CCA lança livro que serve de
referência para especialistas que tratam do problema
Dando voz (e vez) aos afásicos
ANTÔNIO ROBERTO FAVA
Depois
de dez anos de intensas atividades, o Centro de Convivência
de Afásicos (CCA) da Unicamp coloca na praça
o livro Sobre as Afasias e os Afásicos, cujo
propósito é informar e dar estímulo
à convivência e à inserção
social de pessoas acometidas pela afasia. Apenas para
citar um exemplo, basta dizer que "entre as doenças
neurológicas, cerca de 15% resultam em afasias,
que se constituem um índice considerado elevado",
segundo a professora Edwiges Maria Morato, do Departamento
de Lingüística do Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp.
O livro - publicado com o apoio da Editora da Unicamp, Pró-Reitoria de Extensão e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) - visa ainda fornecer elementos sobre maneiras de como o afásico e seus familiares podem enfrentar dificuldades decorrentes da doença, suas causas, características e impactos sociais.
A afasia - que é a alteração da capacidade de falar ou de compreender a linguagem falada ou escrita - é uma doença para a qual cientistas e pesquisadores do mundo todo ainda não encontraram um meio de cura, no sentido clássico de erradicação da enfermidade. "No entanto, pode-se dizer que há meios de melhorar a qualidade de vida das pessoas", explica a professora Edwiges.
Essa alteração dos processos lingüísticos ocorre tanto no aspecto produtivo da fala quanto no interpretativo da linguagem, e é causada por lesão estrutural adquirida no sistema nervoso central, em decorrência de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), traumatismos crânio-encefálicos ou tumores. Há relatos médicos e terapêuticos assinalando que o processo de reabilitação requer, em geral, um tempo prolongado, que pode variar de seis meses a anos de tratamento.
A afasia pode ser acompanhada por alterações de outros processos cognitivos e sinais neurológicos, como a hemiplegia (paralisia de um dos lados do corpo), a apraxia (distúrbios da gestualidade) ou a agnosia (distúrbios do reconhecimento). Soma-se a esses fatores a dificuldade de deglutição. Entre os aproximadamente 20 afásicos que semanalmente freqüentam o CCA, há aqueles que sumariamente foram afastados dos seus postos de trabalho, aposentados por invalidez; são pessoas que antes da doença exerciam as mais diversas atividades profissionais como motoristas, enfermeiros, comerciantes e operários, entre tantas outras.
Edwiges conta que há também aqueles que por iniciativa própria ou com o apoio de familiares passaram a exercer outra profissão depois de afásicos. Um advogado, por exemplo, tornou-se massagista, um engenheiro civil tornou-se proprietário de banca de jornal. Há também os que, afastados de funções ocupacionais remuneradas, passaram a desenvolver outras atividades informais. Existem aqueles que procuram desenvolver seus hobbies como uma forma interessante de se ocupar, fazendo trabalhos de bordados, pintura e natação.
Benefícios - A professora explica que, em geral, o indivíduo afásico não chega a recuperar totalmente a sua linguagem, de modo a retomar integralmente o padrão anterior à lesão, embora possa chegar muito próximo disso. Os afásicos, familiares e terapeutas chegam a um determinado grau de aceitação e de convivência com as dificuldades da linguagem oral e escrita que tem a ver com a possibilidade da pessoa afásica de se sentir segura e competente para interagir, comunicar, trabalhar, enfim, exercer os mais diversos papéis dentro do meio em que vive.
Isso tem ajudado bastante o afásico a enfrentar, a superar ou aprender a conviver com as suas limitações. Sob o ponto de vista terapêutico o CCA prevê o acompanhamento multidisciplinar, que compreende atendimento com neurologista ou cardiologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta e psicólogo.
Sites - Previdência Social:
www.previdenciasocial.gov.br
telefone 0800-780191, e Centro de Convivência de Afásicos (CCA)
http://www.unicamp.br/iel/labonecca
Trabalhando a auto-estima
O ambiente é tão saudável e descontraído que mais parece um encontro de amigos. E na verdade é. Ali estão pessoas com histórias de vida mais ou menos parecidas. São pessoas afásicas e não-afásicas, que duas vezes por semana se juntam para uma série de atividades que levam ao desenvolvimento de práticas lingüísticas cotidianas, combinando com exercícios corporais, de relaxamento e de criação dramatúrgica, por exemplo. E para conversar, trocar experiências e tomar um cafezinho. Explicam que desde o momento que entraram para o CCA, passaram a cultivar a auto-estima para dar um outro sentido a vida.
Nadir Felipe da Silva, 43 anos, está no grupo há dois anos. Vítima de derrame cerebral, diz que freqüentar o CCA é mais que buscar tratamento terapêutico. Explica que o relacionamento que mantém com outros afásicos pode atingir esse propósito. O ambiente ali é descontraído e, por isso mesmo, ajuda-os muito a superar eventuais limitações a que estão sujeitos. "Os benefícios proporcionados pelos profissionais daqui são tantos que não dá para falar de todos, além de nos proporcionar reflexão", diz.
O derrame que sofreu há dois anos e meio não impediu que José Madeira Lourenço passasse a ter uma vida quase normal. Aos 70 anos, aposentado (trabalhava com exportação), hoje -
"pra eu não ficar parado"
- desenvolve trabalhos que requerem extrema habilidade: a marchetaria - que é a arte de embutir, incrustar peças de madeira, metal ou marfim em peças de madeira, para a formação de desenhos. Lourenço conta que não pensa muito no seu problema. "Prefiro trabalhar”, faz questão de dizer. Embora não trabalhe todos os dias - não precisa mais fazer isso - Lourenço já produziu uma série de trabalhos, como pequenas caixas e objetos diversos.
Há três anos Natália da Fonseca, 70 anos, sofreu um derrame que afetou - lhe a fala. Olhinhos miúdos, cabelos brancos, Natália revela que há três anos sofreu um derrame cerebral que lhe afetou a fala. Não fumava, não bebia e não fazia extravagância. "Tinha que acontecer", conclui. Natural de Portugal, quase nem se lembra de suas limitações. Graças, talvez, a ajuda que tem do CCA. Gosta de ler livros espíritas, por meio dos quais busca um conforto espiritual complementar. Livros obrigatórios que lê com frequência: O livro dos Espíritos e O Evangelho segundo o Espiritismo.
Maria das Graças de Carvalho, 55 anos, que sofreu derrame há três, não conhece dificuldades de locomoção. Antes de adoecer - já aposentada - era proprietária de uma agência de viagem. Claro que a doença deixou-lhe algumas marquinhas. Mas nem por isso deixou-se abater, e continuou, na medida do possível, a viver normalmente. "Apesar do problema, consegui fazer todos os testes e tirar carta de habilitação e dirigir o meu próprio automóvel", conta Maria das Graças, rindo.