Estudo cria "atalho"
para avaliação de medicamentos
MANUEL ALVES FILHO
Além da biologia e da química, chegou a vez da física contribuir para desenvolvimento de novos fármacos. Estudos realizados para a tese de doutorado de Scheila Furtado Braga Llanes investigaram, com o auxílio da mecânica quântica, a atividade biológica de dois conjuntos de drogas, usadas no tratamento de câncer e como inibidoras de enzimas. O objetivo do trabalho, de caráter teórico, foi criar uma espécie de atalho para a avaliação de medicamentos, cujo processo convencional ainda é baseado na tentativa e erro. Para as duas famílias de fármacos, a pesquisadora estabeleceu regras para identificar quais elementos teriam maior probabilidade de eficácia quando aplicados de forma terapêutica. Ao comparar os resultados da sua pesquisa com os dados experimentais disponíveis, Scheila obteve um nível de acerto da ordem de 85% a 90%.
Scheila integra o Grupo de Sólidos Orgânicos e Novos Materiais (GSONM) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFWG) da Unicamp, que tem realizado vários estudos nesse campo, com resultados considerados significativos. Ela explica que algumas indústrias farmacêuticas já estão começando a lançar mão do ferramental teórico oferecido pela física e química para desenvolver novos fármacos. A meta principal é poupar tempo e, conseqüentemente, dinheiro. De acordo com a autora da tese, para se chegar a uma droga é preciso cumprir uma longa trajetória, "que se inicia com a síntese química e prossegue até que sejam concluídos os testes biológicos".
Esses testes, segundo Scheila, normalmente cumprem o processo de tentativa e erro. Os elementos que compõem uma família de fármacos, afirma ela, têm estruturas bastante parecidas, embora muitas vezes tenham ação extremamente diferenciada no organismo. Ou seja, para chegar a uma substância eficaz contra uma determinada doença, quase sempre é preciso investigar e descartar muitas outras anteriormente. Com a ajuda da mecânica quântica, esse caminho pode ser encurtado. Por meio de regras, são indicados quais elementos devem ser testados primeiro e quais devem ser descartados ou experimentados por último.
"O que nós fazemos é criar parâmetros com base nas características e nas propriedades das substâncias, que identifiquem sua atividade contra uma doença específica. As que não obedecem a essas regras são consideradas biologicamente inativas". De acordo com Scheila, o desenvolvimento de um novo fármaco consome, em média, dez anos e alguns milhões de dólares. Normalmente, afirma, os cientistas partem de um grupo que varia de 5 mil a 10 mil substâncias para que um medicamento chegue ao mercado.
Em seu trabalho, a física tomou para análise dois grupos de fármacos. O primeiro foi formado por 20 taxóides, compostos caracterizados por uma estrutura molecular complexa e por sua atuação diferenciada no combate ao câncer. Desses, alguns tiveram a atividade anticarcinogênica comprovada anteriormente, enquanto outros foram considerados inativos. A partir de parâmetros computacionais calculados por meio da mecânica quântica, a pesquisadora promoveu a análise biológica de todos os elementos. Desses, três foram classificados como ineficazes. Confrontados com os dados experimentais, as regras teóricas proporcionaram um acerto de 85% a 90% na classificação de atividade biológica.
Outro conjunto estudado por Scheila foi formado por 41 derivados da benzo[c]quinolizin-3-onas, droga de nome complicado utilizada no tratamento da hiperplasia benigna da próstata. Essa substância inibe a enzima que catalisa a transformação do hormônio testosterona em diidrotestosterona. O excesso deste último é apontado como o responsável pela hiperplasia. Numa investigação especulativa, aplicando os mesmos padrões utilizados para os taxóides, Scheila propôs a atividade biológica para alguns compostos ainda não avaliados experimentalmente. "Somente os testes biológicos vão comprovar o nível de acerto. Mas, tomando como base os resultados que as pesquisas do GSONM vêm obtendo, as perspectivas são muito boas", afirma.
De acordo com a autora da tese, que foi orientada pelo professor Douglas Soares Galvão e financiada pela Fapesp, o nível de acerto ainda pode ser melhorado. Para isso, no entanto, deve ser pago o preço de se agregar outros parâmetros à avaliação teórica. "Além disso, o crescente aumento da velocidade e desempenho dos computadores nos encoraja a ampliar a lente da lupa para enxergar melhor a ação que essas drogas devem ter no corpo humano, por meio de simulações mais detalhadas", observa. Scheila revela que algumas indústrias farmacêuticas têm demonstrado interesse na metodologia desenvolvida pelos pesquisadores da Unicamp, mas os entendimentos ainda estão na fase inicial.