leque de aplicações da fibra fotônica é semi-infinito, mas estávamos limitados ao material disponível no mercado. Não estamos mais”, assegura Cordeiro.
2ª patente A fibra fotônica pode ser muito sensível ao ambiente externo, mas apresenta um problema quando se quer sensoriar, por exemplo, um líquido contendo bactérias ou um gás perigoso: a luz e o material analisado precisam entrar por um só lugar, a ponta da fibra. “Isto dificulta aplicações práticas, como no sensoriamento de grandes ambientes da indústria”.
A segunda patente refere-se à criação, em co-autoria com o professor Christiano Matos, da Universidade Mackenzie, de uma técnica para abrir microfuros na lateral da fibra, por onde é introduzido o material examinado, reservando as extremidades para entrada e saída da luz. “Para monitorar um ambiente com gás usando a fibra convencional, teríamos que afiná-la até 1 ou 2 mícrons de espessura, tornando-a extremamente frágil. Com alguns centímetros de comprimento, ela quebraria”.
Nesse ponto, Cristiano Cordeiro lembra uma propriedade inerente à fibra óptica em geral, que é a resistência a qualquer interferência eletromagnética e a possibilidade de realizar medidas à distância. “Tanto a fibra tradicional como a fotônica podem ser instaladas em ambientes extremamente hostis, seja para mediar a corrente numa rede de alta voltagem, seja para resistir à pressão e temperatura de um poço de petróleo”. Já temos aqui alguns trabalhos em colaboração com grupos da PUC-Rio.
O pesquisador informa que um processo semelhante a este, também visando acessar o interior da fibra micro-estruturada, resultou na patente em colaboração com o grupo do Optical Fiber Technology Center, da Austrália. “Creio que o trabalho é interessante o suficiente para que a Universidade de Sydney se dispusesse a pagar vários milhares de dólares pela patente internacional”.
3ª patente A terceira patente obtida através da Inova, novamente em parceria com o professor Matos, é especialmente importante para a área de biologia, que geralmente se ocupa de líquidos em suas análises. Segundo Cordeiro, a fibra fotônica pode ser de núcleo líquido e oferecer grande comprimento de interação da luz com o meio analisado. “Um sensor tradicional faz a luz atravessar apenas centímetros do material, que geralmente precisa estar em grande volume”.
Recentemente, o pesquisador teve a curiosidade de enrolar 20 metros de fibra, que ficaram do tamanho de um palito de fósforo. Dobrado ao meio, este “palito” permitiria a interação da luz com o líquido no espaço de três centímetros. “Com as fibras micro-estruturadas, o volume necessário é da ordem do nanolitro (um bilionésimo de litro), vantagem preciosa se o meio analisado for, por exemplo, um material biológico de difícil processamento”.
A patente, no entanto, vai bem além desta introdução. Cristiano Cordeiro explica que, também em fibra de núcleo líquido, a onda pode viajar em velocidades e caminhos diferentes, no que se chama de dispersão modal, embaralhando a informação na outra ponta. “Procuramos produzir uma fibra monomodo, em que a luz segue apenas um caminho”.
A solução foi utilizar um segundo líquido na casca da fibra, controlando o guiamento do primeiro. Este líquido no centro da fibra pode conter uma bactéria que se queira medir ou um material líquido difícil de ser caracterizado com outras técnicas.
“Chegamos a uma fibra de núcleo e de casca líquidos. Até ano e meio atrás, era difícil colocar um líquido na extremidade diminuta da fibra fotônica. Agora colocamos outro líquido sem que se misture com o primeiro, abrindo ainda mais o leque de aplicações”, finaliza Cordeiro.