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O estereótipo que se tem dos japoneses e descendentes sugere inicialmente que entrevistar uma professora de língua japonesa não seja tarefa fácil. A expectativa é de uma pessoa reservada, com um português claudicante, respostas econômicas e até monossilábicas. Essa impressão se desfaz quando se chega à sala da professora Fumiko Takasu, no Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp que oferece cursos de japonês, inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, russo, hebraico e português para estrangeiros. O jeito expansivo e loquaz leva colegas a considerá-la “falsificada na origem”, diz rindo.
Filha de camponeses japoneses radicados em Pereira Barreto, interior de São Paulo, onde nasceu, Fumiko passou boa parte da infância ouvindo e falando japonês em casa e o português simplório dos homens do campo. Acabou se formando em letras. Mas confessa que o caminho não foi fácil. Dedicou-se ao ensino do japonês e está completando vinte anos de CEL. Próxima da aposentadoria, pretende usufruí-la para dedicar-se à cerâmica, aperfeiçoar o conhecimento de japonês e de inglês e viajar na baixa temporada, diz com humor.
Ao falar da expectativa da deixar o CEL Fumiko tem as palavras embargadas pela emoção: “Vou chorar muito, porque considero uma dádiva me situar naquela pequena faixa de pessoas que gostam do que fazem. Realizo com muito entusiasmo meu trabalho. Além de tudo, tenho alunos excelentes e dedicados, que encaram com disciplina oriental as tarefas impostas pelo curso”. Essas constatações são tão mais significativas quando se sabe que cerca de 40% dos alunos não têm ascendência japonesa, e que grande parte dos que a tem estão abrasileirados e muito distantes das tradições culturais dos ancestrais.
A professora conta que a disciplina Língua Japonesa na Unicamp começou a ser ministrada em 1985 pela professa Elza Taeko Doi, docente do Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Ao chegar ao CEL, em 1989, Fumiko começou com duas turmas, que no segundo semestre já eram quatro, totalizando cerca de 60 alunos.
No mesmo ano ficou sabendo da possibilidade de doação de um laboratório de línguas por parte do governo japonês para instituições que mantivessem o ensino da língua. Interessou-se pelo laboratório “desde que pudesse ser utilizado para todas as línguas aqui ensinadas e não apenas para o ensino de japonês”. Em contrapartida, a Unicamp oferecia um prédio para instalação adequada do laboratório e a contratação de mais duas professoras em períodos parciais. “Com essa medida montava-se uma equipe, fundamental para o ensino de língua, pois a troca de idéias estimula e facilita a estruturação dos cursos e a elaboração de conteúdos. Até então o CEL contava somente comigo e com a professora Elza, do IEL”.
O processo de doação durou cinco anos e meio. Vencidos os entraves burocráticos, o laboratório foi enfim instalado, em 1995, o que, conjuntamente com a contratação de mais duas professoras, permitiu elevar a média de alunos de 60 para 90/100 e possibilitou atender a grande demanda devido ao boom dekassegui. Passado esse boom, a procura se estabilizou, embora atualmente tenha ocorrido progressivo aumento de candidatos, o que levou a equipe a decidir que as turmas passariam a ter uma média de 20 alunos e não 15 como até então. A professora esclarece que “atualmente são atendidos cerca de 120 alunos apenas por duas professoras, eu e a Maria Emiko Suzuki”.
O curso O curso de japonês oferecido pelo CEL se desenvolve em seis níveis durante três anos. Os níveis I, III e V são oferecidos no primeiro semestre e os demais no segundo. O processo de inscrição para o Teste de Classificação se dá em maio e outubro.
A professora Fumiko informa que no nível I cerca de 40% dos alunos não têm ascendência japonesa e os interessados são oriundos principalmente das áreas de exatas engenharias e cursos de computação e de biológicas. Poucos alunos vêm da área de humanas, diferentemente dos demais cursos oferecidos pelo CEL. Outro diferencial é a predominância do público masculino. Normalmente os cursos de línguas em geral se caracterizam por ter mais mulheres, embora a professora constate que este ano a porcentagem delas tenha aumentado, passando de aproximadamente 20% para 35%.
