A Unicamp deverá firmar até agosto convênio de cooperação com o Arquivo Nacional visando a participação do Brasil no Projeto InterPares. Criado em 1997 pela Universidade de British Columbia (UBC), no Canadá, o trabalho tem como objetivo determinar modelos e padrões que permitam a gestão e a preservação de documentos digitais por longo prazo. Uma das preocupações e evitar danos à informação decorrentes da fragilidade dos meios de armazenamento e a perda de documentos em conseqüência da rápida obsolescência tecnológica.
Além da Unicamp, também participarão do projeto a Câmara dos Deputados, Ministério da Saúde e Programa Delegacia Legal, com sede no Rio de Janeiro. As quatro instituições terão cinco anos para desenvolver os primeiros testes objetivando a definição e aplicação de políticas de preservação em seus arquivos, baseadas nos conceitos desenvolvidos pelo InterPares. A aplicação da metodologia em realidades concretas irá gerar um conjunto de módulos orientados para treinamento em instituições arquivísticas ou cursos universitários da área de arquivo.
Armazenamento e obsolescência preocupam especialistas
“Cada vez mais as organizações e indivíduos vêm criando, trocando e processando informações exclusivamente em formato digital, mas só recentemente foi reconhecida a grave ameaça que pesa sobre os documentos digitais no que diz respeito a sua autenticidade, preservação e acesso de longo prazo”, diz a especialista em informática e gestão de documentos digitais do Arquivo Nacional, Claudia Lacombe, que no último dia 20 conduziu na Unicamp uma oficina para técnicos do Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (Siarq), Centro de Computação (CCUEC), Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU) e Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH).
Manipulação A preocupação com o tema vem crescendo na mesma proporção em que a tecnologia digital se dissemina. De acordo com Pricewaterhouse Coopers, 80% dos casos de investigação de fraudes estão relacionados a documentos digitais. “A preservação de documentos arquivísticos digitais autênticos é uma questão primordial, pois já foram perdidas algumas gerações devido a práticas de preservação inadequadas”, observa Claudia. “Além disso, é difícil provar a autenticidade dos documentos que resistiram, pois os documentos digitais são facilmente manipuláveis”, completa.
A pesquisadora destaca que documentos de arquivo constituem fontes primárias do conhecimento sobre as atividades de indivíduos e organizações, assegurando a transparência tanto administrativa e legal como histórica de suas atividades, além de proporcionarem a matéria-prima da memória coletiva. “A tecnologia digital tem desafiado profundamente os métodos tradicionais pelos quais os documentos de arquivo são identificados e reconhecidos como fontes fidedignas e autênticas”, alerta.
No Brasil, segundo Claudia, poucas instituições estão se mobilizando para enfrentar a situação. Uma das principais ameaças é a obsolescência tecnológica tanto dos equipamentos quanto dos programas de informática. “Há documentos que ainda estão armazenados em disquetes”, aponta. Quanto aos softwares, ela chama a atenção para a necessidade de atualizar constantemente as versões que são lançadas no mercado. “Nem sempre as versões novas garantem compatibilidade com as anteriores”.
A saída, segundo ela, é definir políticas de segurança que garantam a preservação dos arquivos digitais. Para a pesquisadora, não basta atualizar equipamentos e migrar documentos para mídias mais recentes. “No momento da conversão de uma mídia para outra, é preciso garantir a autenticidade da informação”, destaca. “Isso é necessário porque no documento digital é possível adulterar dados sem deixar rastros”.
Parcerias É para definir as políticas a serem adotadas que o Arquivo Nacional passou a atuar como parceiro do InterPares, juntamente com outros países da América Latina. A parceria com as quatro instituições brasileiras que desenvolverão os primeiros testes corresponde à terceira fase do projeto. Nas duas primeiras, o InterPares desenvolveu um corpo de conceitos, princípios e métodos que se constitui em uma estrutura básica para qualquer solução de preservação digital.
O InterPares 1, realizado entre 1999 e 2001, abordou a preservação da autenticidade dos documentos de arquivo criados ou mantidos em bases de dados e sistemas de gestão de documentos, no curso das atividades das organizações. O projeto produziu diversos resultados como requisitos conceituais para autenticidade, modelos de processos de seleção e preservação de documentos arquivísticos digitais autênticos, um glossário, um sítio na Internet e principalmente uma publicação intitulada The long term preservation of authentic electronic records: findings of InterPares Project.
