“Se tivermos amostras de todos os postos de Campinas, revelamos no mesmo dia quais vendem gasolina boa e quais vendem a adulterada”, assegura o professor Marcos Nogueira Eberlin, do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas. Para ilustrar o método, o pesquisador recorre ao teste usual em que se adiciona água à gasolina para medir o teor de álcool anidro e que o posto é obrigado a realizar caso o cliente solicite. “Realizado esse teste do álcool, que é muito simples, poucos microlitros da mesma água, injetados em nosso equipamento, são suficientes para detectar também a presença de solventes como aguarrás e querosene, mesmo a baixos teores como 1% ou 2%. É bom ressaltar que a gasolina pode ser considerada boa por testes clássicos de especificação em hidrocarbonetos, mas ainda assim ter sido adulterada”, adverte. Na ANP, a adulteração é identificada através de análises físico-químicas mais complexas, o que torna o processo moroso.
O novo método é um achado dentro do trabalho de pós-doutorado de Renato Haddad, em colaboração com o grupo de pesquisa do professor Rodinei Augusti, da Universidade Federal de Minas Gerais. Um “ovo de Colombo”, segundo os pesquisadores, porque surpreende por sua simplicidade e eficácia, inclusive a especilistas da Petrobrás que analisaram e referendaram a metodologia. “A gasolina contém compostos polares, seus marcadores naturais que são identificados por nosso equipamento e registrados nitidamente em um gráfico denominado espectro. Os solventes, da mesma forma, possuem compostos polares que são seus marcadores naturais e que não são encontrados na gasolina. Quando há adulteração, surge no espectro sinais adicionais que denumciam a adulteração”, explica Haddad.
A adulteração Na adulteração usa-se diversos solventes, alguns de baixa qualidade, que via de regra são obtidos ilicitamente. “Esses solventes, como o de borracha, a aguarrás e o querosene são impróprios para uso como combustível automotivo, pois danificam o motor e seus componentes, além de prejudicar o meio ambiente e causar forte evasão fiscal”, comenta Renato Haddad..
No intuito de combater esse problema, a ANP investiu no desenvolvimento de um método em que solventes produzidos no país recebem um marcador químico substância que não faz parte de sua composição natural. A presença do marcador artificial na gasolina denuncia a adulteração com o solvente, mas trata-se de processo trabalhoso que também exige análises de laboratório e toda uma logística para a marcação e a fiscalização. “Além disso, mesmo com tal medida, há também o contrabando de solventes, que assim escapam da fiscalização por não conterem tais marcadores”, aponta Eberlin.
Estratégia A adulteração pode ocorrer de várias maneiras, como na própria distribuidora, dentro do barracão em zonas rurais que acoberta a mistura feita no caminhão-tanque, no posto de gasolina que de madrugada “batiza” seu reservatório. Como flagrar a falcatrua? “Ao invés de colocar a ‘polícia para correr atrás’ dessa imensa e diversificada rede, devemos simplesmente procurar formas de inviabilizar o negócio. Nossa metodologia permite intensificar e agilizar o monitoramento dos postos de gasolina de maneira exponencial, pois adulterações podem ser detectadas em menos de um minuto praticamente o tempo necessário para a mistura da amostra com a água”, garante o professor do IQ.
Prevendo dificuldades operacionais da ANP para viabilizar essa fiscalização de campo, os próprios pesquisadores adiantam a negociação da patente com uma grande distribuidora, que colocaria o método em prática junto aos postos sob sua bandeira. “O equipamento possui as dimensões de um microcomputador e pode ser facilmente adaptado a unidades móveis que monitorariam a qualidade do combustível vendido nos postos. Ao constatar a adulteração, as distribuidoras cancelariam a concessão do estabelecimento”, propõe Renato Haddad.
Bandeiras A página da ANP traz 29.804 postos de combustível cadastrados no país até 2002, sendo 21.819 (73,3%) com bandeira e 7.985 (26,7%) sem bandeira. Do total de estabelecimentos com bandeira, 81% (17.717) recebem combustível das grandes distribuidoras: Petrobrás, Ipiranga, Texaco, Esso, Shell e Agip, pela ordem do número de concessões. “Estimo que quatro unidades móveis equipadas poderiam cobrir, em uma semana, a maioria dos postos de uma grande distribuidora em todo o Estado de São Paulo. Havendo monitoramento em intervalos tão rápidos, o risco seria altíssimo, inviabilizando a adulteração”, pondera Marcos Eberlin.
O pesquisador estima em aproximadamente R$ 150 mil o custo para equipar uma unidade móvel com tal tecnologia, valor altamente compensador diante dos enormes prejuízos financeiros provocados pela adulteração. “Acreditamos que o controle pelas próprias distribuidoras é o caminho mais viável para eliminar a adulteração de combustíveis no Brasil. Em contrapartida, é fácil imaginar o benefício, em temos de marketing, para determinada distribuidora que anuncie o uso de uma tecnologia nacional gerada na Unicamp para garantir a qualidade do combustível que comercializa. Eu, enquanto brasileiro e consumidor, abasteceria o carro somente em postos de gasolina com essa bandeira”, argumenta Eberlin.