| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU - | Edição 213 - 19 a 25 de maio de 2003
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Novas tecnologias e a
nuvem dispersa do conhecimento


Álvaro Kassab

O professor Helio Waldman, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), vem se dedicando nos últimos tempos à reflexão sobre o impacto das novas tecnologias nas relações de trabalho, no processo educacional e na sociedade. Nesta entrevista, Waldman não se limita a abordar estes temas. Avança com agudeza sobre suas causas, desdobramentos e efeitos - sejam históricos, imediatos ou futuros - e analisa as profundas transformações pelos quais passa seu objeto de estudo.

JU - O que há d
e novo na área das telecomunicações?
Waldman - Temos dois fatos novos, um dentro do outro. Um é fundamental e, na verdade, já estava previsto há uns 15 anos: é que as telecomunicações iam mudar de cliente. O cliente dominante das redes de telecomunicações deixou de ser o serviço de telefonia, que predominava durante o século 20, inclusive sendo a razão de ser dos monopólios que vigoraram então; e passou a ser o tráfego predominante de dados, sobretudo o gerado pela Internet. Isso é um fato novo, mas que não nos surpreende, porque já era previsto. O outro fato era bastante imprevisto. Foi a crise que está assolando o setor desde 2001. Trata-se de uma crise institucional. Nas telecomunicações, você tinha algumas grandes empresas tradicionais, que são proprietárias de grande parte da infra-estrutura que foi sendo desenvolvida ao longo de várias décadas do século 20 em regime de monopólio. A partir dos anos 70 e 80, começaram a transitar para o regime de competição, por meio da desregulamentação, que chegou ao Brasil nos anos 90.

JU - O que aconteceu com o surgimento de novas empresas?

Waldman - Elas passaram a competir com as antigas. Todas hoje enfrentam dificuldades. As antigas estão muito endividadas, mas de modo geral ainda não quebraram, possivelmente porque eram muito grandes. Das mais novas, várias quebraram. Houve muitas falências e concordatas, tanto nos Estados Unidos como na Europa.

JU - Quais foram os fatores que originaram essa crise?

Waldman - Na verdade, essa crise se sucede à chamada crise das empresas pontocom, que foi a primeira onda. A segunda pegou as operadoras telecom. Logo em seguida, talvez um ano depois, foi a vez das fornecedoras de equipamento de telecomunicações, porque elas dependem dos pedidos das operadoras. Isso está acontecendo, apesar de o tráfego gerado pela Internet estar aumentando num ritmo considerável, na ordem de 100% ao ano no mundo.

JU - O problema então é de receita?

Waldman - Sim. Ela não cresce 100% ao ano. Seria muito estranhável que isso acontecesse, mas ela cresce num ritmo considerável. O problema é que houve um endividamento excessivo das empresas. Elas se preparam para um crescimento muito maior do que este, em virtude das expectativas geradas pelas empresas pontocom. Na década de 90, houve uma expectativa de que a Internet viria a substituir rapidamente empresas tradicionais. A área do comércio eletrônico é um dos exemplos. Isso não aconteceu. Essas coisas não acontecem rapidamente

JU - Essa crise deve perdurar ou é apenas resultante de uma bolha de consumo?

Waldman - Isso deve ser temporário. O que se observa, na verdade, é que há um crescimento tanto do tráfego quanto da receita, embora seja inferior ao que se esperava. Na verdade, a mudança que se previa está acontecendo, mas o mercado cresce num ritmo inferior àquele que se pensava.

JU - Quais são os ajustes que precisam ser feitos?

Waldman - Olhando pelo lado da engenharia é necessário investimento na padronização do sistema para permitir uma operação mais econômica e o uso mais racional dos recursos. Foram construídas muitas infra-estruturas que estão com alto grau de ociosidade, mas existem soluções de engenharia para o problema, de tal maneira que os investimentos em novas obras possam ser adiados. Trata-se de um assunto muito complexo.

JU - Por quê?

