A economia do Estado de São Paulo continua poderosa e longe de perder a hegemonia no cenário nacional, mas seu perfil já não é o mesmo. O mais atualizado estudo sobre a economia paulista, fruto de pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (Cede) do Instituto de Economia da Unicamp, mostra as principais transformações econômicas, demográficas e sociais ocorridas na principal unidade da federação nos anos recentes.
Os dados estão reunidos e sistematizados no livro Economia paulista Dinâmica socioeconômica entre 1980 e 2005 (Editora Alínea), que representa a continuidade de dois trabalhos anteriores, igualmente baseados em pesquisas do Cede e editados pela Fundação Seade: Interiorização do desenvolvimento da economia paulista, abordando o período de 1920 a 1970, e São Paulo no limiar do século XXI, que vai de 1970 a 1980.
“Chegamos, assim, a uma trilogia que fecha quase 100 anos de história econômica do Estado de São Paulo”, afirma o professor Wilson Cano, que coordenou as pesquisas e é um dos autores e organizadores do livro que já vem servindo de referência para o próprio governo estadual na sua programação orçamentária.
Economia paulista traz conteúdo suficientemente denso para torná-lo fonte obrigatória não apenas de economistas, mas de pesquisadores de diversas áreas. “O livro atualiza dados e análises sobre demografia, urbanização, setores produtivos, renda e indicadores sociais, finanças públicas municipais e estaduais, infra-estrutura e privatização, e também das instituições, políticas e investimentos em ciência e tecnologia”, informa o professor.
Wilson Cano é autor do primeiro capítulo, onde parte das transformações macroeconômicas no Brasil para explicar fenômenos como o esvaziamento da indústria de transformação na Região Metropolitana de São Paulo, com a transferência de parcela dela para o interior paulista e outros estados; a urbanização nas cidades interioranas, mas também reproduzindo nelas os seus flagelos; e as mudanças de rota da agropecuária paulista, tanto na geografia como nas atividades.
O pesquisador do Cede lembra que, mesmo que o país tenha crescido a taxas medíocres, surgiram alternativas de crescimento fora do estado de São Paulo. Como exemplos, ele cita o avanço da fronteira agrícola e de mineração para outras regiões, e o acirramento da guerra fiscal praticada por outros estados para atrair investimentos, provocando a evasão de várias indústrias.
“A indústria de transformação do Estado de São Paulo foi a mais prejudicada pelas mudanças econômicas no país, tendo levado duas ‘pancadas’. A primeira com a crise e estagnação nos anos 80 e a segunda, na década seguinte, com as políticas como a abertura de mercado e a política econômica neoliberal”, observa o professor.
Segundo Wilson Cano, este processo de desindustrialização impactou fortemente a Região Metropolitana de São Paulo, que perdeu principalmente indústrias leves, químicas e metalúrgicas. Sua participação na indústria brasileira caiu sucessivamente de 43,5% em 1970 para 17% em 2003. “De qualquer forma, a região ainda concentra a grande parte das atividades de pesquisa e de produção com maior de intensidade tecnológica, como de informática e de eletrônica”.
Um fato inegável, ressaltado pelo pesquisador, é que a megalópole passou por profunda transformação, consolidando-se como região metropolitana de caráter internacional. “Nela encontramos serviços tão qualificados e sofisticados como em qualquer outra parte do mundo, como os de comércio, saúde, educação e cultura. Além disso, tornou-se a praça financeira nacional”.
Interior paulista As pesquisas indicam, por outro lado, que o interior do estado aumentou sua presença na produção industrial do Brasil de 14,7% em 1970 para 26,2% em 2004. “Naturalmente, isto se deu não só à custa de alguns pontos perdidos pela Grande São Paulo, mas principalmente pelo extraordinário desenvolvimento por que passou o seu agro, sua agroindústria, sua excepcional infra-estrutura técnica e social e sua diversificada indústria”.
A conseqüência, diz Cano, foi uma urbanização nas médias e maiores cidades do interior também maior do que em outras partes do país, e também da produção de serviços. No entanto, juntamente com as indústrias atraídas pelos incentivos das prefeituras, vieram as migrações.
“Se a empresa prometia mil empregos, muito mais gente corria à cidade esperançosa por uma vaga. Campinas, que na década de 60 era o primeiro município do país em qualidade de vida, hoje tem 17% da população em favelas. O saneamento é precário e a violência iguala-se à da periferia de São Paulo”, compara.
Ademais, as migrações de outros estados não arrefeceram, ao contrário, cresceram bastante a partir dos anos 90, embora deixassem de se concentrar na Região Metropolitana de São Paulo como ocorria até o início dos 80. Mesmo porque a metrópole mais desenvolvida e rica do Brasil já soma 7 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, entre seus 18 milhões de habitantes.
