LUIZ SUGIMOTO
A perspicácia de um engenheiro florestal contribuiu para a descoberta em território brasileiro de uma nova cratera formada pelo impacto de um corpo celeste. Ao ler em uma revista matéria sobre a cratera do Vargeão (SC), reproduzida do Jornal da Unicamp nº 225, relatando a pesquisa do professor Álvaro Penteado Crósta, do Instituto de Geociências, Osmar Eugenio Kretschek entrou em contato com o pesquisador informando sobre uma feição que ele havia observado no sudoeste do Paraná. Segundo o relato do engenheiro, a área apresentava características muito semelhantes às descritas na reportagem. Trata-se de uma depressão circular com mais de 9 km de diâmetro, na região do bairro rural de Vista Alegre, município de Coronel Vivida.
Quase todas as indicações de possíveis crateras que Alvaro Crósta recebe de pessoas que tomam conhecimento de seu trabalho, acabam descartadas porque os locais não apresentam nenhuma característica de fenômeno de impacto. Mas, como o professor verifica todas as indicações, optou inicialmente por analisar as imagens de satélite do banco de dados do IG, à procura de indícios geomorfológicos que sugerissem a ocorrência do fenômeno no local apontado pelo engenheiro Kretscheck. “Tanto em imagem do satélite Landsat-7, como em imagem do modelo topográfico obtida pelo ônibus espacial, ambos da Nasa, aquela área correspondia a uma nítida depressão circular, com bordas acentuadamente escarpadas, tendo ao centro uma saliência topográfica [veja imagem nesta página]. São características típicas de crateras erodidas, embora não sejam evidências conclusivas da origem por impacto por si só”, afirma o geólogo.
Alguns meses depois, o professor Álvaro viajou para Vista Alegre em companhia de dois estudantes da Unicamp, César Kazzuo Vieira e Guilherme Duch Crósta, em busca de evidências diretas do impacto nas rochas do local. “Logo na segunda parada encontramos brechas de impacto fragmentos de rochas e minerais que só se formam em crateras desse tipo. Em meio a essas brechas observamos também um tipo de estrutura denominada shatter cones. Estas feições, em conjunto com as características geomorfológicas da estrutura, constituem evidências irrefutáveis da sua origem por impacto”, afirma Alvaro Crósta. A análise das brechas ao microscópio revelou serem constituídas por fragmentos dos vários tipos de rocha existentes à época (ainda indeterminada) do impacto. “Estas rochas foram lançadas para o alto e caíram novamente dentro da cratera, misturando-se a poeira e material fundido pelo calor, sedimentando-se para formar as brechas”.
Outra evidência é a ocorrência de blocos bastante deformados de arenitos, encontrados próximo ao centro da cratera. “Os blocos estavam recobertos por solos com cultivo de soja e só pudemos localizá-lo graças a Adroaldo Weber, um fazendeiro local. Estes arenitos são correlacionáveis às formações Botucatu ou Pirambóia, dos períodos Jurássico e Triássico, que normalmente estariam a centenas de metros de profundidade, tendo sido trazidos à superfície durante o processo final de formação da cratera”, explica.
Os estudos da nova cratera ainda estão em estágio inicial, sob responsabilidade de Álvaro Crósta, do professor Alfonso Schrank e do mestrando César Kazzuo Vieira, todos do IG. Crósta anunciará oficialmente a descoberta durante o Congresso da Sociedade Internacional de Meteorítica, em agosto, no Rio de Janeiro. A última cratera comprovadamente formada por impacto no Brasil havia sido descoberta no início da década de 1980. A cratera de Vista Alegre vem se juntar às quatro já comprovadas no Brasil, além de outras sete para as quais se suspeita dessa origem (veja quadro).
Crateras gêmeas O que Osmar Kretschek talvez não suspeitasse é que as crateras de Vargeão e de Bela Vista podem ser gêmeas, resultados de um impacto duplo. Distantes cerca de 100 km uma da outra, elas apresentam várias similaridades geológicas e um grau de erosão muito semelhante. As amostras colhidas nas duas crateras deverão passar por trabalho de datação isotópica, visando estabelecer suas idades de formação. “No choque com a atmosfera, o meteorito, asteróide ou cometa pode se romper em dois ou mais fragmentos, que irão atingir a superfície em locais diferentes, porém geralmente próximos. O Canadá tem um belo exemplo de crateras gêmeas, denominadas de Clearwater East e Clearwater West, na província do Québec. No Brasil, as crateras de Serra da Cangalha (TO) e Riachão (MA), distantes apenas 45km uma da outra, representam outro possível exemplo desse fenômeno”, diz o pesquisador.
