Afetada pelas oscilações do dólar,
agência de fomento retorna aos poucos à normalidade
Fapesp já planeja retomar importações
Clayton Levy
Depois de restringir por oito meses o custeio de material importado, em conseqüência da alta do dólar registrada no segundo semestre no ano passado, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) começa a respirar mais aliviada. O retorno da moeda norte-americana a patamares aceitáveis abre a perspectiva de um breve retorno à normalidade. Mesmo assim, o diretor científico da instituição, José Fernando Perez, diz que ainda é cedo para comemorar. "Vamos retomar aos poucos", avisa, com a preocupação de não gerar falsas expectativas. Segundo ele, cerca de 35% dos gastos da Fapesp referem-se a compras em dólar.
Considerada a mais eficiente agência de fomento à pesquisa do País, a Fapesp foi duramente afetada pelas oscilações do dólar. Para enfrentar a situação, teve de recorrer às reservas técnicas e renegociar com fornecedores. Pela primeira vez em 40 anos de existência, a entidade adotou medidas restritivas no custeio de material importado, liberando a compra apenas para aqueles considerados essenciais.
Ao falar para o Jornal da Unicamp sobre a volta gradual das importações, Perez também destacou a necessidade de o sistema federal de fomento à pesquisa ampliar o volume de bolsas concedidas ao Estado de São Paulo. Segundo ele, o governo federal estaria adotando uma "política equivocada" ao tentar democratizar o acesso à pesquisa impondo cortes aos centros de excelência. "Essa é a política do desperdício", diz.
JU - Com a normalização nas cotações do dólar, a Fapesp já está retomando o ritmo normal na concessão de recursos para importação de insumos destinados às pesquisas?
Perez - Ainda não totalmente. Estamos retomando de forma prudente e controlada. Num primeiro momento nós sustamos todas as importações; num segundo momento autorizamos importações de itens essenciais para não haver perdas irreparáveis aos projetos; e agora estamos começando a retomar aquelas importações que já estavam em andamento, mas foram interrompidas. O próximo passo será retomar todo o financiamento para material de consumo.
JU - O senhor acredita que isso deva ocorrer a partir de quando?
Perez - Dentro em breve. Acho que dentro de um mês poderemos anunciar isso, mas não gostaria de estabelecer nenhum compromisso formal com uma data. De todo modo, o dólar caiu bastante, o que nos permite antever a possibilidade de assumir compromissos na parte de material de consumo. A parte de equipamento e material permanente nós provavelmente iremos retomar em um novo formato.
JU - Que formato será?
Perez - Estimular mais o uso compartilhado das instalações dentro do conceito que formava o programa de equipamentos multi-usuais.
JU
- O senhor não receia uma resistência por parte dos pesquisadores a esse tipo de formato?
Perez - Há uma cultura nova que precisa ser implantada. É claro que os pesquisadores gostam de ter os equipamentos disponíveis em seus próprios laboratórios por razões de conforto e eficiência. Mas nesse momento isso não é mais razoável. Estamos querendo buscar uma nova racionalidade. Certamente serão priorizados aqueles equipamentos de uso compartilhado, que possam trazer benefícios a vários projetos de pesquisa.
JU - Quantos projetos foram atingidos pela oscilação do dólar?
Perez - Não tenho esse número de cabeça, mas posso dizer que todos os projetos que encaminharam pedidos de importação em caráter emergencial, obedecendo ao critério que estabeleceu como prioridade material de consumo e peça de reposição, foram atendidos. A queda do dólar mostrou que essa política foi a correta. Sem isso, teríamos afetado de forma grave o nosso patrimônio, o que prejudicaria ainda mais a nossa capacidade de financiamento ao longo prazo. Nosso patrimônio é responsável por cerca de 25% de nossa receita. Lançar mão desse patrimônio para bancar uma insanidade de mercado teria sido uma ação muito imprudente.
JU - O senhor acha que será possível recuperar totalmente a capacidade de financiamento dentro de pouco tempo?
Perez - Acho que sim. A aposta da Fapesp é uma aposta no crescimento do Estado e do País. Nós estamos vinculados à receita tributária do Estado, que por sua vez está vinculada ao nível de atividade econômica do País. É uma aposta saudável. Temos de crescer junto com isso.
JU - Mas as demandas por bolsas não estão crescendo num ritmo mais rápido que o do desenvolvimento econômico?
Perez - Aí nós temos realmente um impasse. Na parte de bolsas nós estamos numa situação que se nós não tivermos uma contrapartida federal significativa teremos de estancar a taxa de crescimento. O investimento da Fapesp com bolsas esse ano já representa 40% do total de recursos desembolsados. Apesar disso, em números absolutos, o volume de bolsas concedidas diminuiu. Só no primeiro semestre desse ano tivemos 1.600 pedidos de bolsas de mestrado e concedemos 400. No ano passado nós também só tivemos condições de atender a um quarto dos pedidos de bolsas de mestrado. Se tivéssemos para o Estado de São Paulo o mesmo número de bolsas concedidas pelo sistema federal em 1995 não haveria essa demanda represada.
JU - Está sendo feita alguma negociação junto ao governo federal para retomar o volume de concessões de oito anos atrás?
Perez - Há contatos com as agências federais e com o próprio Ministério da Ciência e Tecnologia. Não é uma negociação simples, mas estamos tentando fazer ver às autoridades que São Paulo tem uma participação importante para pesquisadores que vêm de fora. Quase 30% das bolsas de mestrados concedidas pela Fapesp são para estudantes que vêm de outros Estados. O mesmo percentual vale para as bolsas de doutorado. Isso significa que São Paulo acaba formando pesquisadores para o País inteiro. Nós obviamente não discriminamos por origem de Estado. Muito pelo contrário, mesmo porque é bom para o sistema de pesquisa ter essa qualificação nacional contribuindo para a ciência do Estado e do País. Mas há que se entender que São Paulo é parte do sistema nacional. É falso o olhar de que a democratização do sistema de pesquisa no país passaria por cortes nos centros de excelência que nós temos no Estado de São Paulo. Essa é uma preocupação. É importante que o governo federal tenha políticas regionais consistentes, mas essas políticas não podem ser feitas às expensas do enfraquecimento dos grandes centros. Quando o governo federal não dá bolsas a São Paulo é uma política de desperdício. É uma infra-estrutura que estará trabalhando abaixo de sua capacidade.
JU - Estaria havendo, então, uma visão equivocada por parte do governo federal?
Perez - Claro que a visão está equivocada. É preciso se verificar proporcionalmente a capacidade instalada de cada região. A política regional é importante, mas isso não pode ofuscar o sistema. O País precisa saber como investir melhor para obter o melhor retorno.
JU - Em sua opinião, quais seriam as medidas nacionais para se estabelecer no País uma política eficiente de financiamento à pesquisa?
Perez - Em primeiro lugar precisamos ter um novo pacto federativo para o financiamento à pesquisa. É importante que os Estados tenham uma participação maior e sejam estimulados a fazê-lo de forma sistemática. Os Estados têm de se envolver nas definições de suas prioridades nesse campo. Depois, assumirem a responsabilidade. Atualmente, com exceção do Estado de São Paulo, a política de ciência e tecnologia acaba sendo definida totalmente a partir de Brasília. Precisamos superar esse momento. Na realidade, os Estados só irão de fato cumprir as próprias constituições se sentirem que de fato a pesquisa científica é uma prioridade. Temos de trabalhar juntos nessa equação.