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1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Qual o sentido das atividades relacionadas aos 500 anos de presença européia no Brasil? Quais as marcas deixadas ao longo da história na visão dominante sobre a nação brasileira? A chegada da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral, a 22 de abril de 1500, foi enfim um descobrimento ou um encontro de raças e culturas, como oficialmente o episódio é celebrado hoje? A lembrança desses cinco séculos, afinal, é motivo de comemoração ou de séria reflexão sobre a trajetória do Brasil, como base para um real projeto de arquitetura de um País digno e justo? Estas foram algumas das indagações que o Ciclo de Palestras Brasil 500: Imagens e Invenções procurou responder ou, melhor ainda, formular em novas perspectivas. Promovido pela Comissão Unicamp Brasil 500 Anos e pelo Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o Ciclo reuniu especialistas da própria Universidade e de outras instituições, com trabalhos importantes para permitir um painel pluridisciplinar sobre o que tem significado o processo de construção do Brasil. O Ciclo foi desenvolvido nos dias 14 e 15 de abril, no auditório da sede do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), na avenida Barão de Itapura, próximo ao centro da cidade. Como notou na abertura do encontro o diretor do IFCH e coordenador do Ciclo, Paulo Miceli, no propósito em realizar o evento na região central, fora da Universidade, era exatamente o de propiciar um maior contato da população com as múltiplas discussões que o elenco de ações relacionadas aos 500 anos de Brasil provocou na comunidade acadêmica em geral e na Unicamp em particular. Um olhar diferenciado sobre a comemoração oficial dos 500 anos do chamado Descobrimento do Brasil foi o centro da palestra de Janice Theodoro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O núcleo da conferência "Sentido dos Descobrimentos" foi a reflexão sobre o dilema provocado pelas atitudes opostas que se pode ter em relação aos 500 anos de presença européia no Brasil. De um lado, celebrar o chamado Descobrimento seria, na sua opinião, louvar o genocídio contra os povos indígenas e os negros. De outro, simplesmente negar a importância do evento seria negar a própria existência de um povo brasileiro. Janice destacou, em contrapartida, que comemorar, etimologicamente, significa lembrar junto ("co-memorare") e, sob este prisma, seria fundamental lembrar para entender o que de fato tem acontecido com o Brasil e com a sua gente nestes 500 anos. Na sua opinião, uma chave para se tentar equacionar o impasse motivado pelas múltiplas visões a respeito do chamado Descobrimento é estabelecer novos critérios para se avaliar quais foram os efeitos dos contatos recíprocos, em grande parte dolorosos, entre as culturas de brancos, índios e negros ao longo dos últimos séculos no Brasil. A pergunta central para Janice Theodoro é se uma cultura pode ser avaliada por uma percepção meramente econômica ou pelo que ela representa de "acervo cognitivo". Se o critério for o econômico, ressalta a professora da USP, seriam considerados indicadores como renda per capita na avaliação do acervo de uma determinada cultura. Por outra parte, se o critério for o da verificação das formas institucionais de organização da sociedade relacionada a essa cultura, o resultado da avaliação pode ser outro. Tomado o critério de "acervo cognitivo", a palestrante considera que as sociedades pré-colombianas, no México ou no Brasil, resolveram problemas fundamentais que a sociedade moderna, branca e ocidental, ainda não equacionou. Aquelas sociedades, ressaltou, estabeleceram padrões de relacionamento entre os homens e entre eles e o meio ambiente muito interessantes. Um ingrediente que Janice considera muito importante para a análise do acervo cultural de uma sociedade diz respeito a como ela resolve por exemplo o problema do abastecimento. Ela observa que, no Vale do México, no momento das grandes celebrações rituais, as cidades recebiam milhares de pessoas e não havia falta de comida. Os conflitos eram muito baixos. Da mesma forma, nota que em Canudos os seguidores de Antônio Conselheiro, considerado