Gama explica que o maior obstáculo a ser vencido é desenvolver um produto que tenha uma histerese muito baixa, o que significa dizer que a diferença de temperatura entre o início e o fim do ciclo de refrigeração deve ser bem próxima de zero à temperatura ambiente. No caso do composto manganês-arsênio, o principal problema é que ele não volta ao ponto de origem quando submetido a um ciclo de aquecimento e resfriamento.
“Nós já descobrimos que existe uma série de compostos nos quais o arsênio é parcialmente substituído por antimônio e que também apresentam o efeito colossal. Embora esse efeito não seja tão grande, apresenta uma histerese menor”, comenta Gama. Ele ressalta que isso tem uma contrapartida prática, porque ao descobrir um material que não apresenta histerese e que, portanto, pode ser aplicado na prática, caracteriza-se um desenvolvimento tecnológico muito importante. Existirão refrigeradores magnéticos com capacidade de refrigeração muito maior do que os utilizados com o efeito convencional. Isso representa uma melhoria tecnológica importante para aplicação, inclusive com redução de consumo de energia e um material bastante eficiente.
O pesquisador explica que, quando se fala em materiais magnetocalóricos usuais, existe o que se chama de convencional, que tem um efeito relativamente pequeno, e existem também os chamados gigantes, que possuem um efeito muito grande e que estão associados a transições magnéticas de primeira ordem. Isso é interessante porque é um efeito que surge apenas da parte magnética do material. Esse material pode ser observado como sendo composto de duas partes: a parte da rede em si, onde está concentrada a massa dos átomos, e a parte magnética, que tem a contribuição dos elétrons localizados ou não-localizados. O efeito magnetocalórico sempre foi pensado em termos da contribuição que vem da parte magnética e, segundo Gama, quando o efeito colossal foi descoberto, a primeira observação foi de que o efeito tem também a contribuição direta da rede de átomos.
O mecanismo proposto pelos pesquisadores, considerado uma novidade, é que a rede passa, através da interação com o campo magnético, a contribuir em grande parte para o efeito de entropia, ou seja, cria-se uma segunda fonte de entropia para o efeito magnetocalórico, que é exatamente a rede, através de uma interação chamada magnetoelástica.
Portanto, embora hoje esse material não tenha uma aplicação prática imediata pelo fato de apresentar uma histerese muito grande, ele é muito importante do ponto de vista tanto prático quanto teórico, porque mostra a possibilidade de gerar um efeito muito grande proveniente de uma outra fonte, que não é apenas a parte magnética do material.
Uma célula com 'jeito brasileiro'
A decisão de trabalhar com materiais sob pressão surgiu a partir da International Conference on Magnetism (ICM), realizada em julho de 2003, em Roma (Itália). Os pesquisadores brasileiros conheceram uma célula de pressão, em forma de caneta, construída com cobre e berílio, extremante eficiente para a pesquisa pretendida. Como o preço sugerido pelo fabricante (US$ 20 mil) era bastante alto, resolveram observar como o produto foi construído e desenvolveram, nas oficinas do IFGW, um produto similar com custo aproximado de R$ 3 mil, cada uma.
Já se sabia na literatura que o composto manganês-arsênio era um material interessante para o efeito magnetocalórico e que, do ponto de vista magnético, era também muito importante porque foi o primeiro material onde se descobriu uma transição magnética de primeira ordem. Os pesquisadores do GPCM fizeram uma medição e concluíram que se tratava de um material interessante para possível aplicação. Estudaram também como variam as propriedades magnéticas do manganês-arsênio sob pressão. "Quando construímos a nossa célula de pressão, pensamos em trabalhar com manganês-arsênio para responder uma questão que outras pesquisas haviam levantado anteriormente. Uma transição antiferromagnética que aparece quando se aplica pressão e que estava mal explicada na literatura", disse Gama.