Doutor em geologia pela Universidade de Londres, Alvaro Crósta é um dos poucos especialistas brasileiros nesta área. Iniciou suas pesquisas na década de 1970, quando foram lançados os primeiros satélites imageadores da Terra, tendo feito seus estudos de mestrado sobre a cratera de Araguainha (MT), a maior da América do Sul, com 40 km de diâmetro. Antes, Araguainha aparecia nos mapas geológicos como sendo de origem vulcânica, segundo o professor por desconhecimento dos fenômenos de impacto, cujos estudos tomaram corpo nas décadas de 1960 e 1970. Em 1982, Crósta já havia colocado a cratera de Vargeão entre as estruturas conhecidas no Brasil como prováveis “astroblemas”. Astroblema é o nome técnico de uma cratera antiga e já parcialmente desgastada pela erosão, produzida pelo impacto de corpo celeste de grande dimensão (asteróide ou cometa). O termo vem do latim, significando uma cicatriz (blema) causada pela queda de um corpo celeste (astro).
Crateras podem guardar petróleo
O professor Alvaro Crósta aponta um bom motivo de ordem econômica para que seja estimulado o estudo das crateras de impacto enterradas em bacias sedimentares. Lembra que as rochas fragmentadas pelo impacto formam excelentes reservatórios para petróleo e gás. “Os hidrocarbonetos necessitam de material poroso para se acumular. A rocha vulcânica chamada basalto, por exemplo, comum na bacia sedimentar do Paraná, é compacta, sem espaços ou fissuras, e normalmente não armazenaria petróleo ou gás. Já no caso de terem se formado brechas de impacto nesses basaltos, como ocorre nas crateras de Vargeão e Vista Alegre, a rocha passa a ter características favoráveis para tal. O petróleo tende a migrar para onde há espaços e essas crateras se tornam sítios potencialmente interessantes”, pondera.
Segundo Crósta, este modelo de exploração de petróleo vem sendo utilizado com êxito em países como os EUA, Canadá e México. Ele sugere que as crateras expostas podem servir como modelo para estudos com dados sísmicos (técnica geofísica muito utilizada na exploração de petróleo), visando a localização de estruturas com características semelhantes, situadas a centenas ou milhares de metros abaixo da superfície. Ele encaminhou recentemente sugestão à Agência Nacional de Petróleo (ANP) para que sejam oferecidos incentivos para projetos nesta área, por meio de futuros editais do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural CT-Petro.
Alvaro Crósta informa ainda sobre o uso de dados sísmicos existentes sobre a cratera de Vargeão, obtidos na década de 1980 pelo consórcio Paulipetro. “Os técnicos consideraram o sítio favorável, embora provavelmente não soubessem que estavam em cima de uma cratera de impacto. Estes dados não chegaram a ser processados e interpretados. Conseguimos os dados originais junto à ANP e, em colaboração com o professor Martin Tygel (do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp), especialista em processamento sísmico, vamos tentar estabelecer a conformação estrutural da cratera em sub-superfície, contribuindo assim para gerar modelos para prospecção de petróleo e gás em crateras enterradas”.
Bolívia Embora ainda não disponha de detalhes, Alvaro Crósta revela sua descoberta mais recente: uma cratera sem qualquer registro na literatura, na província de Potosi, noroeste da Bolívia, região de cones vulcânicos e lagos salgados e secos da Cordilheira dos Andes. Mostrando as imagens obtidas por satélites, o pesquisador explica porque suspeita que esta não seja mais uma das freqüentes crateras vulcânicas da região: “Ela tem aproximadamente 3km de diâmetro e, ao contrário das crateras formadas por explosões vulcânicas, está situada na base e não no topo de um vulcão de grande porte. Além disso, suas dimensões são muito elevadas para ter sido formada pela explosão de gases na base do vulcão”. De fato, na imagem em perspectiva 3-D, vê-se um enorme buraco circular entre as montanhas, com paredões quase verticais de até 400 metros de altura, que poderia ter sido aberto por um corpo de grandes dimensões vindo do céu.
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