um monstro pela elite brasileira da época, resolveram igualmente o problema da alimentação de modo mais ou menos adequado. Pelo prisma da avaliação do acervo cognitivo, Janice Theodoro acredita que é possível reafirmar o orgulho de se carregar um determinado patrimônio cultural. No caso brasileiro, a consideração do acervo cognitivo leva à afirmação da beleza da diversidade cultural típica do País. A pesquisadora entende que, no atual cenário da globalização, a questão cultural tem-se tornado cada vez mais importante para os povos, na medida em que a falência dos Estados nacionais reforça a reflexão sobre o sentido das identidades. É por este motivo que entende que a rebelião em Chiapas, no México, desperta tanta curiosidade, pois o que está em jogo é a nova forma de relação de poder e construção da cidadania, aspectos ligados ao acervo cognitivo de uma sociedade. Vale lembrar, observou, que o líder mais conhecido de Chiapas é o Sub-comandante, e não Comandante, Marcos, o que já indica uma subversão da visão do poder político. Por não considerar o aspecto cultural, do acervo cognitivo, do contato entre brancos, negros e índios, é que o elenco de ações oficiais relacionadas aos 500 anos do Brasil despertou tão pouca atenção, acredita Janice Theodoro. O momento de falência dos Estados nacionais, acrescenta ela, não favorece esse tipo de evento, que parece pertencer muito mais ao narciso do etnocentrismo europeu. Estereótipos e preconceito Um dos efeitos do etnocentrismo europeu na colonização do Brasil foi a fabricação do estereótipo de exotismo em relação ao País e ao seu povo. Esse estereótipo, fonte de tantos pré-conceitos, continua sendo perpetuado pela maior parte dos meios de comunicação internacionais, e mesmo brasileiros, e tem sido historicamente manipulado como forma de ocultar o caráter essencialmente perverso do processo de colonização e que ainda deixa marcas profundas na forma injusta de estruturação da sociedade brasileira. Este foi o tom de duas outras palestras do Ciclo Brasil 500: Imagens e Invenções. O título da palestra de Paulo Miceli, "Imagens do Cobrimento do Brasil", já aponta o sentido de mascaramento da realidade possibilitado pelo estereótipo do exotismo. Essa realidade maquiada, edulcorada, passou a ser construída, em sua opinião, no momento em que os portugueses se aventuraram pelos mares desconhecidos no século 15. Na época, lembrou Miceli, o planeta era constituído por mundos que se ignoravam. O desconhecimento sobre os outros mundos era fonte das mais diversas lendas e visões delirantes a respeito do que era diferente e novo. O que os navegadores enfrentavam, acima de tudo, eram o desconhecimento geográfico e os seus próprios temores, fruto da ignorância. Os primeiros documentos a respeito da nova colônia portuguesa confirmam a percepção de exotismo sobre as novas terras e o seu povo. O famoso e belo Mapa de Cantino, de 1502, por exemplo, inclui três araras vermelhas na altura da região Nordeste, além de detalhes da flora brasileira e de uma longa descrição do "achamento" das novas terras, acontecido dois anos antes. Não por acaso, durante muito tempo o Brasil também foi conhecido na Europa como a Terra dos Papagaios. A visão distorcida das novas terras e de sua gente duraria ainda muito tempo, em grande parte em função do caráter da colonização portuguesa, que se fixou basicamente na área do litoral e suas proximidades. O interior era a terra incógnita, dando margem a interpretações várias. O mapa de Diogo Homem, de 1558, faz referência aos antropófagos e "patagões" (homens com pés gigantes) no Sul do Brasil. Os interesses geopolíticos também influenciavam na confecção dos mapas, contribuindo para distorcer a imagem do Brasil. Um mapa de João Teixeira Albernaz, de 1666, mostra a região do rio da Prata, que na realidade pertenceria à Espanha, do lado português garantido pelo Tratado de Tordesilhas. O mesmo padrão de distorção da realidade aparece nos textos sobre o período colonial. No Gran Nouvel Atlas de La Mer, de 1680, de Johanes van Keulen, os brasileiros são descritos como pessoas "em sua maior parte cruéis, selvagens e devoradoras de homens", uma nítida contradição ao bom selvagem tão cultuado na Europa por intelectuais