Laboratório estuda viabilidade de ligas metálicas no estado pastoso
CARMO GALLO NETTO
É difícil para um leigo imaginar que uma liga metálica de alta resistência seja suscetível de ser manuseada com uma espátula, a exemplo do que acontece com a manteiga. E ainda imaginar a facilidade dessa massa preencher um molde para dar origem a uma peça depois de endurecida. Mas isso é possível, embora a percepção do alcance dessa nova tecnologia só fique mais clara com o conhecimento dos processos atualmente utilizados na fabricação de peças metálicas.
Na metalurgia pode-se produzir uma peça preenchendo o molde com o metal no estado líquido, ao que se chama genericamente de fundição. Mas peças, tarugos, lingotes, perfis, fios e chapas metálicas podem ser obtidos a partir do metal sólido. Neste caso, quatro são os processos mais empregados: o forjamento, em que um tarugo, previamente aquecido, é comprimido para dentro de um molde até adquirir a geometria desejada; a extrusão, em que o material é empurrado para dentro de um molde e sai com novo perfil; a trefilação, em que o metal é puxado de forma a esticá-lo, processo utilizado na fabricação de fios; a estampagem, em que a conformação de peças e componentes é feita por prensagem e corte, o que acontece, por exemplo, na fabricação do corpo de automóveis.
Estes processos que utilizam o material sólido consomem muita energia, principalmente os que exigem prensas de altas pressões. Se nos mesmos processos for utilizada uma liga metálica no estado pastoso, com a consistência similar a da manteiga, capaz de ser manuseada com uma espátula, mesmo uma prensa manual pode ser suficiente.
A tecnologia da liga metálica pastosa é muito nova e começou a ser desenvolvida há cerca de 20 anos e, embora parcialmente disponível no mercado há menos de dez anos, já encontra aplicação em países desenvolvidos. As aplicações, por enquanto, se limitam às ligas de alumínio (utilizadas na fabricação de componentes automotivos) e de magnésio (empregadas na confecção de embalagens e invólucros de componentes ou equipamentos eletro-eletrônicos), mas as pesquisas com materiais ferrosos estão em ebulição e constituem o grande achado.
As vantagens Os estudos começaram em 1985 no Massachusetts Institute of Techonology (MIT), chegaram à Inglaterra, ao continente europeu onde se desenvolveram principalmente na Alemanha, França e Itália, e ao Japão. A professora Maria Helena Robert, do Grupo de Tixoconformação da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, aprofundou seus estudos na área em 1985, na University of Sheffield, na Inglaterra, onde fez pós-doutorado, e de volta introduziu aqui o processo de Tixoconformação (Thixoforming), termo que está associado às propriedades reológicas do material, ou seja, às características de seu escoamento em moldes.
"É um processo que pode ser usado tanto na fundição quanto na conformação mecânica, como forjamento e extrusão. Atualmente estamos desenvolvendo e estudando as possibilidades na estampagem, objeto de tese recém-concluída e desenvolvida por uma nossa orientada e que será defendida na França, onde o trabalho foi parcialmente realizado, e no Brasil", diz a pesquisadora, que considera fundamental que alunos de doutorado tenham experiências em centros de pesquisa no exterior.
A professora explica que a liga metálica adquire o estado pastoso por técnicas especiais de tratamentos termo-mecânicos, e é mantida neste estado em uma certa faixa de temperatura. Depois de conformada, gera produtos com qualidade mecânica superior. A professora enumera as principais vantagens sobre os processos convencionais: "A mesma matéria-prima pode ser utilizada em qualquer um dos processos metalúrgicos; qualidade superior já comprovada no acabamento superficial e características mecânicas gerais; obtenção de paredes mais finas e mais leves que chegam em certos componentes a reduzir o seu peso em até 50%; eliminação da porosidade, de defeitos internos e de tensões residuais; maior flexibilidade de geometrias; menores temperaturas dos processos de fundição e exigência de menores pressões em processos mecânicos, o que garante maior vida útil dos moldes e viabiliza o emprego de moldes muito menos rígidos, como cerâmicos, de custo muito menor; produtos que dispensam usinagem e podem ser submetidos a tratamentos térmicos".
Para a docente, se descortinam múltiplas possibilidades de desenvolvimento de novos produtos e novos materiais, embora reconheça que vários problemas precisam ser resolvidos ainda e, para tanto, desenvolvem-se pesquisas envolvendo cada vez maior número de grupos em todo o mundo: "Tenho participado de todos os congressos sobre o assunto, desde o primeiro, em 1982, que se realizam a cada dois anos. Naquele ano, não mais que 30 pessoas ocupavam uma sala. No último, foram apresentados mais de 800 trabalhos, o que evidencia o desenvolvimento que o processo de tixoconformação vem adquirindo".
O que é
A tixoconformação não mais é que a conformação a partir da liga metálica a partir de um estado semi-sólido particular, chamada pasta tixotrópica. Essa pasta é constituída de uma mistura de sólido e de líquido do mesmo material e obtida de forma controlada. O novo material, além de apresentar uma pequena quantidade de líquido, difere do convencional por apresentar sólido globular.
As ligas convencionais têm uma estrutura dendrítica, semelhante aos galhos de uma árvore, o que lhe confere interstícios entre ramos, característica para cada liga e dependente de sua composição. A pasta não é dentrítica e sim constituída de estruturas redondas, globulares, envolvidas pelo líquido e presas entre si. Sob pressão, relativamente pequena, sete ou oito vezes menor que a utilizada nas ligas convencionais, consegue-se fazer escorregar os glóbulos para dentro dos moldes. Com o controle térmico é possível atingir determinadas estruturas desejadas, às quais estão associadas certas propriedades mecânicas e outras relacionadas à corrosão, à fadiga, à dureza, etc. A professora Maria Helena conclui: "O nosso trabalho de pesquisa consiste em desenvolver os processos de obtenção da liga metálica pastosa, aplicá-la para a fabricação de componentes e estudar suas propriedades físicas e mecânicas. Com isso, fechamos o ciclo".
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