O controle de poluentes por meio de processos biológicos é chamado de biorremediação. O método, como explica a professora Lúcia Regina Durrant, responsável por duas linhas de pesquisas na área, não é aplicado apenas em relação ao petróleo e seus derivados, mas também a uma série de subprodutos gerados pelos processos industriais. O objetivo principal dos estudos conduzidos na FEA, segundo ela, é combater a contaminação do ambiente (mar, solo, rios e lençol freático), evitando desse modo prejuízos à cadeia alimentar e, conseqüentemente, ao homem. “O que nós procuramos fazer é utilizar os recursos oferecidos pela natureza em benefício dela própria”, esclarece a docente, que trabalha nesse segmento há cerca de dez anos.
A professora Lúcia conta que a sua equipe, composta em sua maioria por estudantes de pós-graduação, tem se dedicado inicialmente a isolar e selecionar os microorganismos que se prestam à biorremediação. Como a diversidade é muito grande, os pesquisadores evitam fazer vôos cegos. Uma forma de identificar bactérias e fungos potencialmente degradadores é coletá-los diretamente nas áreas contaminadas. Ou seja, se eles sobrevivem no local, é sinal que resistem ou até mesmo se “alimentam” dos poluentes. Em seguida, os pesquisadores levam os microorganismos ao laboratório e começam a estudá-los detalhadamente. Explicando de forma resumida, primeiro os microorganismos são cultivados em algum substrato, que pode ser até mesmo o melaço de cana. Depois, são colocados em contato com os poluentes.
Aqueles que obtêm bons índices de degradação, normalmente acima de 50%, são selecionados e passam por um outro tipo de análise, que é a da toxicidade. A professora Lúcia lembra que alguns microorganismos promovem a degradação dos poluentes, mas produzem ao final do processo substâncias igualmente nocivas ao ambiente. “Esses não nos servem e são descartados”, diz. Devido a esse grau de exigência, prossegue a docente, muitos estudos desenvolvidos na FEA partem de um grande número de microorganismos, mas no máximo dois ou três são efetivamente aproveitados ao final das investigações. “É um trabalho que exige extrema precisão”, afirma a especialista.
A missão dos cientistas da Unicamp não se encerra, entretanto, após a seleção dos microorganismos próprios à biorremediação. De acordo com a professora Lúcia, a tendência verificada no mundo todo é associar diferentes bactérias, fungos e leveduras para alcançar resultados ainda melhores. Em outras palavras, os pesquisadores estabelecem consórcios microbianos, dado que um único microorganismo dificilmente é capaz de realizar sozinho a descontaminação de uma área. “Assim, o que um não é capaz de fazer, o outro faz”, destaca. Em outros países, principalmente os Estados Unidos, a biorremediação vem sendo aplicada em larga escala.
Conforme a professora Lúcia, os norte-americanos já produzem kits contendo consórcios microbianos destinados às ações de despoluição. Ocorre, porém, que esses produtos, além de serem cotados em dólar, são extremamente caros. “Por isso é importante que o Brasil desenvolva a sua própria tecnologia. Não podemos nos tornar eternamente dependentes. Além do mais, a importação desse tipo de material é sempre arriscada, pois pode trazer riscos à nossa biodiversidade. Não dá para saber o que a eventual disseminação de um microorganismo desconhecido poderia ocasionar ao nosso ambiente”, adverte a docente.
A tendência, estima a professora Lúcia, é que dentro de poucos anos os pesquisadores da FEA consigam produzir pacotes prontos para trabalhos de biorremediação. Fazendo uma comparação livre de rigor científico, é como se eles criassem receitas como as de bolo, cada uma com uma mistura destinada a um tipo de aplicação. A especialista assinala, ainda, que por lançar mão de recursos naturais, a biorremediação é considerada uma tecnologia ecologicamente correta. Ademais, ela chega a ser entre 65% e 85% mais barata do que os modelos convencionais de descontaminação e tratamento de rejeitos industriais. Para se ter um parâmetro de comparação, basta saber que o custo para incinerar uma tonelada de resíduos varia entre US$ 250 e US$ 300. Já a degradação do mesmo volume por meio do controle biológico exige um gasto da ordem de US$ 40 a US$ 70.
Atualmente, os esforços dos pesquisadores da FEA estão concentrados em duas frentes, como explica a professora Lúcia. A primeira está voltada aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), substâncias tóxicas e potencialmente cancerígenas geradas a partir da combustão de derivados de petróleo, queima do lixo e emissão industrial. Entre elas destacam-se o benzo(a)pireno, as dioxinas e os bifenilos policlorados (PCBs), estes últimos empregados em capacitores e transformadores elétricos. A outra linha de investigação dirige-se aos derivados de petróleo especificamente. Segundo a docente, as bactérias e fungos estudados pela sua equipe produzem compostos biosurfactantes, um tipo de emulsificante.
Quando entra em contato com os poluentes, essa substância torna-os solúveis, o que facilita a remoção do material contaminante por medida complementar. “Os biosurfactantes também podem ser usados nas indústrias alimentícia e de cosméticos, como ingredientes para a fabricação de sorvetes e cremes, respectivamente”, acrescenta. Para degradar as dioxinas, os cientistas da Unicamp têm usado fungos que podem até ser considerados prosaicos: cogumelos comestíveis, facilmente encontrados até mesmo nas gôndolas dos supermercados.
Colocados em contato com o produto tóxico, os cogumelos produzem uma enzima que o degrada. Contra o benzo(a)pireno, os especialistas também têm utilizado cogumelos, tanto comestíveis quanto não-comestíveis. Já para combater os PCBs, o recurso empregado são as bactérias, que servem ainda à degradação dos derivados de petróleo. Mais recentemente, a professora Lúcia e sua equipe começaram a testar outros fungos para degradar os hidrocarbonetos policíclicos. Os pesquisadores estão trabalhando, por exemplo, com a arquéia, microorganismo isolado a partir de locais altamente salínicos.
Conforme a docente, o processo de extração de petróleo no mar utiliza muita água. Esta, por sua vez, é lançada no ambiente com uma grande concentração de sal e de substâncias tóxicas provenientes do combustível. “O que estamos fazendo é isolar esses microorganismos, em vários locais do mundo, para identificar os que são capazes de degradar os compostos aromáticos. O objetivo é tratar a água contaminada”, esclarece a professora Lúcia, que tem sido convidada para falar da experiência da Unicamp nessa área em diversos eventos científicos no Brasil e em outros países.