como Rousseau. Da mesma forma, ainda em 1764, no seu Petit Atlas Maritime, editado em Paris, Jacques Nicholas Bellin informa que "os brasileiros são cruéis, vingativos e muito cólericos, ousados até à temeridade. Os que habitam o interior do País são brutais, bravios e antropófagos, muitos deles são feiticeiros". Para Paulo Miceli, 500 anos ainda não foram suficientes para derrubar essa imagem de um País exótico, selvagem, com uma bela natureza, mas às vezes monstruoso, bem diferente da civilização européia. "São estereótipos que atravessam séculos, e que ainda permanecem", lamenta. O diretor do IFCH considera, então, um enorme desafio o real descobrimento do que é o Brasil, para combater o cobrimento que tem marcado os 500 anos de leitura de sua história. Uma demonstração cristalina de que como a visão distorcida do Brasil permanece foi apresentada no Ciclo por Regina Beatriz Guimarães Neto, professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em sua palestra "Em busca de fronteiras: imagens da conquista no movimento de territorialização da Amazônia". Ela mostrou alguns dos resultados de sua pesquisa no Norte do Mato Grosso, onde nos últimos anos aconteceu uma enorme proliferação de novos municípios, em uma das chamadas novas frentes de colonização. A professora da UFMT defendeu que os interesses das grandes empresas colonizadoras, em sua maioria de São Paulo, têm apresentado a região como a nova Terra Prometida, o paraíso selvagem que necessita de "civilização" para progredir. Isto pode ser verificado pelos nomes dos novos municípios, como Nova Canaã, Novo Horizonte, Alô Brasil, que refletem a visão paradisíaca propagandeada pelas colonizadoras. Entretanto, a fórmula de civilização defendida por essas empresas, lamenta Regina Beatriz, é a da substituição do verde das florestas pelo verde das grandes plantações, principalmente de soja. No lugar do Paraíso Perdido, o que os migrantes atraídos pela propaganda encontram nessas localidades é uma estrutura social das mais injustas, marcada por enormes índices de violência, em especial nas áreas de garimpo. A professora da UFMT assinala que essas novas fronteiras de colonização estão inseridas no contexto dos interesses geopolíticos construídos no regime militar de 1964 e 1984 e que ainda permanecem na Nova República. As comunidades indígenas, ainda expressivas na região, como no caso dos Cinta-Larga, estão sofrendo de maneira especial com a noção de "progresso" em curso nessas novas fronteiras. Entretanto, as cidades erguidas no meio da floresta também já sofrem impactos da degradação semelhantes aos das grandes áreas urbanas do Sudeste e Sul do Brasil. Muitas dessas localidades ficam cobertas, por exemplo, com a fumaça resultante da queima dos resíduos das grandes madeireiras que estão se instalando e agindo a todo vapor no Norte do Mato Grosso. Para Regina Beatriz, a modificação dessa noção distorcida de desenvolvimento depende de uma radical mudança de parâmetros da sociedade brasileira para ver a sua própria realidade. Fontes de pesquisa Documentos sobre a censura e a catequese são excelentes fontes de pesquisa para a redescoberta do Brasil. Mas também existem outros mananciais riquíssimos, que começam a ser melhor inventariados e analisados. São os casos das correspondências mantidas entre o Brasil e a Europa no período colonial, dos relatos dos viajantes e aventureiros estrangeiros de passagem pelo País e da própria literatura, uma fonte cada vez maior de idéias e de linhas de estudo para aqueles interessados em recontar a história do País. Amostras desse arsenal de novas fontes de pesquisa foram dadas nas outras três palestras do Ciclo Brasil 500: Imagens e Invenções. Uma visão singular da antropofagia no Brasil é o que permite, neste cenário, a leitura de textos como o relato do aventureiro Hans Staden. O relato foi o tema da palestra de Guilherme Amaral Luz, aluno do IFCH-Unicamp: "O cativeiro do desconhecido: o testemunho de Hans Staden sobre a antropofagia dos Tupinambás". Amaral Luz nota que, diferentemente da maioria dos relatos de antropofagia na América Portuguesa no século XVI, o de Hans Staden não é o de um cosmógrafo, colono, missionário ou teólogo, mas de "um aventureiro que se tornou