Pesquisadores testam com sucesso a
troca de suplementos tradicionais por caldo de cana
Atletas ingerem
garapa para repor energia
ANTONIO ROBERTO FAVA
A cana-de-açúcar é objeto de pesquisa inédita no Brasil, desenvolvida nos laboratórios do Labex (Laboratório de Bioquímica do Exercício), do Instituto de Biologia da Unicamp (IB), e do Departamento de Alimentos e Nutrição, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Coordenada pela professora Denise Vaz de Macedo, do Departamento de Bioquímica do IB, o principal propósito das investigações científicas com a cana-de-açúcar é comprovar a sua eficácia não apenas quanto ao rendimento físico, como também para a recuperação significativa da massa muscular de atletas, sobretudo praticantes de futebol.
A professora Denise, que pesquisa o tema há aproximadamente três anos, está propondo a substituição do consumo desenfreado de produtos tradicionais colocados no mercado de custo relativamente alto e nem sempre muito bem aceitos por atletas pela garapa, "um alimento natural, portanto muito mais saudável e muito mais eficaz", observa. Os atletas consomem muita energia durante os treinos e jogos. "Nesse momento, temos necessidade premente de possuirmos energia suficiente para abastecer a massa muscular dos atletas e, com isso, fazê-los render o máximo", explica Denise.
É que normalmente, um atleta ou qualquer outra pessoa fisicamente ativa, possui uma reserva presente nos músculos, conhecida como glicogênio. Ela é armazenada nos músculos após o consumo de carboidratos. Com isso, o atleta gasta essa reserva durante o exercício e, quando acaba, tem a necessidade de repô-la, por meio do consumo de produtos que contenham açúcar ou amido, que podem ser facilmente encontrados no mercado.
"Quando isso não é feito, observa-se que o atleta se sente fadigado ao final das partidas ou competições. Isso ocorre porque ele não está usando a fonte de energia correta", explica Denise. Foi com a intenção de buscar fontes alternativas eficazes de reposição de glicogênio que ela começou a investigar a cana-de-açúcar, "sem dúvida uma das mais importantes fontes de sacarose". E tem mais: a cana-de-açúcar constitui um produto genuinamente nacional, tem em abundância no Brasil e seu custo é baixo. Denise conta que começou a pesquisar a garapa, como é conhecido o caldo extraído da cana-de-açúcar, há três anos, juntamente com Mirtes Stancanelli, nutricionista do Labex.
Iniciou esse trabalho com jogadores das categorias de base da Associação Atlética Ponte Preta, ao longo da temporada competitiva de 2001, e também junto aos jogadores profissionais, durante o Campeonato Brasileiro, transcorrido no período de junho a dezembro de 2001.
Resultados satisfatórios - "Depois dos treinos ou jogos, os atletas matavam a sede tomando uma quantidade definida de garapa. É bom lembrar que o caldo de cana-de-açúcar possui concentrações elevadas de sacarose, além de glicose e frutose, que lhe confere um alto índice glicêmico, proporcionando a um único alimento quantidade e qualidade de energia própria para ser utilizado imediatamente ao término dos exercícios", acentua Denise. O fato é que no Campeonato Brasileiro de 2001, a Ponte Preta acabou chegando em 6º lugar. Um resultado bastante satisfatório, que pode ser atribuído, pelo menos em parte, à alimentação com garapa, como sugere a pesquisadora do Instituto de Biologia.
Durante todo o período, 60 atletas da Ponte Preta, 30 profissionais e 30 da categoria de juniores, foram alimentados com caldo-de-cana, sempre após o término do treino ou de uma partida oficial. O mesmo processo se deu com a Associação Atlética Caldense, de Minas Gerais, que em 2002 sagrou-se campeã mineira. Em ambos os casos, os atletas revelaram significativo rendimento físico, assim como a manutenção da massa muscular.
"É importante salientar a necessidade de os atletas tomarem a garapa nas doses corretas até duas horas após o treino ou após a partida, para se obter uma reposição eficiente", acentua a pesquisadora da FEF.
Os resultados obtidos até o momento têm sido bastante positivos. A idéia, daqui por diante, é melhorar o uso da garapa com o propósito de aprimorar ainda mais o desempenho do atleta. "Mesmo porque, aqui no Brasil, em qualquer esquina pode-se encontrar um garapeiro. Imaginemos que um determinado atleta esteja acostumado a esse tipo de reposição e vai para uma competição no Exterior. Certamente, não encontrará esse alimento", conclui Denise. O que os pesquisadores da Unicamp estão planejando agora é transformar em pó o caldo de cana, que poderia ser diluído em água. Esse trabalho está sendo desenvolvido em parceria com a professora Flávia Maria Netto, do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Engenharia de Alimentos.