| |
9
Pesquisadores do IFGW que ganharam capas em
publicações científicas também recorrem a modelos de 100 anos atrás
Darwin inspira
soluções em nanotecnologia
LUIZ SUGIMOTO
O professor Douglas Soares Galvão, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, está mergulhado até a raiz dos cabelos nos chamados nanotubos, cilindros microscópicos compostos de carbono que, aliás, são 100 mil vezes mais finos que um fio de cabelo. Aos olhos dos pesquisadores, esse material, devido à sua rigidez e condutividade elétrica, vai revolucionar principalmente a área de eletrônica nos próximos anos. Entre tantas outras aplicações, estará em condições de substituir o silício como matéria-prima dos atuais osciladores que geram e captam ondas eletromagnéticas nas transmissões de rádio, televisão e telefonia celular.
Cilindros são desenhados em escala nanométrica
Galvão coordena uma linha de pesquisa em que esses cilindros são desenhados em escala nanométrica - a bilionésima parte do metro -, simulando-se no computador as suas propriedades mecânicas para com eles criar novos dispositivos. Um trabalho que o professor assina juntamente com Sergio Legoas, Vitor Coluci, Scheila Braga, Pablo Coura e Sócrates Dantas já mereceu em fevereiro de 2003 a capa da Physical Review Letters, a principal revista de física, e uma versão ampliada deste artigo ganhou outra capa, da Nanotechnology, agora em abril. Duas capas para um mesmo trabalho refletem destaque incomum entre publicações científicas. "Ainda não existe um nanooscilador capaz de operar em 1 gigahertz (GHz) [hertz é a unidade de medida que corresponde a uma oscilação por segundo]. O artigo teve o mérito de demonstrar que nanoosciladores permitem chegar a 50 ou 70 GHz)", justifica.
Contudo, o que pesquisadores envolvidos com a tecnologia do futuro poderiam aprender com Charles Darwin? Douglas Galvão vai oferecer mais alguns detalhes sobre os nanotubos nesta página, mas no meio da conversa lhe ocorrem outros dois trabalhos, ainda inéditos, que julga despertar especial interesse dos leigos porque apresentam uma relação inusitada com a biologia. Um dos artigos, que a Physical Review Letters já aprovou e deve publicar nas próximas semanas, descreve a simulação de propriedades elásticas das "nanomolas", que são objeto de intensas pesquisas nos últimos anos. A peculiaridade desta pesquisa é que se inspirou na descrição feita por Darwin da estrutura da gravinha, uma planta trepadeira em formato de mola. No segundo trabalho, a inspiração veio das "cigarras matemáticas", assim denominadas porque vivem sob a terra e só sobem à superfície para procriar em períodos primos (7, 11, 13 e até 17 anos), diminuindo assim o risco de encontro com predadores.
Imitação - Um problema da nanotecnologia consiste em determinar quão duras as nanomolas são, ou seja, qual a deformação causada por uma força aplicada sobre elas, tanto vertical como lateralmente. Se um objetivo primordial nesta área é reduzir até perto do impossível o espaço ocupado por um material, essas espirais microscópicas merecem atenção. O professor do IFGW explica que há uma similaridade muito grande entre as nanomolas de óxido de zinco e a estrutura da gravinha, que enquanto cresce vai se enrolando como a espiral de um caderno. "Usamos um modelo inspirado na biologia para resolver um problema importante de nanotecnologia, numa escala 1 bilhão de vezes menor", compara Galvão, que realizou esse trabalho juntamente com Alexandre da Fonseca, ex-aluno do IFGW e que faz pós-doutorado no Instituto de Física da USP.
O professor explica que os materiais pesquisados na nanotecnologia são grandes demais para simulações em mecânica quântica, e não grandes o suficiente para a utilização de técnicas comuns de engenharia de materiais. "Estamos a meio caminho entre esses dois mundos, oferecendo aos teóricos a oportunidade de desenvolver novas ferramentas. A biologia tem sido bom lugar para se inspirar", ilustra. O modelo da gravinha para as nanomolas, que Alexandre da Fonseca adaptou rapidamente, apresentou diferenças de apenas 5% entre os dados experimentais da biologia e o que foi calculado no computador. "Imitando a natureza para desenhar alguns materiais, acabamos por resolver um problema de propriedades elásticas de baixa dimensionalidade", insiste o pesquisador da Unicamp.
Criptografia - A chave da criptografia utilizada, por exemplo, em sistemas de segurança de bancos e na internet, é a adoção de dois primeiros números primos sendo multiplicados, tornando muito difícil reconstruir a série numérica. Por isso, Douglas Galvão ficou tão intrigado ao ler sobre "as cigarras matemáticas". Uma família desses insetos permanece embaixo da terra por longos períodos, vem à superfície apenas por poucas semanas para reprodução e voltam com a prole para debaixo da terra. "O interessante é que elas só aparecem em períodos primos. Estamos tentando resolver se esse problema tem algum significado em biologia", diz o professor.
