De acordo com o professor Flávio, a tecnologia nasceu da necessidade de agregar novos e melhores instrumentos à pesquisa realizada no Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW, mais especificamente pelo Grupo de Lasers e Aplicações, do qual ele faz parte. “Essa necessidade vem do fato de os equipamentos serem muito caros, não estarem disponíveis no mercado ou necessitarem de características especiais”, explica. No caso da patente em questão, a inovação proposta pelo docente está relacionada com um sistema classificado de laser de estado sólido, que emprega um cristal de safira dopado com titânio [o primeiro laser demonstrado em 1960 também era baseado em safira, porém dopada com cromo: o cristal de rubi].
Também chamado de laser de titânio-safira (Ti:safira), o equipamento tanto pode gerar um feixe contínuo de luz quanto pulsos ultra-rápidos. O protótipo desenvolvido pelo professor Flávio está mais diretamente ligado ao laser contínuo, que pode ter entre suas propriedades o fato de ser bastante monocromático. Para que o sistema apresente essa característica, ele conta com um material que emite a luz e com um jogo de espelhos responsável pela amplificação dessa mesma luz. O conjunto compõe o que os especialistas denominam de cavidade ótica em anel. Foi justamente nessa área que o pesquisador promoveu uma intervenção.
Na cavidade em anel, esclarece o docente, a luz não cumpre uma trajetória de vaivém, mas sim um movimento circular. “Quando se tem essa configuração, a luz pode se propagar em dois sentidos opostos (horário e anti-horário), o que faz com que o laser saia em duas direções, geralmente com um comportamento instável. Para suprimir a oscilação numa das direções, a solução consagrada é usar dentro do laser um ‘diodo ótico’, que nada mais é do que um arranjo que distingue as duas direções e suprime uma delas. O que nós fizemos foi mudar esta solução”, acrescenta. Dito de maneira simplificada, o que o professor Flávio fez foi retirar o diodo ótico do sistema e colocar um prisma no lugar de um dos espelhos do laser. “Com isso nós ganhamos em eficiência e potência. Ao mesmo tempo, conseguimos reduzir muito as dimensões e também o custo, que passa a ser bem inferior ao dos produtos vendidos comercialmente”, assegura o docente do IFGW.
Apresentada nesses termos, a invenção parece ter surgido de forma trivial. Nada disso. Até chegar ao modelo final, o pesquisador teve que quebrar a cabeça. Antes de recorrer ao prisma, o docente da Unicamp tentou diversas soluções, incluindo espelhos especiais cuja reflexão dependesse do ângulo. Nenhuma delas, entretanto, era tecnicamente viável ou produzia o efeito desejado, qual seja, distinguir os dois feixes de luz contrapropagantes na cavidade em anel, de modo que um fosse totalmente transmitido e outro totalmente refletido. O “pulo do gato” foi desenhar um prisma cujas faces formassem espelhos dispostos para criar um ângulo que levasse ao resultado desejado. “A motivação inicial não era o prisma, mas foi ele que resolveu o problema. Da maneira como o desenvolvemos, os feixes entram no prisma em ângulos diferentes, mas bem próximos. O que foi explorado é uma pequena diferença de ângulo que ocorre entre a transmissão total e a reflexão total da luz, como acontece quando a luz sai da água para o ar. Com o prisma é a mesma coisa. Essa diferença é que faz com que um dos feixes possa ser totalmente refletido para o interior do laser, suprimindo a oscilação nesta direção, e o outro seja totalmente transmitido, formando o feixe de saída do laser. Trata-se de um fenômeno conhecido em óptica, mas que ainda não havia sido aplicado nesse tipo de tecnologia”.
Sem o diodo ótico, prossegue o pesquisador, pode-se utilizar ainda uma grade de difração no lugar de outro espelho do laser, forçando-o a ser muito monocromático. Como não há qualquer componente ótico no interior do laser, ele pode ser extremamente compacto e, portanto, apresentar maior estabilidade mecânica. Isso, por sua vez, se traduz em maior estabilidade no comprimento de onda (cor). Some-se a essas vantagens o fato de a nova tecnologia também prescindir, ao contrário dos modelos convencionais, de dispositivos eletrônicos auxiliares que controlem eventuais vibrações e variações de temperatura. “Ao utilizarmos materiais com baixo coeficiente de dilatação térmica e que apresentam boas propriedades mecânicas, o sistema fica menos suscetível a essas interferências. Além disso, ele pode ser montado numa única peça que sirva de suporte para todos os componentes do laser”, detalha o docente do IFGW.
Na opinião do pesquisador, a tecnologia está pronta para ser aplicada em escala industrial. Segundo ele, faltam definir apenas aspectos que otimizem a etapa de produção e detalhes como o design final do equipamento. “Os demais pontos estão completamente equacionados”, analisa. O professor Flávio destaca que o pedido de registro da patente do invento foi efetuado por meio da Agência de Inovação Inova Unicamp. A medida, informa o docente, não protege apenas a solução encontrada, mas todas as possíveis configurações em que ela possa ser empregada. Ele considera ter sido um exercício “muito interessante” redigir o texto da patente, que tem características diversas das publicações científicas.
“Nós fizemos um depósito no Brasil e no prazo de um ano devemos fazer o registro definitivo em países que tenham os maiores mercados para esta tecnologia, como Estados Unidos e nações da Europa e Ásia. Em nossa opinião, o invento deve gerar grande interesse, em razão das vantagens que oferece e por aplicar-se a outros tipos de laser e não apenas ao titânio-safira. Apenas para dar uma idéia, sistemas convencionais de laser, contínuos de titânio-safira custam entre US$ 50 mil e US$ 100 mil. O nosso poderá ser vendido por algo em torno de US$ 30 mil”, compara o cientista, que contou, durante o desenvolvimento da pesquisa, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).