Waldman - A rigor, é interessante para a economia das empresas operadoras adiar o investimento em novas infra-estruturas. Mas para as empresas que produzem esses sistemas, isso não é bom. A solução passa também pela penalização de outros setores... Basicamente, há espaço para muito mais racionalidade nas empresas. Houve muita ênfase, durante o período de alto investimento, em gastos com alta tecnologia. Às vezes sai barato, às vezes sai caro. Como havia muito dinheiro, não houve comedimento por parte das empresas em moderar os investimentos. Na verdade, a Internet não deu prejuízo. O que aconteceu foram as expectativas exageradas do ritmo com que ela e a economia iriam crescer. A gente poderia dizer que esses prejuízos são inerentes ao modo capitalista de crescer. Deixou isso ao sabor do mercado e ele gerou expectativas não-racionais. Agora está sendo castigado por isso. O problema é que tem gente que ganha com especulação e tem gente que perde, apesar de ter trabalhado direito.

JU - O que precisaria ter sido feito para atenuar o problema?

Waldman - Se esse processo tivesse um pouco mais de controle. A história da tecnologia é muito rica em fracassos. A primeira empresa que se propôs a explorar a tevê colorida, por exemplo, fracassou, já que não havia compatibilidade com a televisão preto e branco. Coisas parecidas hoje poderão, por exemplo, impactar o desenvolvimento da televisão digital, que vai enfrentar o fato de existirem milhões de televisores analógicos instalados. Só que hoje esses problemas são bem mais conhecidos e bem mais compreendidos. Mas, mesmo assim, a complexidade da problemática continua grande.

JU - Quer dizer que os problemas podem aparecer na mesma medida da aceitação mercadológica dos aparelhos?

Waldman - Os problemas tecnológicos, especialmente quando envolvem mídias que já têm um alto grau de penetração, são muito interligados com problemas de mercado, economia, regulamentação. Eles não podem ser vistos apenas pelo lado tecnológico.

JU - Em livro de sua autoria , o senhor aborda com detalhes a desregulamentação resultante da privatização do setor das telecomunicações. O que mudou de lá para cá?

Waldman - A desregulamentação coloca todo mundo em risco. Especialmente as empresas grandes, que já dominam o mercado da tecnologia anterior. Elas sentem esse risco e imediatamente procuram garantir sua posição na nova tecnologia. Aí que elas empregam engenheiros etc. Isso acaba sendo talvez um fator de equilíbrio. À medida que a empresa consegue garantir essa posição, ela pode também trabalhar no sentido de inibir a velocidade da transição, que para ela não interessa que seja muito rápida. Isso acontece claramente com as grandes operadoras das telecomunicações, cuja receita principal continua a ser a telefonia, apesar de o tráfego predominante ser da Internet. Essas empresas não têm interesse em acelerar muito o desenvolvimento da Internet porque ela vai servir de plataforma para oferecer a um preço muito mais barato um serviço pelo qual elas cobram um preço muito maior. Então, na medida que a competição fracassa – e de certa maneira isso pode ser visto no quadro de falências e concordata –, você cria condições para que desacelerem a transição.

JU - O senhor acha que as tendências apontam para que as mídias sejam complementares?

Waldman - Vai haver uma influência muito grande de algumas mídias sobre outras. Agora, existem alguns contextos sociais que não podem ser ignorados. O computador surge num contexto de uso pessoal. A televisão existe há muito tempo em outro contexto, embora também possa ser de uso pessoal, mas freqüentemente, tem uso familiar, coletivo etc, o que, de certa maneira, torna impossível se pensar o televisor como PC. Agora, certamente, ela vai incorporar interatividade, sobretudo com a tecnologia digital. Isso não significa, porém, que essa interatividade terá as mesmas características fornecidas hoje pela Internet.

JU - É sabido que a automação agravou a onda de desemprego. O que fazer para conciliar novas tecnologias e as novas exigências do mercado de trabalho?

Waldman - Isso vai depender muito da nossa capacidade de enfrentar os desafios educacionais. Basicamente, o campo educacional está muito voltado aos valores da sociedade industrial. Isso é compreensível, porque ele tem uma inércia natural. Ele tende a se reproduzir à medida que os próprios pais olham para sua própria formação como um padrão a ser legado para os filhos. De fato, a sociedade industrial enfatizou a disciplina. Ela exige o horário de trabalho, um certo sincronismo entre as relações, invariavelmente disciplinadas, com muitas tarefas repetitivas. O fato é que com toda essa automação caiu o número de empregos em que estas qualidades são importantes. Na medida em que a indústria gera menos emprego por capital investido, é de se esperar que você vai ter muita gente trabalhando fora desse ramo industrial. A agricultura também exigia outras qualidades - tem o seu código próprio de disciplina – e também teve as posturas dos empregados substituídas por outras, como nessa sociedade que está emergindo.