Com a ajuda de estudiosos de evolução teórica - Paulo Campos, Viviane de Oliveira, Ronaldo Giro e Vinicius Isola - Galvão iniciou as simulações no computador, onde os resultados foram aparecendo naturalmente, de forma idêntica ao comportamento das cigarras. "Conforme aumenta a pressão predatória, os intervalos no aparecimento das cigarras também aumentam, sempre em períodos primos. Se cigarra e parasita nascessem todo ano, o predador interceptaria o inseto todo ano. Se a cigarra aparece a cada dois anos, a interceptação ocorre ano sim, ano não. Mas se a cigarra vem à tona somente em períodos primos, a chance de o predador interceptá-la aleatoriamente é muito pequena. Aparentemente, a natureza descobriu a criptografia milhões de anos antes do que os homens", brinca o pesquisador do IFGW.
Nanotubo ganha forma de halteres
Agradecendo a sorte de ter contado com vários estudantes talentosos e reunidos ao mesmo tempo, o professor Douglas Soares Galvão, do IFGW, afirma que as simulações feitas pela equipe mereceram destaque na Physical Review Letters e na Nanotechnology porque comprovaram a tese de que nanotubos podem funcionar como osciladores, em freqüências exponencialmente muito maiores que as permitidas pelos osciladores eletrônicos atuais, ampliando muito algumas faixas de comunicação. Se não existe oscilador atual que chegue a 1 gigahertz, os nanoosciladores elevariam esta freqüência para 50 ou 70 GHz.
Com base em erros e acertos de outros pesquisadores, o grupo chegou a cilindros de carbono com o formato de halteres (veja imagem na página), em medidas de 1,4 nanômetro de diâmetro - espessura 100 mil vezes menor que a de um fio de cabelo - e 8,2 nanômetros de comprimento. O problema solucionado com este formato foi o de permitir que um tubo deslizasse por dentro do outro sem o atrito provocado pela entrada de átomos livres, que agiriam como impurezas e atrapalhariam o movimento. "Ninguém acreditava que existisse na natureza um sistema como esse, capaz de funcionar quase sem atrito", havia declarado Galvão, quando a revista da Fapesp também publicou em destaque o trabalho do grupo. É a primeira vez que um modelo matemático completamente geral mostra que o aparecimento de números primos pode ser o resultado de uma estratégia genética evolutiva. Resolvida a questão no mundo virtual, ainda vai levar tempo para que os nanoosciladores virem produto concreto.
Gargalo - Um dos maiores gargalos da indústria eletrônica, hoje, é a necessidade de colocar cada vez mais transistores num dispositivo. Douglas Galvão lembra que um processador Pentium, por exemplo, exige milhões de transistores, que precisarão diminuir de tamanho para que se aumente a capacidade. "A própria camada de óxido, que faz o transistor funcionar sem queimar, terá também que diminuir", acrescenta. Os nanotubos surgem então como uma nova eletrônica, que já chamam de "eletrônica molecular". O pesquisador informa que grandes empresas como IBM e Intel estão colocando bastante dinheiro nisso.
De acordo com o professor do IFGW, os princípios básicos já foram demonstrados e já se criaram circuitos lógicos principais do computador a partir de nanotubos. A questão é produzir nanotubos em quantidade e qualidade, o que ainda deve levar anos. Eles talvez sejam o material mais valioso que se possa fabricar: o grama chegou a custar US$ 1.500; hoje, o nanotubo de baixa qualidade (com múltiplas camadas) tem o grama a US$ 100 ou US$ 200, enquanto de uma camada está na faixa de US$ 1.000. Por isso, os laboratórios trabalham apenas com miligramas. "Como as patentes começam a vencer, outras indústrias devem entrar na produção, diminuindo o custo", prevê o pesquisador.
Silício - Se o preço tende a cair, resta o problema da manufatura, que é o de separar os tubos na forma que se quer. "O nanotubo de carbono é como uma folha de papel. Dependendo da forma como se enrola, chegamos a três tipos diferentes, que podem ser o de um semicondutor, bom condutor ou metálico. Algumas propriedades da eletrônica exigem um bom condutor e, outras, que o material não conduza corrente", explica o professor. Para a indústria todos os nanotubos precisam ter o mesmo diâmetro, o que só deverá ser possível em cinco anos, na previsão do pesquisador, para quem os métodos de síntese avançaram muito, mas os métodos de separação e purificação, ainda não. "E não podemos esquecer do silício, que a cada morte anunciada permite melhorias no processamento. Sua sobrevida é grande, porque além de muito barato não se pode simplesmente descartar todas as linhas implantadas, que representam contratos de bilhões de dólares", finaliza Douglas Galvão.
|
|
|
|