O InterPares 2, realizado no período de 2002 a setembro de 2006, se voltou para os documentos gerados no contexto de atividades artísticas, científicas e governamentais em sistemas experimentais, interativos e dinâmicos. O projeto também apresentou diversos produtos tais como uma base de dados de terminologia, modelos conceituais de preservação, registro e análises de diversos esquemas de metadados, diretrizes para produção, manutenção e preservação de documentos digitais autênticos e um conjunto de estratégias para guiar políticas e estratégias de preservação de documentos digitais de longo prazo.
“Nessa terceira fase, queremos traduzir o corpo teórico e metodológico de preservação digital produzido nas duas primeiras fases em planos concretos de ação para conjuntos documentais mantidos por arquivos públicos e privados”, diz Claudia. Segundo ela, dois fatores pesaram na hora de escolher a Unicamp como uma das participantes: o fato de a universidade ter criado já em 2003 o Grupo de Trabalho de Documentos Eletrônicos (GDAE) e a participação na Câmara Brasileira de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivos, que tem produzido resoluções importantes sobre a preservação de documentos digitais.
Presidido pelo professor Pedro Paulo Abreu Funari, o GDAE apresentou este ano o seu relatório final para a proposta de uma política de gestão e preservação de documentos digitais na Universidade. Segundo a diretora do Siarq e coordenadora técnica do GDAE, Neire do Rossio Martins, a iniciativa indica que a Unicamp vem se antecipando às demais instituições acadêmicas brasileiras no que diz respeito à preservação arquivística. “Isso confirma o interesse em implementar políticas, procedimentos e infra-estrutura para preservação de seus documentos digitais”.
A Unicamp dispõe de estrutura jurídico-administrativa e política definida para seus documentos arquivísticos desde 1989, tendo como órgão coordenador o Arquivo Central. A estrutura do Siarq compreende dois órgãos colegiados: Conselho Consultivo e Comissão Central de Avaliação de Documentos, além da Rede de Arquivos que é integrada pelo Arquivo Central, Comissões Setoriais de Arquivo, Arquivos Setoriais e Arquivos de Gestão ou Correntes.
O principal e mais importante sistema de gestão em funcionamento é o Sistema de Protocolo e Arquivo. Trata-se de um recurso implantado em 1994, para gerir processos e expedientes e hoje integra 139 protocolos e 50 arquivos em toda a universidade sob a coordenação integral do Siarq desde o final de 2004. Por ser pioneiro, acumula larga experiência em gestão arquivística integrada (da produção, tramitação, arquivamento, avaliação, gerenciamento de depósitos) e compartilhada entre todas as unidades. É referência nacional para desenvolvimento de sistemas eletrônicos de gestão arquivística.
Outro sistema de gestão é o PesquisarQH, desenvolvido pelo CCUEC, Siarq e Arquivo Edgard Leuenroth para fazer a gestão de documentos que estão na fase permanente e que são utilizados para a pesquisa científica. Em funcionamento desde 2005, é aberto para o uso de todos os centros de documentação da universidade.
Compartilhamentos Algumas unidades e órgãos dispõem de sistemas eletrônicos locais de gestão de documentos arquivísticos, referenciais e de texto completo digital, que atendem os serviços de recebimento e encaminhamento das expedições de documentos. O Sistema Biblioteca Digital, por exemplo, mantém no formato digital as teses, dissertações e artigos científicos produzidos pela Universidade. Usa como base um software livre criado no CCUEC e customizado por equipe da Biblioteca Central. A base de dados Acervus também mantém informações referenciais de documentos científicos produzidos pela Unicamp.
Segundo o relatório, o ideal é que os sistemas que tratam de documentos arquivísticos implantados nas unidades e órgãos sejam absorvidos ou integrados a um Sistema de Gestão Arquivística de Documentos (SIGAD/Unicamp), para que haja compartilhamento de operações arquivísticas, informações e documentos, além do uso de repositórios (arquivos) planejados para garantir a confiabilidade e a autenticidade dos documentos produzidos na Universidade.
“Além disso é importante que os sistemas de informação corporativos tais como o acadêmico, o SIPEX, e o administrativo possam também operar com o SIGAD/Unicamp para o gerenciamento e a preservação dos documentos digitais produzidos ou capturados em seus ambientes por exigência dos processos de trabalho que sustentam”, assinala Neire.
Segundo ela, é necessária a elaboração de planejamento integrado de tecnologia de informação e comunicação e da gestão de documentos e arquivos, onde se considerem as práticas da gestão arquivística como base para o gerenciamento seguro. “O documento arquivístico digital deve ser considerado como qualquer documento arquivístico, que é a informação produzida e recebida pela instituição em decorrência do cumprimento de suas funções, armazenadas por finalidades legais e informativas”, diz. O que muda, diz a diretora do Siarq, é o suporte e a forma de processamento.