JU - Qual seria?

Waldman - O pessoal tem chamado de sociedade da informação, de sociedade do conhecimento ou simplesmente de sociedade pós-industrial. Esses nomes não dizem muita coisa. Na verdade, trata-se de uma sociedade compreendida vagamente por todos nós. Eu simpatizo mais com a denominação sociedade do conhecimento. Acho que a questão do processamento da informação não é a central. Na verdade, muitos empregos que estão ameaçados hoje são ocupados por pessoas que processam a informação - trabalhadores de escritório, secretárias etc. Essas ocupações estão ameaçadas, já estão diminuindo justamente porque vêm sendo substituídas por máquinas. Por isso não aprecio muito o nome sociedade da informação. Sociedade do conhecimento reflete melhor o atual estado de coisas, essa sociedade emergente que vai resultar nessas novas tecnologias. Falta ainda definir melhor o que é essa sociedade do conhecimento.

JU - Como fica o sistema educacional diante dessas mudanças abruptas?

Waldman - Ele terá de se adaptar para incutir nas novas gerações as qualidades necessárias para que essa sociedade do conhecimento funcione. Isso implica ter muito conhecimento? Sim e não. O conhecimento tem uma dimensão qualitativa. Falar em muito conhecimento é uma expressão enganosa. Você está dando uma expressão quantitativa a algo que é qualitativo. Mas uma coisa que se diz bastante e com a qual eu concordo é que talvez a qualidade mais importante nessa nova sociedade seja a capacidade de aprender e saber navegar dentro desse patrimônio de conhecimento que a humanidade acumulou até este momento. Até há alguns anos - por exemplo, até a época em que me formei - se falava que você tinha que carregar uma bagagem de conhecimentos. Acho que isso está ultrapassado.

JU - Por quê?

Waldman - Não adianta você pensar em ter uma bagagem de conhecimento para você carregar para o resto da vida. Como existe uma nuvem de conhecimento que paira dispersa, o importante não é tanto você carregar sua bagagem, mas sim ter condições de se movimentar nessa nuvem e capturar conhecimentos. Trata-se do conhecimento certo, no lugar certo e no momento certo. É preciso capacidade para captar esse conhecimento com rapidez para poder aplicá-lo na situação em que ele é exigido. É claro que isso exige um certo alicerce de conhecimento básico, mas é mais um alicerce do que uma "bagagem". Além disso, exige uma nova atitude, e muita disposição.

JU - É prematuro concluir que o sistema educacional perdeu o pé da situação?

Waldman - Existe um substrato básico de conhecimento que, digamos, não é um conhecimento operante diretamente no exercício profissional. É um ferramental analítico que não muda tanto e tão rapidamente, e que faz parte nas escolas de engenharias daquilo que a gente chama de ciclo básico da formação. Por outro lado, para que a pessoa consiga fazer essa navegação do conhecimento tecnológico, que é muito mais fluido, esse ferramental analítico é extremamente importante. Por isso, acho que é necessário dar mais ênfase a esse conhecimento. Nesse sentido, acho que as escolas estão um pouco perdidas, pois elas ainda estão tentando produzir um profissional "formado" no sentido estrito da palavra, e isso realmente não é mais possível.

JU - Qual seria o papel da universidade nesse universo?

Waldman - As universidades vêm mantendo o currículo do ciclo básico mais ou menos como ele já era. Até aí tudo bem. Porém, há uma necessidade de se olhar isso com mais cuidado, para que os alunos deixem de ver o ciclo básico como um simples obstáculo para se chegar no ciclo profissional. É preciso que ele passe a ser visto como parte de um objetivo, não como um obstáculo para se chegar ao objetivo. Na verdade, se você for pensar o que o cientista ou profissional de engenharia hoje vai estudar, comparando com o que ele vai estar usando daqui a 20 anos, provavelmente esse material do ciclo básico é que vai ser útil. O resto não poderia ser ensinado hoje porque é conhecimento que ainda não existe.