prisioneiro entre índios canibais, passando pelos temores de se tornar vítima de festim antropofágico". Sua justificativa principal para a redação e publicação do relato, nota o palestrante, era eminentemente devota. Protestante, o humilde autor, nascido às margens do rio Efze em Hesse-Nassau, na Prússia, afirma ser o seu relato um agradecimento a Deus por tê-lo salvado das mãos sangrentas dos nativos da costa de São Vicente, servindo como testemunho da fé. Apesar de sua aparente despretensão "científica" ou "cosmográfica", Amaral Luz salienta que "a veracidade da obra não deixou de ser legitimada pelos meios universitários da época, como atesta seu prefácio redigido pelo anatomista Johann Eichmann, que afirma a possibilidade de seu uso para a ampliação do conhecimento do mundo e de seus fenômenos". A obra de Hans Staden ficou praticamente no anonimato no Brasil durante séculos. O interesse sobre esse tipo de relato é muito recente mas, na avaliação de Amaral Luz, fundamental como meio de construir um painel mais completo sobre como tem sido a leitura sobre o Brasil e seu povo pelo estrangeiro, sobretudo europeu. Do mesmo modo, cresce a importância da análise das correspondências entre metrópole e colônia. Isto ficou demonstrado pela palestra "Correspondência jesuística", de Alcir Pécora, professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Pécora frisa que a correspondência jesuítica tem sido tratada como fonte documental direta dos acontecimentos dos primeiros tempos da colonização. Contudo, em sua palestra o especialista mostrou que a correspondência dos jesuítas radicados no Brasil seguia padrões e normas muito bem enraizadas na tradição literária da época, além de seguir às determinações específicas de sua ordem religiosa. Seria importante entender os mecanismos presentes na formulação dessas correspondências para compreender o que elas estavam de fato dizendo. A importância da análise da produção literária para se entender melhor o que tem sido a história brasileira foi, do mesmo modo, tema central da palestra de Geraldo Mártires Coelho, diretor do Arquivo do Público do Pará, que falou sobre "Natureza versus cultura: a idéia de civilização em A selva, de Ferreira de Castro". Coelho comentou o livro A Selva, escrito pelo português Ferreira de Castro e que reúne impressões do autor quando ele viveu no Pará, entre 1911 e 1918. Para o diretor do Arquivo Público do Pará, o olhar do escritor funciona, tratando-se da Amazônia da borracha, no começo do século XX, como um "documento" da sociedade extrativista. No geral, a abordagem de A Selva contrasta com a visão idílica, idealizada, que o europeu tem normalmente em relação à floresta amazônica. Pelo contrário, no livro publicado inicialmente em Portugal, a Amazônia é o cenário de uma natureza hostil, de chuvas torrenciais e febres tropicais intermitentes, além de ser o lugar de relações sociais muito cruéis, distantes das conquistas éticas tão proclamadas pelo humanismo europeu e tão pouco praticadas por seus descendentes americanos. De forma muito simbólica para Mártires Coelho, o enredo de A Selva termina com um grande incêndio no seringal, que era fonte de tanta exploração do ser humano. O fogo do incêndio, significando o fim daquele regime de exploração, seria a luz no interior da floresta, iluminando a possibilidade de um novo recomeço, apontando para a reconciliação entre os seres humanos entre si e entre eles e a natureza. Não é este, exatamente, o sentido da busca do povo brasileiro pela redescoberta e, por que não, pela invenção de um País digno e justo, a partir da construção de imagens fiéis à sua realidade e às suas aspirações? Releituras necessárias A releitura da realidade brasileira e de sua história será possível quando se entender com maior profundidade os mecanismos que tornaram viáveis a perpetuação das visões distorcidas sobre o País e seu povo. A catequese associada ao esforço de colonização e o exercício da censura, em especial no período da Inquisição, são duas frentes de pesquisa que podem ajudar a esclarecer a gênese daqueles mecanismos. Este foi o sentido de duas outras palestras do Ciclo realizado no IAC, em Campinas. Uma interpretação do formato peculiar da catequese exercida