LUIZ SUGIMOTO
Substâncias
sintetizadas no laboratório a partir de componentes
isolados do óleo de copaíba e do breu
de pinheiro apresentaram resultados importantes
contra nove linhagens de câncer e contra a
tuberculose, inibindo ou matando células
doentes, segundo estudos de pesquisadores do Instituto
de Química (IQ) e do Centro de Pesquisas
Químicas, Biológicas e Agrícolas
(CPQBA) da Unicamp. O processo com a copaíba,
executado em nível de doutorado e patenteado
em 2002, ainda carece de testes toxicológicos
para averiguar se as substâncias não
afetam também as células normais,
o que exigiria estudos mais detalhados sobre dosagens
até que se chegue a uma concentração
que não seja tóxica.
Processo é patenteado para evitar apropriação
O
professor Paulo Imamura, do Departamento de Química
Orgânica, orientou a doutoranda Inês
Lunardi em sua tese (Síntese do sesterterpeno
hyrtiosal a partir do ácido copálico
- Determinação da configuração
absoluta do produto natural). Ele explica que uma
série de reações químicas
envolvendo o óleo de copaíba levou
ao (-)-hyrtiosal, composto isolado da esponja marinha
e patenteado por cientistas japoneses em 1992. "Aqueles
testes foram dirigidos apenas contra células
KB, da leucemia, com dosagens de 3 a 10 microgramas
por mililitro em células doentes, o que é
uma atividade razoável", informa o professor.
A aluna do IQ, segundo Imamura, sintetizou o (-)-hyrtiosal e também compostos análogos, que passaram por testes no CPQBA, onde o professor João Ernesto de Carvalho constatou atividades contra células cancerígenas de ovário, próstata, renal, cólon, pulmão, mama, mama resistente e melanoma, mais a leucemia. Os resultados são próximos ou iguais aos encontrados na literatura envolvendo outras substâncias.
Quanto ao breu de pinheiro, transformações químicas de um ácido resínico nele existente permitiram a obtenção de ozonídio, um peróxido que é altamente reativo. "O ozonídio foi enviado aos Estados Unidos para um ensaio específico contra a tuberculose, apresentando um valor de inibição da doença em torno de 85%. Ele demonstrou boa atividade, mas os experimentos pararam por aí, pois era preciso chegar acima de 90%, índice exigido para seguir adiante até os testes in vivo", diz Paulo Imamura.
Testes - O professor João Ernesto de Carvalho, coordenador da Divisão de Farmacologia e Toxicologia do CPQBA, realizou as culturas in vitro e recorda que uma das substâncias, (-)-hyrtiosal, foi a que apresentou atividade mais seletiva, sobre a linhagem do melanoma. "Se precisasse escolher um dos compostos para dar seguimento às experiências, com testes em animais, seria este", afirma. Ele ensina que a seletividade é o que torna o material interessante. Uma substância que destrói todas as linhagens de células cancerígenas entra no primeiro critério de exclusão, pois provavelmente mata também as células normais, inviabilizando sua aplicação no paciente. "É impossível obter uma só droga que combata todos os tipos de câncer. Não se trata de uma patologia única, mas de mais de cem doenças, cada qual com etiologia, sintomas, progressão e tratamento próprios", acrescenta.
No CPQBA, as quatro substâncias foram deixadas em contato com as linhagens de câncer por 48 horas, quando se interrompeu o processo para determinação de concentração de proteínas, mostrando se houve crescimento, inibição ou morte das células em relação às concentrações que variaram de 0,25 a 250 microgramas por mililitro - faixa adotada também para drogas já aprovadas. Para passar aos testes in vivo, Carvalho afirma que precisaria de quantidades maiores das substâncias sintetizadas.
Dosagem - Apesar da ausência de testes citotóxicos, a tese de Inês Lunardi preserva sua relevância enquanto pesquisa básica. "Caso as substâncias afetem também as células normais, a limitação aumentaria, já que precisaríamos detalhar os estudos sobre a dosagem. Contudo, isso acontece com muitos produtos conhecidos, como o veneno de cobra, muitas vezes letal numa picada, mas que em baixas concentrações funciona como remédio", ilustra Paulo Imamura.
Uma vantagem deste processo está na obtenção das matérias-primas: a copaíba, cujo óleo é extraído com a perfuração do tronco (sem corte da árvore), e o pinheiro, abundante em projetos de reflorestamento. "Não raro, uma quantidade razoável de droga natural necessita de toneladas de matéria-prima. Um exemplo é o taxol, aplicado em câncer de útero ou cólon, que antes exigia o corte de oito árvores (Taxus brevifolia) de 100 anos de idade para atender a um único paciente. Isto foi resolvido com o aproveitamento e a transformação química de substância extraída de galhos e folhas de uma espécie européia, a Taxus baccata", explica.
Imamura
é pessimista quanto à possibilidade
de a indústria farmacêutica nacional
investir na pesquisa e viabilização
de medicamentos à base do óleo de
copaíba e do breu de pinheiro. Contudo, acha
que a solicitação de patente do processo
de transformação química foi
um cuidado necessário: "No Brasil, costumamos
sintetizar substâncias academicamente e publicar
nossos trabalhos, quando há ocorrências
de grandes indústrias do exterior que se
apropriam dos estudos realizados no chamado terceiro
mundo, principalmente na área de fitoquímica.
Pelo menos no Instituto de Química, já
vejo a preocupação de resguardar as
pesquisas não apenas como forma de publicação",
finaliza.