JU - Há então um descompasso?

Waldman - A escola não tem sabido transmitir aos alunos o conceito de que esses conhecimentos fazem parte do objetivo. Com relação ao conhecimento profissional propriamente dito, de fato há uma aceleração muito grande, de tal maneira que existe um problema de como se vai tratar essa defasagem. Na verdade, o aluno recebe, nos últimos anos de sua formação profissional, um conhecimento que estará obsoleto em uma década, ou antes até, como é o caso, por exemplo, da engenharia de computação ou da mídia. É necessário que a instituição se adapte a essa aceleração, especialmente nas áreas tecnológicas. E essa adaptação está muito lenta, inclusive por questões institucionais. A universidade foi modelada pensando na formação de um profissional completo. A universidade tal qual é hoje foi concebida numa época em que ainda vigorava a bagagem do conhecimento. O sujeito saía da formatura com uma "mochila" de conhecimento nas costas, que seria suficiente para o resto da vida.

JU - A universidade vem discutindo esse problema satisfatoriamente?

Waldman - Não. Existe a questão da educação continuada: como serão mantidos atualizados esses profissionais? A nossa universidade está organizada para ter um sistema de graduação, que são cursos de quatro ou cinco anos. Terminado esse curso, o estudante vai embora. E um de pós-graduação que, em princípio, é para formar pesquisadores. O que acontece então com o profissional que precisa se reciclar, mas não quer ser um pesquisador? Ele acaba se dirigindo aos programas de pós-graduação para reciclar sua formação. Essa necessidade é patente, mas não deveria ser assim. A universidade deveria ter mecanismos de educação continuada.

JU - Mas essa demanda não é nova?

Waldman - Sim, tanto que o problema está longe de ser equacionado. Como essa demanda não sabe ainda como se expressar, ela desemboca nos cursos de pós-graduação, que não foram feitos para isso. Eles foram criados para formar pesquisador. Esse descompasso é sentido claramente na sala de aula. Você tem uma mistura de alunos que querem ser pesquisadores com alunos que querem manter ou recuperar um bom emprego na indústria, mas que para isso precisam reciclar seus conhecimentos. São coisas diferentes.

JU - Como o sistema educacional poderia dar resposta a todos esses problemas?

Waldman - Vai ser difícil. A questão é tão complexa que talvez a universidade não consiga dar a resposta. Quanto ao desemprego tecnológico, ele existe mas não está claro que seja o responsável como um todo. A tecnologia cria deslocamento de empregos. Os economistas nos dizem que a questão do emprego está ligada ao crescimento da economia. A tecnologia, nesse raciocínio, acabaria com determinados postos de trabalho, mas criaria outros. Ela necessariamente não aumenta a taxa do desemprego. O que aumenta a taxa do desemprego é a incapacidade que a economia tem em sustentar a atividade produtiva. O caso brasileiro, assim como o dos países que importam tecnologia, acaba criando níveis de produtividade artificialmente altos. Isso acaba gerando uma dificuldade de absorção pela indústria. Dependendo de como é feita a gestão ou da própria força da economia, você poderia gerar empregos em outras áreas, como a de serviços. Mas basicamente a dificuldade está na gestão da economia. Por outro lado, quanto mais o sistema educacional preparar as pessoas, mais você pode ter acesso ao mercado globalizado. Na região de Campinas, por exemplo, temos um pólo de comunicações. À medida que você adquire visibilidade, você mostra o seu potencial. Mas é preciso criar também, no Brasil, empregos de baixa capacitação, porque senão você não vai resolver o problema do emprego, uma vez que grande parte da população não tem qualificação.

JU - O senhor acredita na massificação das novas tecnologias no País?