no Brasil-Colônia foi feita por Leandro Karnal, do IFHC-Unicamp, na palestra "A conquista espiritual nos séculos XV e XVI". Karnal sublinhou que o momento das grandes navegações nos séculos XV e XVI coincidiu com o período em que era muito forte a crença entre os católicos sobre a proximidade do fim do mundo. Quando os europeus chegam à América, aportam assim com o interesse em uma catequização rápida dos índios, como meio de garantir a "salvação de suas almas". O resultado dessa inquietação foi, na opinião do professor do IFCH, a aplicação de uma espécie de catequese em massa no Brasil. Aconteciam batismos massivos dos índios por aspersão, ou seja, pela dispersão de gotas de água em uma multidão, ao contrário do batismo tradicional, que estipula um ritual individualizado. Não houve, enfim, uma catequização tradicional, que depende da assimilação de conceitos que certamente eram em geral incompreensíveis para os povos indígenas. "Era muito difícil para um nativo compreender que existia um Deus caracterizado por três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo", frisa o estudioso da Unicamp. A conseqüência da catequese heterodoxa foi, para Karnal, que houvesse uma conversão em geral superficial dos povos indígenas. Os supostos convertidos poderiam dizer que eram cristãos católicos mas, na realidade, continuavam professando suas crenças e exercendo os seus próprios rituais. Houve neste sentido uma catequização que implicou na adesão do corpo, e não da alma. O professor do IFCH entende que o brasileiro herdou essa postura, o que pode ser verificado por ocasião dos censos demográficos em que a maior parte da população se diz católica, "mas na prática não abre mão de suas crenças particulares". Como não houve adesão da alma, os indígenas não continuavam a freqüentar as atividades mantidas pelos religiosos católicos durante o esforço de catequização. Eram desta maneira tratados como dispersivos, indolentes, inconstantes pelos catequizadores. Esta talvez seja a origem de outro dos estereótipos tecidos a respeito dos brasileiros ao longo dos últimos cinco séculos e que desafiam cada vez mais a comunidade acadêmica a um novo empenho de interpretação. Outra frente vital de pesquisa, para se entender as distorções sobre a realidade brasileira, é a das engrenagens da censura durante o período colonial. Detalhes de como funcionava o mecanismo da censura em um período importante da história brasileira foram apresentados por Leila Mezan Algranti, do IFCH-Unicamp, em sua palestra "Censura de livros e de idéias no Brasil". O período enfocado pela pesquisadora é aquele situado entre o momento da chegada da Coroa Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, até a eclosão da Revolução do Porto, em 1821, que vai determinar o fim da censura e da participação do Santo Ofício na avaliação do que podia ser ou não publicado em Portugal e em suas colônias ultramarinas. Os documentos estudados por Leila Mezan comprovam que houve uma grande preocupação com o controle da circulação de livros no Brasil. Não importava, segundo ela, a condição social do destinatário dos livros. Todos os compradores de livros tinham de submeter seus pedidos aos canais de censura, que por ocasião da chegada ao Brasil voltou a ser tripartite, ou seja, era exercida pelas autoridades civis, pelos representantes da Coroa e pelos órgãos da Inquisição. A censura em Portugal era tripartida, observa a pesquisadora, até o período do governo do Marquês de Pombal. Neste momento, em meados do século XVIII, foi criada a Real Mesa Censória, implicando em um certo abalo no poder do Santo Ofício. Quando D. Maria, a Louca, assumiu o trono e Pombal caiu em desgraça, a Real Mesa Censória foi extinta. No período da presença de D. João VI no Brasil, a partir de 1808, o principal organismo censor foi a Mesa do Desembargo do Paço, no Rio de Janeiro. Se a estrutura burocrática estava estabelecida, não havia, porém, regras claras sobre como a censura deveria ser exercida e sobre o que deveria ser censurado. Em assuntos de política e religião não havia grandes conflitos entre os censores, mas em aspectos morais "existia um terreno movediço", assinala Leila Mezan. |
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