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Em busca do tesouro
 

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Pesquisadores da Unicamp integram o primeiro
grupo de estudos de arqueologia subaquática do país

Em busca do tesouro (e da história)



PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Arqueologia subaquática: para pesquisador, naufrágios são como cápsulas do tempoUm tesouro submerso na costa brasileira começa a ser lentamente revelado. Informações sobre vestígios que constituem um patrimônio cultural inestimável para o conhecimento histórico estão saindo do fundo das águas graças aos esforços pioneiros de arqueólogos do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp. Eles integram, no Brasil, o primeiro Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática (Ceans), uma especialidade da arqueologia tradicional que utiliza técnicas semelhantes à pesquisa em superfície para localizar e estudar artefatos que se encontram submersos em mares, rios e lagos. Embora sejam ainda incipientes, os resultados proporcionados pela atuação da equipe estão contribuindo para fazer emergir um Brasil ainda desconhecido.

“Informações únicas sobre nossa história, constituídas de testemunhos materiais de atividades humanas de diferentes épocas e culturas, estão ainda encobertas pelas águas. Com um litoral que se estende por mais de 8.500 quilômetros e águas interiores que representam uma das maiores redes fluviais do mundo, temos, no país, um campo privilegiadíssimo para a arqueologia subaquática”, argumenta o arqueólogo e antropólogo Pedro Funari, coordenador associado do NEE, responsável pela criação do Ceans.

De acordo com ele, as pesquisas subaquáticas proporcionam informações relevantes aos estudos sobre soberania nacional e defesa territorial desenvolvidos pelo NEE, como, por exemplo, o projeto que estuda as estratégias de ocupação e defesa do litoral sul fluminense nos séculos 17 e 18, a partir de uma análise da rede de fortificações na Baia de Ilha Grande.

Os pesquisadores Randal Fonseca, Érika Robrahn Gonzáles, Gilson Rambell e Pedro Funari: trabalho pioneiroO local, em que aportavam navios franceses, holandeses, embarcações de corsários e navios negreiros, era um dos pontos principais tanto para escoamento de café como de entrada de escravos africanos, legal e ilegalmente, e por onde também era contrabandeado o ouro.

Cápsulas do tempo – A febril atividade no litoral brasileiro, durante a ocupação européia, ocorreu no contexto histórico das grandes navegações e deixou submersos vestígios que retratam a vida a bordo das embarcações que realizaram epopéicas travessias oceânicas.

Mas para extrair um grande arsenal de informações sobre a sociedade da época, os arqueólogos subaquáticos nem sempre precisam mergulhar a grandes profundidades e penetrar em alguns dos cerca de 3.000 navios que, estima-se, estejam naufragados na costa brasileira.

Os objetos que interessam aos pesquisadores podem muitas vezes estar presos ao lodo marinho de regiões portuárias, em profundidades inferiores a 15 metros, e são bem mais prosaicos, porém não menos valiosos do ponto de vista histórico, do que as cobiçadas cargas de metais preciosos em galeões naufragados – imagem à qual a exploração subaquática é comumente relacionada.

Estudantes da rede pública do município de Peixe, no estado de Tocantins, em trabalho de campo: primeiros passosObjetos pessoais descartados pelos viajantes, mercadorias abandonadas ou perdidas acidentalmente, imagens sacras, porcelanas, talheres e garrafas de bebida são restos materiais provenientes das atividades rotineiras das embarcações e permitem aos arqueólogos reconstituir costumes, tradições e aspectos econômicos do período estudado, além de fornecer pistas sobre a posição social dos navegadores.

“Os naufrágios são como verdadeiras cápsulas do tempo. Uma vez afundados e perdidos no fundo do mar, esses sítios arqueológicos submersos passam por menos alterações e perturbações, legando ao pesquisador um conjunto de objetos antigos extremamente bem conservados”, define o historiador e arqueólogo subaquático Gilson Rambelli, pesquisador do Ceans.

Saques – Financiado por órgãos de fomento à pesquisa, como Fapesp e CNPq, por empresas e ONGs, o grupo está mapeamento sítios arqueológicos (lugares onde existem testemunhos materiais de atividades humanas) em diferentes áreas submersas no território nacional. Reconhecida internacionalmente pelo Icomos (International Council of Monuments and Sites), órgão consultivo da Unesco para monumentos e sítios, a atividade se estende por todo o litoral.

Os pesquisadores da Unicamp estudam ainda os sítios do tipo sambaquis, encontrados no litoral desde a Bahia até o Rio Grande do Sul. Construídos por povos que se alimentavam da pesca e da coleta de moluscos há cerca de 6.000 anos, são constituídos basicamente de conchas, ossos de peixes e mamíferos.

E como a arqueologia subaquática não investiga apenas o que está encoberto por água marinha, há também estudos em áreas submersas na Amazônia e no interior de São Paulo. Neste caso, o objeto de interesse é um engenho histórico submerso pelas águas de uma represa, na região de Ourinhos.