Waldman - Acho que é factível porque nós temos vários fatores que favorecem isso. Nossa língua é única e isso é muito importante. Se você colocar um meio à disposição vai haver uma linguagem comum. Isso não acontece em muitos outros países. Além disso, nossa população ainda é jovem. Os jovens apresentam boa receptividade às novas tecnologias. E também nós não temos uma mentalidade de censura no Brasil. Há uma identificação do povo brasileiro com tecnologias modernas. É um país que tem mais televisores em relação ao nosso nível do que em muitos outros países. Nossos indicadores estão aí: consumimos música, vídeos etc. Produzimos bens culturais que têm penetração nos mercados europeu e americano e temos muita compatibilidade com as tecnologias modernas.

JU - Como o senhor vê a evolução da educação a distância? Não lhe parece que as expectativas iniciais foram muito otimistas?

Waldman - Assim como no caso do comércio eletrônico, houve muito exagero quanto às previsões sobre a tecnologia a distância. Especialmente no sentido de substituição de tecnologia. Acho que a educação a distância não vai substituir a educação presencial, mas ela vai complementar. Ela pode ser importante especialmente nessas novas necessidades ligadas à educação continuada, dos profissionais já "formados" - que na verdade vão ter que se atualizar a vida inteira. Seria muito difícil a universidade atacar esse problema presencialmente porque se trata de uma população muito grande. É a população adulta profissional que precisa ser reciclada durante a vida toda. Para fazer isso presencialmente a universidade teria de se multiplicar, mesmo que ela já estivesse satisfazendo plenamente as necessidades dos jovens. É uma questão de necessidade. Isso é um ponto. O outro é a questão da possibilidade. No caso da educação continuada, como o público é formado por profissionais já motivados, então ela é mais informativa. Como o aluno já entende porque precisa daquilo, naturalmente não teria o problema de motivação. Na educação da criança, por exemplo, mais da metade da missão do educador é motivar a criança. Aí talvez esteja a principal dificuldade da educação a distância, que informa tanto - às vezes até mais - do que a educação presencial. Porque você consegue a informação na tela do computador com muito mais facilidade do que perguntando para um professor, especialmente se ele não conseguir responder na hora. Agora, para você estabelecer um diálogo que motive o educando para aquilo que está sendo feito, acho que a presença física é muito importante.

JU - Em que sentido?

Waldman - Existe uma riqueza na interação do professor com o aluno e dos alunos entre si. Isso é muito difícil de ser substituído num ambiente intermediado pelo computador. Não é impossível, mas é difícil. Tenho impressão que nesse momento - é o que indicam as projeções de mercado - o filão principal está na educação continuada. Agora, não se deve encarar a educação a distância como uma panacéia, ou como algo para substituir o professor. Mesmo na educação a distância você precisa do tempo do professor para interagir com o aluno. Ela não é um milagre; é um ganho de produtividade e de custo. Alguma perda de qualidade vai haver. Assim como houve perda de qualidade na substituição do método socrático por uma sala de aula como horário pre-determinado etc. Era inevitável: houve um aumento do número de pessoas atrás de uma vaga. Era uma exigência da sociedade industrial. Essa nova sociedade exige uma demanda maior ainda para o número de alunos atendidos. E isso em parte vai ter de ser feito por meio da educação a distância. Há uma perda, mas acho que essa perda não deve afetar as novas gerações. A sua formação deve continuar a ser feita presencialmente usando os instrumentos da educação a distância. A interação presencial professor-aluno é muito importante, insubstituível.

JU - Qual a posição do Brasil na área das telecomunicações? Está trilhando o caminho certo ou ainda engatinha perto de países que apostam na inovação?

Waldman - As duas coisas. O Brasil é um país que dentro daquilo que a gente costumava chamar de Terceiro Mundo - dizem que não existe mais - tinha uma posição de liderança em termos tecnológicos. Na América Latina, por exemplo, o Brasil tem essa posição. Agora, no mundo, estamos engatinhando e não poderia ser diferente. A desproporção entre o PIBs e entre os percentuais investidos no desenvolvimento científico e tecnológico desses PIBs é muito grande. Em números redondos, o Brasil tem um PIB dez vezes menor que o dos Estados Unidos e dedica à ciência e tecnologia um percentual dez vezes menor: isso dá uma desproporção de um para cem no esforço despendido em ciência e tecnologia. Acredito que a nossa produtividade não esteja muito aquém dos países desenvolvidos, mas o nosso tamanho é muito menor. Na Europa, países que têm situação semelhante estão resolvendo esse problema ingressando na Comunidade Européia, fazendo parte de um bloco maior. Portugal é um exemplo: até pouco tempo era inexpressivo em C&T. Continua inexpressivo, mas faz parte de um bloco expressivo e em condições de igualdade. Infelizmente essa porta não está aberta para o País. O Brasil está numa encruzilhada. Somos pequenos, conseguimos liderança regional. Significa alguma coisa. Temos um pólo de tecnologia em Campinas e não em Buenos Aires porque o Brasil investiu em capacitação científica e tecnológica, e a Argentina, não. Isso significa emprego e resulta em alguns benefícios, mas não no sentido de termos uma presença expressiva. E nem poderia, por conta da economia.

