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Diante do quadro exposto pelo professor Waldir Quadros na página anterior, fica a pergunta: qual vai ser a reação da classe média? "É uma incógnita", diz o pesquisador. Ele lembra que o descontentamento da classe média está sempre presente nas grandes inflexões políticas do Brasil, não sendo possível compreender o golpe de 64, a campanha das diretas, o impeachment de Collor ou mesmo a recente eleição de Luiz Inácio Lula da Silva sem considerar o peso expressivo deste segmento. O professor lembra, ainda, que desde que se estancou o crescimento econômico no final da década de 1970, ainda com os militares, nenhum dos governos que se sucederam conseguiu dar uma resposta à questão da retomada do crescimento, frustrando as expectativas da classe média e entrando em crise política.
"Lula tinha aqueles 30% dos votos até que a classe média colocou seu peso, elegendo-o na esperança de mudanças. Embora minhas análises venham até 2002, é certo que os dados da PNAD de 2003 e 2004 serão piores, com perda de renda mais acentuada, assim como o desemprego. Converso muito com as pessoas e vejo um sentimento que passou da desilusão para a raiva. O que ainda prevalece, porém, é a confusão. Ainda não entendem o que está acontecendo", afirma Waldir Quadros. Na opinião do pesquisador, se a esperança em Lula realmente se frustrar, será a frustração com uma alternativa de esquerda em geral, abrindo caminho para deslocamentos em direção à direita.
O professor insiste que a única resposta possível por parte do governo é a retomada do crescimento, pois a estagnação econômica é a razão maior dos problemas brasileiros. "Ocorre que defender o crescimento implica em atacar esta política econômica. Está crescendo a oposição ao governo Lula, inclusive dentro do Partido dos Trabalhadores. No ano passado, 10% do PIB do Brasil foram encaminhados para rentistas. É um país que não investe. Se esses 10% não fossem destinados ao pagamento de juros e sim ao crescimento econômico e a políticas sociais, poderíamos equacionar a crise", critica.
Waldir Quadros observa que esta crise envolve pelo menos 10 milhões de pessoas desempregadas, sendo 3 milhões de jovens, sem contar todos os trabalhadores que estão precariamente empregados. Defende que sem que se mexa fundamentalmente com a política econômica, nenhuma medida pontual dará conta dessa crise. "Só o crescimento não basta, mas já desanuviará o ambiente, tornando possível ao Estado atuar em favor daqueles que não forem contemplados com o crescimento. Sem esta pré-condição, o governo permanecerá impotente para enfrentar problemas setoriais e sociais, administrando uma massa falida", adverte.
Waldir Quadros reconhece que, apesar da confusão, a sociedade hoje se mostra mais crítica. No entanto, julga que a classe média, pelo menos, se deseducou, visto que toda discussão relevante sobre a crise econômica e os rumos do país foi interditada. O pesquisador observa que essa discussão é vetada pelo governo dentro do próprio PT, sob o temor de afetar a credibilidade e mexer com os mercados. "A sociedade está mais crítica, mas também está menos preparada para entender e perceber seus reais interesses. Toda proposta que envolva mudanças na política econômica é vetada, principalmente na mídia. Não tenho visto partidos ou setores críticos buscando superar essa dificuldade de comunicação. Precisamos romper essa camisa de força", apregoa.
Uma reação política pode ocorrer nas próximas eleições, segundo o professor do Instituto de Economia. "Embora em nível municipal, essa eleição já terá um caráter plebiscitário, provavelmente apontando algumas mudanças no eleitorado. Eu me interesso principalmente pelo comportamento dos eleitores que não eram petistas e depositaram sua esperança em Lula. Creio que muitos se sentiram traídos por alguns comportamentos do governo", supõe o pesquisador.
Sobrevivência - A certa altura da entrevista, Waldir Quadros percebe que deixou de tocar em dois aspectos importantes que contribuem para a penúria da classe média: o custo de vida e a tributação. "A classe média, na verdade, está sobrevivendo, pois para manter o padrão diferenciado que o segmento almeja escola particular, tarifas, internet, psicólogo seriam necessários pelo menos R$ 10 mil por mês, considerando um casal com dois filhos. Como conseguir tal salário nessa situação de crise?", questiona.
Quanto à questão tributária, o professor observa que a maior parte da classe média assalariada paga imposto, respondendo pelo grosso da tributação de pessoas físicas. Ele mesmo faz as contas e revela que no último holerite deixou 32,5% de seus vencimentos descontados na fonte. "É uma tributação extorsiva porque o dinheiro não é revertido em nada, não está melhorando em nada minha vida, indo todo para o pagamento de juros externos e internos. Depois de pagar esse imposto, ainda preciso pagar a escola de meus filhos, médico, dentista, transporte, segurança no bairro. Esta é a asfixia da classe média", protesta.
Em suas conversas, Waldir Quadros colhe outros exemplos que refletem, mesmo que sutilmente, o tamanho da crise, como o de pais que tiram o filho de uma escola particular não para economizar R$ 600 da mensalidade colocando-o em unidade pública, mas para matriculá-lo em outra escola particular que cobra R$ 200 a menos. "É um desespero. Se a mulher perde o emprego, dispensa a empregada para reduzir as despesas, cuidando ela mesma dos afazeres domésticos. Viver esta situação de forma prolongada compromete a harmonia familiar", finaliza.