Wilson Cano atenta ainda para uma mudança de caráter nas migrações. “Antes, o imigrante vinha por uma melhor esperança de vida. Agora, ele vem à procura de um local de sobrevivência. Mostra cabal da mediocridade do crescimento de nosso economia é o fato de que, na economia urbana brasileira e paulista, o emprego que mais cresceu foi o de empregadas domésticas, ambulantes e outros trabalhos precarizados”.
A agropecuária No setor agropecuário, o livro do Cede destaca a enorme introjeção tecnológica dos últimos anos, com intensificação de mecanização, maior uso de produtos químicos, aprimoramento de cultivares e adensamento de plantio. Se tudo isso contribuiu para um forte aumento na produção, também provocou expressiva redução do emprego, o que contribuiu para a deterioração das condições de vida e de trabalho nos centros urbanizados.
O estudo mostra como culturas e criações vêm se movendo de uma região para outra do estado e já acusa, por exemplo, o crescimento vertiginoso da cana-de-açúcar diante da expectativa de disseminação do etanol pelo mundo. “Se achávamos que já havia um mar de cana, esse mar aumentou e vai aumentar muito mais, vai virar oceano”.
Questionado se existem terras para mais cana, o professor responde com a evolução em outra atividade do setor, lembrando que São Paulo praticamente liquidou com as pastagens naturais, que resistem apenas no Vale do Paraíba, a pior região agrícola do Estado. “Nas pastagens cultivadas são utilizadas braquiárias e outras espécies de capim, que exigem área bem menor por cabeça de boi”.
Outro aspecto destacado por Cano é que São Paulo, possuindo a agroindústria mais avançada do país, especializou-se nas etapas terminais da pecuária bovina, deixando para outros estados a responsabilidade pela cria, engorda e recria do gado. “O boi chega apenas para a engorda final, antes do abate e da industrialização. Dessa forma, liberaram-se muitas terras que foram tomadas principalmente pela cana”.
Na opinião do pesquisador, a cana continuará concentrada em São Paulo, que desde a década de 1950 é o maior produtor de açúcar e de álcool, porque a fronteira não pode ser estendida para muito longe. “A usina precisa estar no local de plantio, já que não se transporta a cana cortada por longas distâncias. E também porque o principal porto exportador é o de Santos e o maior mercado consumidor está aqui, não valendo a pena encarecer o transporte”.
O paradoxo e a C&T Em relação ao que vem pela frente, o professor Wilson Cano enxerga um cenário difuso, devido a um grande paradoxo vivido pelo país e simbolizado justamente pelo Estado de São Paulo. “Todas as nações do primeiro mundo se preocuparam com a agricultura, mas desenvolveram muito mais a indústria e os serviços modernos. Os Estados Unidos ostentam a maior agricultura do mundo, mas que pesa pouco mais de 3% em seu PIB. Isso mostra o gigantismo da economia não-agrícola dos americanos”.
O paradoxo, prossegue o pesquisador, é que o Brasil parece apostar na agropecuária (e na mineração), enquanto a taxa de crescimento da indústria mantém-se irrisória. “É este o processo modernamente batizado de desindustrialização, sendo que São Paulo tem sido a maior vítima desta crise que já dura 27 anos. É aqui que existem mais indústrias a serem destruídas”.
Nesse sentido, o último capítulo do livro enaltece o esforço do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia (SPECT), que coloca São Paulo em condições relativamente privilegiadas no caso da retomada dos investimentos produtivos no país. Do sistema fazem parte 20 institutos de pesquisa, 7 instituições de ensino superior e uma agência de fomento. “Da mesma forma que é o centro nervoso da economia nacional, o Estado de São Paulo tem dado a devida importância ao setor de C&T”.
Wilson Cano recorda que Campinas tornou-se pólo de atração de investimentos de maior conteúdo tecnológico e inovador, a partir da Unicamp e de instituições que já estavam instaladas na cidade, como o Instituto Agronômico. Ao redor da Universidade instalaram-se posteriormente instituições federais importantes, como a Embrapa possui uma sede dentro do próprio campus.
Também vieram outras instituições de renome nas áreas de informática e telecomunicações, entre outras. “Zeferino Vaz [fundador da Unicamp] ainda não teve um reconhecimento, pela cidade, à altura dos seus feitos por Campinas e a região”.
Sobre o livro A própria viabilização do livro Economia paulista serve de exemplo para as dificuldades impostas pelo neoliberalismo ao desenvolvimento nacional. “Não é possível produzir um livro deste porte sem recursos para contratar bons economistas e demógrafos”, observa o pesquisador.
Providencialmente, Wilson Cano foi convidado a ajudar na elaboração de um diagnóstico da economia paulista que serviria de base para o programa de um candidato a governador do Estado, então presidente do Instituto São Paulo de Pesquisas Públicas. “A verba desta ONG financiou parcialmente este livro, sendo que a Fapesp cobriu boa parte de sua edição. O jeito é aproveitar tais oportunidades, pois a partir dos anos 90 os financiamentos de pesquisas econômicas e sociais encolheram brutalmente”.
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