JU - Qual o papel da universidade na inovação tecnológica? Como poderia ser incrementado o relacionamento entre a academia e a indústria?

Waldman - Acho que a universidade, da forma como as coisas estão hoje organizadas, está mais perto do mundo da ciência e da tecnologia. E a indústria está mais próxima do mundo do mercado. Isso significa que você não pode basear seu sistema de inovação na universidade. Inovação só se concretiza se for implantada no mercado. Tenho a impressão que a inovação teria de ser estimulada através de uma interação efetiva e operante entre o mundo da universidade e o mundo das empresas. Mas isso tem que partir da vontade de ambos os grupos. Temos avançado um pouco no Brasil. Esse nível de interação aqui na Unicamp é satisfatório, mas deixa a desejar no Brasil. É preciso ter uma interação universidade-indústria em favor da inovação. Ou seja, é preciso ter uma empresa estimulada e incentivada para inovar enquanto fator de competitividade. A empresa precisa saber por que é preciso inovar. A universidade, por seu lado, precisa estar interessada em se associar à empresa para conseguir aquele patamar de inovação. Essa associação é importante porque você vai conseguir incorporar os conhecimentos do mundo da ciência e da tecnologia e os conhecimentos que a empresa tem do mundo do mercado, que nós não temos na universidade. São dois conhecimentos diferentes que precisam se fundir para que um se beneficie do outro. A inovação que fica no laboratório pode até ser boa, nós fazemos isso, mas não é inovação no sentido que os economistas dão à palavra.

JU - Qual a participação do Estado nesse processo?

Waldman - Seu papel é indutor. Agora, tem que ter as condições para que as empresas estejam interessadas na inovação para a competitividade. É preciso entender que a capacidade de competir depende da inovação.

JU - Como fica o aluno nesse contexto?

Waldman - A força do estudante é o capital do conhecimento e sua capacidade de inovar.

Quem é Helio Waldman
O professor Helio Waldman (acima) graduou-se engenheiro de eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) de São José dos Campos, em 1966, e recebeu os títulos de M. Sc. e Ph. D. da Universidade de Stanford na California, EUA, em 1968 e 1972 respectivamente, ambos em Engenharia Elétrica.

Após dois anos na COPPE/UFRJ como professor adjunto, juntou-se à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é professor titular desde 1980, ano em que foi nomeado diretor associado da Faculdade de Engenharia de Campinas (FEC/Unicamp). Em 1982, foi nomeado diretor da mesma Faculdade, cargo que ocupou até 1986. De 1986 a 1990, foi pró-reitor de Pesquisa da Unicamp.

Desde 1973, tem pesquisado ativamente os sistemas de Comunicações Digitais. A partir dos anos 80 seus interesses de pesquisa têm focalizado o canal de fibra óptica. É autor ou co-autor de três livros: "Processamento de Sinais Digitais" (1987), "Fibras Ópticas: Tecnologia e Projeto de Sistemas" (1991), e "Telecomunicações: Princípios e Tendências" (1997). Seus interesses atuais de pesquisa estão nas áreas de Redes Ópticas, Enlaces Ópticos Digitais, e Códigos de Linha para Gravação e Transmissão Digital, áreas nas quais tem orientado teses e ministrado disciplinas de pós-graduação. No curso de graduação em Engenharia Elétrica, tem ministrado disciplinas de Eletromagnetismo, Ondas Guiadas e Comunicações Ópticas.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP