Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 289 - 23 de maio a 5 de junho de 2005
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Pesquisadores sintetizam substância que age contra células cancerígenas

Droga testada no Instituto de Química mostra-se mais eficaz do a que similar natural

CARMO GALLO NETTO



Da esq. para a dir., Ronaldo Aloise Pilli, João Ernesto de Carvalho e Ângelo de Fátima: pistas da natureza (Foto: Antoninho Perri)Pesquisadores do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp sintetizaram uma substância que combate células cancerígenas de forma mais eficiente que a congênere natural, visando eventual aplicação em quimioterapia. A informação certamente causará estranheza por que é corrente que o natural é bom e o que “tem química” não serve.

Com financiamento da Fapesp, orientação do professor Ronaldo Aloise Pilli, do IQ, e colaboração de Luciana Konecny Kohn e de João Ernesto de Carvalho, coordenador da Divisão de Farmacologia e Toxicologia do Centro Pluridisciplinar de Pesquisa Química, Biológica e Agrícola (CPQBA) da Unicamp, as pesquisas realizadas por Ângelo de Fátima deram origem à sua tese de doutorado, recentemente defendida, e levaram à solicitação de patente do processo de síntese.

Rota de síntese tem poucas etapas

Ainda durante o mestrado, em que se dedicou a sínteses de produtos naturais, um grupo de substâncias despertou o interesse de Ângelo por causa das propriedades biológicas descritas na literatura: as estiril lactonas, em especial um membro desta classe, a goniotalamina, isolada de várias espécies de Goniothalamus, porém em pequenas quantidades. Um estudo farmacológico de maior fôlego exige quantidades maiores e a síntese em laboratório seria uma alternativa de suprimento. O pesquisador conseguiu desenvolver uma rota de síntese muito curta, de poucas etapas, excelente rendimento e, mais importante, capaz de fornecer tanto o produto natural como seu enantiômero para avaliação farmacológica.

Chamam-se enantiômeros os compostos que guardam entre si a relação de um ser a imagem especular não superponível do outro, a exemplo do que acontecem com as mãos. Os enantiômeros apresentam em geral propriedades diferenciadas em relação, por exemplo, a sistemas biológicos. No caso da goniotalamina, como para a maioria dos produtos naturais, apenas um dos enantiômeros, designado (R)-goniotalamina, é produzido pelas espécies Goniothalamus. A rota sintética desenvolvida permite preparar ambas as formas da goniotalamina, variando apenas uma das etapas, o que leva a um processo de síntese catalítica assimétrica que, segundo os pesquisadores, constitui um objetivo nobre em trabalhos de sínteses orgânicas.

Estava aberto o caminho para estudar as propriedades biológicas dos enantiômeros e comparar-lhes as potencialidades. Foi aí que os pesquisadores descobriram que a ação do produto não-natural era mais efetiva. Esse fato, não tão raro, entusiasma o professor Pilli “A natureza dá pistas, o produto natural é o referencial de partida, fonte de inspiração, mas, muitas vezes, produtos não encontrados na natureza podem ser até mais eficientes. Esse é um testemunho a favor da síntese orgânica, porque predomina a falsa idéia de que tudo que não é natural é nocivo. E isso é falso. Há exemplos de produtos naturais extremamente tóxicos. Neste caso, um produto não encontrado na natureza tem se mostrado mais efetivo do que o congênere natural no combate às células do câncer renal”.

Saída e chegada – O grande interesse despertado pela (R)-goniotalamina estava relacionado ao seu potencial citotóxico que a qualifica como protótipo para o desenvolvimento de compostos com potencial atividade contra o câncer. Os pesquisadores esclarecem que em função da considerável atividade antiproliferativa apresentada pela (R)-goniotalamina e a total ausência de informações sobre as atividades do seu enantiômero (S)-goniotalamina, propuseram-se a desenvolver uma rota de síntese eficiente. Foram avaliadas suas atividades antiproliferativas sobre as células tumorais humanas.

O sucesso das sínteses dos enantiômeros e de substâncias derivadas a partir da mesma estrutura básica permitiu caracterizar os grupos e estruturas responsáveis pelas atividades biológicas e propor possíveis mecanismos de ação. Testados em nove linhagens de células tumorais humanas, os compostos sintetizados da série S mostraram-se de alta atividade para a linhagem renal quando comparados com os da série R, além de se mostrarem altamente seletivos a baixas concentrações. João Ernesto de Carvalho acrescenta: “A goniotalamina natural e a não-natural foram colocadas em contato com nove linhagens de células tumorais humanas. Depois de dois dias de incubação, verificamos os resultados. A metodologia que utilizamos é a mesma do Instituto Nacional do Câncer dos EUA. As linhagens usadas abrangem vários tipos de tumores entre os mais recorrentes (pulmão, rim, mama, estômago, próstata, colo, ovário, leucemia). O produto não-natural mostrou-se mais potente, atuou em baixas concentrações e seletivamente, o que constitui um fator de suma importância, pois em geral a droga que mata as células de todas as linhagens provavelmente vai matar as células normais também”.

Constatada a potência e a seletividade da droga, principalmente de sua forma não-natural, tomou-se a decisão de obter vários análogos, como explica Ângelo: “Para quem está acostumado com a diversidade estrutural dos produtos naturais, a estrutura da goniotalamina é muito simples. Fizemos então várias modificações na molécula, mantendo-se a estrutura básica, o que nos levou a oito análogos ou derivados, com o objetivo de verificar a possibilidade de obter atividade e seletividade ainda maiores e também mapear os grupos farmacológicos, que são as regiões da molécula essenciais na atividade. Outro objetivo do projeto foi o de esclarecer um possível mecanismo de ação. Mas esse estudo ainda está em andamento”, finalizou.



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