Fumiko credita a origem dos alunos ao fato de o Japão situar-se entre as nações de ponta no desenvolvimento científico e tecnológico. Ela afirma ainda que os descendentes se dizem interessados no país motivados por turismo ou trabalho e se interessam mais pela conversação. Há um público atraído pela língua por influência dos desenhos animados e dos mangás (quadrinhos japoneses) e que demonstra maior preocupação pela leitura e escrita. Mas há os que simplesmente querem conhecer uma língua completamente diferente.
Há dez anos, diz ela, os descendentes queriam aprender a língua dos seus ancestrais, resgatar a cultura e até entender os mais velhos muitos mostravam um certo conhecimento da língua. Hoje as novas gerações estão muito distantes dessas preocupações e a maioria não tem noção nenhuma do japonês, o que coloca, na mesma situação de aprendizado, descendentes e não descendentes.
Sobre sua relação com o curso e o espírito que o permeia, Fumiko afirma: “Sempre digo que sou uma pessoa muito feliz por dar aulas de japonês, primeiro porque gosto de ser professora, segundo porque aqui na Unicamp tanto os alunos descendentes quanto os não descendentes são excelentes. E diferentemente do que ocorre em outros cursos em que nem sempre os alunos fazem a tarefa de casa, nossos alunos são dedicados, embora eu brinque dizendo que eles estão se abrasileirando, embora ainda adotem um espírito mais oriental e se mostrem mais disciplinados. Isso é muito curioso. Acredito que o aluno que procura o curso já chega com esse espírito que revela uma certa disciplina oriental”.
A professora lamenta apenas que, com sua participação na comissão que organiza os eventos na Unicamp comemorativos dos cem anos da imigração japonesa no Brasil tenha se afastado temporariamente do Projeto Raio de Sol, de extensão universitária, e também de uma das disciplinas que envolve atividades multidisciplinares (AM). Ela coordena o projeto, desenvolvido no bairro Jardim Fernanda, na divisa de Campinas com Indaiatuba, há sete anos. Ela constata com emoção que sua atuação como professora de japonês e o trabalho com crianças carentes a fizeram crescer como ser humano e que, com os alunos, tem mais aprendido do que ensinado.
Linguagem escrita usa dois silabários
O idioma japonês utiliza três tipos de escrita: dois silabares e o ideograma (kanji). Na escrita corrente usa-se um dos silabares, que se chama hiragana, para fazer a conexão entre os ideogramas que exprimem as idéias. O outro silabário, que se chama takatana, é usado para escrever palavras de origem estrangeira. Na linguagem escrita são utilizados os dois silabários e os ideogramas. A professora diz que o aprendizado dos silabários é relativamente simples como, entusiasmada, fez ver ao repórter, ensinado-o a escrever em minutos seu nome em takatana, utilizando três pranchas de papelão. A questão se complica quando entram os ideogramas. Os japoneses, cientes dessa dificuldade mesmo no Japão, estabeleceram que nas publicações correntes devem ser utilizados cerca de dois mil ideogramas e suas combinações. Nos três anos do curso o aluno tem contato com cerca de 250 ideogramas, o que Fumiko considera apenas como noções básicas do que seja o ideograma.
A professora explica que o aprendizado do japonês tem uma dificuldade em relação a outros idiomas que é o tempo gasto na aprendizagem dos ideogramas. Os alunos são introduzidos aos ideogramas na aula, mas decorá-los exige um tempo adicional fora dela e por isso precisam ser muito disciplinados e metódicos.
Ela brinca com os seus alunos dizendo que a língua japonesa é difícil porque envolve o aprendizado de pelo menos três línguas ao mesmo tempo: a escrita chinesa, origem dos ideogramas, vocabulários de origem estrangeira, que é escrito em um dos silabários, e a própria língua japonesa, estruturada com base em tudo isso.
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Eventos do Centenário da Imigração Japonesa
A professora Fumiko Takasu lembra que as comemorações na Unicamp do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil tiveram início em maio com a palestra do consultor e empresário Shigeaki Ueki, ex-ministro das Minas e Energia. Continuam em agosto e se estendem até novembro. A programação de agosto previa, a princípio, uma exposição de alunos do curso de japonês que mostrariam trabalhos e uma apresentação de um grupo de músicos japoneses que utilizam instrumentos tradicionais, desejo de longa data acalentado pela professora.
Mas as sugestões e participações se ampliaram de tal forma que a proposta inicial evoluiu para um conjunto de eventos que levaram a comissão da área de humanas a organizar mais dois eventos em setembro. Encabeçam essa comissão ela e o professor Esdras Rodrigues, do Instituto de Artes (IA), que contam com a colaboração mais direta da professora Emiko Suzuki do CEL e da funcionária do IA Maria Aparecida Godoy. Ela se confessa emocionada quando constata que dos quase cem alunos mais diretamente envolvidos nos eventos a grande participação não é de descendentes.
A primeira parte dos eventos se estenderá por duas semanas, de 04/08 a 14/08, de segunda e sexta-feira, e será aberta com o concerto “Sons do Japão: do tradicional ao moderno”, no Centro de Convivência. Serão utilizados instrumentos tradicionais do Japão, sob a direção da concertista Masako Kawamura, professora universitária e do famoso Sawai Sokyoku, escola de formação de músicos de koto e shamisenem em Tokyo. Além de outros especialistas em koto, estarão se apresentando, também, Shizuko Kineya (shamisen) e Kuniyoshi Sugawara (shakuhachi).
Da programação musical consta o workshop “Sons do Japão: do tradicional ao moderno”, direcionado para alunos da Unicamp, que terá explanação teórica e demonstração sobre a teoria musical japonesa, técnica de execução dos instrumentos, histórico musical e breve apresentação coordenada pela professora Masako Kawamura.
Está programada também a apresentação de uma banda de música pop japonesa, formada especialmente para o encontro, composta por alunos do curso de japonês do CEL e amigos, com repertório composto exclusivamente por músicas japonesas, incluindo temas famosos de animes, tokusatsus e j-pop.
Um ciclo do cinema japonês terá três sessões diárias como objetivo de apresentar um panorama do cinema japonês contemporâneo. Uma mesa redonda debaterá seus principais questionamentos.
Durante todo o período uma exposição de mangá, anime, origami, animação, ilustração e posters, envolverá especialmente alunos de japonês da Unicamp. Uma oficina de origami oferecerá oportunidade de contato com esse aspecto da cultura japonesa. Serão realizadas ainda oficinas de cerâmica e de mangá.
Em uma demonstração de karatê haverá breve introdução dessa arte marcial, seu surgimento e sua filosofia. Componentes da Academia Campineira de Karate vinculados à Unicamp demonstrarão algumas técnicas de treinamentos e aplicações em lutas corporais. Do kendo, além de breve história de sua evolução, haverá demonstração de golpes básicos, técnicas diferenciadas, luta e IADO.
Completam esta fase um espetáculo de dança tradicional de Okinawa e um sarau literário português, japonês, francês, no ano em que se comemora também a Francofonia no Brasil, com a participação do performista japonês Oriza Hirata, professor da Universidade de Osaka, que focalizará diferenças culturais entre oriente e ocidente em relação à morte.
A segunda parte do evento constará de uma exposição de artes visuais, de 02 a 11 de setembro, com o objetivo de divulgar a produção de artistas contemporâneos nipo-brasileiros. Os eventos se encerram no dia 19/08 com a apresentação do coral da Universidade de Waseda.
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