O objetivo inicial foi obter um material desenvolvido no GPCM, de forma muito pura, muito adequada e de excelentes propriedades. A partir da análise dessas propriedades, obteve-se também o efeito magnetocalórico sob pressão. Foi uma das primeiras medidas do mundo a obter o efeito magnetocalórico sob pressão. Nesse momento descobriu-se o efeito colossal. "É uma descoberta que surgiu por acaso, subproduto de uma pesquisa" revela Gama.
Financiamento - A origem de tudo isso, segundo Gama, é um projeto temático da Fapesp, que permitiu o desenvolvimento da célula de pressão e do material. Isso tem sido muito importante exatamente porque tem permitido desenvolver os materiais na Unicamp. Além disso, algumas dessas técnicas de medidas têm sido desenvolvidas aqui também. O manganês-arsênio foi feito aqui, usando recursos da Unicamp e Fapesp e a célula para aplicação da pressão foi feita com recursos da Fapesp. "Havia recursos financeiros disponíveis, pudemos comprar os materiais e usamos recursos humanos da Unicamp, que são muito bons. Seria bom frisar, temos excelentes técnicos e conseguimos fazer um material de nível internacional", comemora Gama.
Existe uma tendência mundial atualmente de tentar substituir o processo tradicional de compressão de gás por um processo mais eficiente. Um dos grandes candidatos é a refrigeração magnética e quase todos os países desenvolvidos estão investindo pesadamente nessa área porque é uma técnica extremamente promissora. Já existe uma corrida mundial que envolve Estados Unidos, Canadá, Japão, China e Europa (principalmente França, Alemanha e Espanha, para desenvolvimento desses protótipos).
Em setembro será realizada a primeira Conferência Internacional em Refrigeração Magnética, patrocinada pelo Instituto Internacional de Refrigeração (IIR), sediado na Suíça. O IIR é dedicado exclusivamente ou prioritariamente à tecnologia de compressão de gás, no entanto, já percebeu a tendência de substituição dessa tecnologia pela refrigeração magnética e se adiantou, promovendo essa conferência.
"Para mim esse é o reconhecimento bem patente de que essa tecnologia tem uma importância muito grande porque é limpa e pode ser bem mais eficiente que a tradicional", finaliza.
O GPCM participa agora do desenvolvimento de um protótipo de um refrigerador magnético usando material comum que é o gadolínio, que é muito fácil de se trabalhar. Foi aprovado junto à Fapesp um projeto vinculado ao grupo para o desenvolvimento desse protótipo. Os trabalhos já foram iniciados e a idéia principal é começar com material simples, que permita estudar todas as características magnéticas e mecânicas, verificar o seu funcionamento e depois utilizar outros materiais como refrigerantes magnéticos.
O que é o efeito magnetocalórico
O efeito magnetocalórico corresponde ao aquecimento de um material magnético quando ele é colocado sob a influência de um campo magnético, e ao correspondente resfriamento quando ele é retirado deste campo. Todos os materiais magnéticos apresentam o efeito em alguma medida, mas ele é particularmente intenso para alguns materiais e próximo a transições de fase magnéticas, principalmente as de primeira ordem. O estudo do efeito magnetocalórico é importante tanto do ponto de vista acadêmico quanto do ponto de vista aplicado. Em termos de aplicações, o efeito tem o potencial de ser usado em processos de refrigeração, que denominamos de refrigeração magnética, apresentando a vantagem de poder ter eficiência maior que os processos convencionais de refrigeração, não só por envolver sólidos, muito mais densos que os gases do processo convencional, mas também por prescindir destes gases.
Por isso, a refrigeração magnética poderá ser uma tecnologia limpa e amigável para o meio ambiente e para a atmosfera, evitando o uso de gases que causam o efeito estufa ou provocam a destruição da camada de ozônio. Pressupõe-se que em um primeiro momento os beneficiados serão os sistemas de refrigeração de grande porte como hospitais, shoppings e grandes indústrias.
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