Além de revelar a riqueza histórica sob a água, as pesquisas trouxeram à tona uma preocupante constatação: os riscos que ameaçam de extinção o patrimônio cultural subaquático brasileiro.

“A história está sendo destruída antes mesmo de ser conhecida”, adverte o estagiário Randal Fonseca. “Amparadas por uma legislação frágil, que não protege o patrimônio submerso como ocorre com o terrestre, aventureiros e grupos com interesses comerciais estão saqueando e depredando naufrágios sem nenhuma metodologia de mapeamento ou escavação.”

Para Rambelli, a confecção de uma Carta Arqueológica detalhada permitirá conhecer melhor o patrimônio nacional submerso, e assim criar mecanismos de gestão e proteção dos sítios para as gerações futuras.

Arqueologia Pública


Em outra iniciativa pioneira, o NEE criou a primeira área de pesquisa em “Estratégias em Arqueologia Pública” no Brasil, para estimular ações em um campo que, segundo Pedro Funari, é bastante desenvolvido em países da Europa. Por meio dela, estão sendo realizadas diferentes atividades de divulgação, valorização, preservação e educação patrimonial que pretendem desmistificar o conceito tradicional da arqueologia como ciência preocupada apenas com a recuperação e estudo de artefatos antigos, para colocá-la a serviço de necessidades de preservação do patrimônio histórico e cultural das comunidades contemporâneas.

“São trabalhos em que o conhecimento acadêmico resulta em benefícios muito práticos para a sociedade e revelam a face da responsabilidade social da arqueologia”, argumenta a pesquisadora Erika Robrahn González. “Trata-se de mostrar que o patrimônio é bem público e, portanto, deve ser objeto de interesse, estudo e conservação por parte da coletividade e não apenas de grupos arqueológicos.”

Ela conta que as intervenções públicas da arqueologia contribuem para mostrar às pessoas que o patrimônio cultural de uma determinada comunidade integra suas histórias individuais. Resgatá-lo e preservá-lo significam, portanto, manter viva suas próprias identidades. “Raramente elas têm essa percepção, mas quando a incorporam, passam a se sentir parte da história e a entender a importância da preservação do patrimônio”, explica a arqueóloga.

Os projetos foram desenvolvidos durante estudos arqueológicos executados por Erika e Funari em diferentes regiões do país, para atender a legislação que obriga a pesquisa arqueológica em relatórios de impacto ambiental.

No município de Peixe, no sul do estado do Tocantins, ela aproveitou trabalho que realizava durante a construção de uma usina hidrelétrica para ensinar princípios de arqueologia para 1.780 alunos do ensino fundamental e médio de quatro escolas públicas da cidade. Os professores foram treinados e os estudantes, auxiliados por arqueólogos e pelos docentes, participaram de uma semana com aulas teóricas e práticas voltadas à descoberta e valorização do patrimônio histórico e cultural local, por meio de passeios, organização de sítios arqueológicos, simulação de escavações e da confecção de réplicas de artigos de cerâmica típicos da cultura regional.

Parcerias – Além da contribuição educacional, há uma outra, de caráter mais estratégico, que se mostra muito promissora para a arqueologia pública no Brasil, explica Erika: a de atuar como parceira de órgãos públicos e empresas na gestão de projetos preservacionistas, oferecendo orientação e subsídios até para a tomada de decisões públicas e políticas na área.

É o que ocorreu em Mogi-Mirim (SP), onde se descobriu um sítio arqueológico de 9.500 anos, considerado o mais antigo do estado, durante a execução de obras rodoviárias. Após a pesquisa acadêmica, estão sendo realizadas as atividades de arqueologia pública previstas, envolvendo desde ações de divulgação e educação patrimonial (como palestras para a comunidade, uma exposição permanente, a publicação de uma cartilha didática e de uma revista científica) até a realização de um seminário para a Prefeitura Municipal, com o propósito de fornecer subsídios e treinamento para gerenciamento e preservação de seu patrimônio cultural.

“O achado mostrou uma riqueza cultural até então desconhecida da cidade. A Prefeitura mostrou-se sensibilizada em realizar ações de fiscalização e outros procedimentos para que o desenvolvimento da cidade não deixe de levar em conta a necessidade de preservar o patrimônio”, declarou.

A implantação da primeira reserva arqueológica brasileira em Ribeirão Grande (SP) e a concepção de um circuito cultural para permitir a visitação de cerca de trinta bens históricos em áreas urbanas, ao longo dos 32 quilômetros do trecho oeste do rodoanel na região da Grande São Paulo, em parceria com a Dersa (empresa que administra a rodovia), são outros “cases” desenvolvidos pelo NEE da Unicamp que permitirão ao país, inclusive, fornecer subsídios de discussão em fóruns internacionais para ampliar e fortalecer as ações públicas e sociais na prática da Arqueologia.


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