O Ministério da Educação (MEC) desobrigou o ensino do latim nos cursos de Letras das universidades brasileiras há cerca de um ano e meio. Era de se esperar que houvesse uma queda na procura pelo curso desta língua, reconhecidamente difícil de ser assimilada, pois desde a década de 1960 ela foi abolida também do ensino secundário. Um levantamento realizado por Charlene Martins Miotti, no entanto, abre boas perspectivas para o latim. Na Unicamp, particularmente, a procura pelo curso aumentou nos últimos anos, até por alunos de outras áreas. Em 1984, primeiro ano tomado como base para o estudo, foram registradas 60 inscrições na disciplina de Latim I no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Em 2003, este número mais que dobrou, com 171 interessados.
A pesquisadora atribui a maior procura, entre outros fatores, às novas metodologias de ensino adotadas pelas universidades, que cada vez mais se modernizam em busca de um ensino profícuo. “Há uma preocupação evidente em facilitar a aprendizagem e tornar a língua um instrumento de trabalho de fato, e não apenas artigo de colecionador”, afirma. A pesquisa, financiada pela Fapesp, contemplou entrevistas com professores e alunos dos cursos de Letras das universidades públicas paulistas.
Mesmo com a não obrigatoriedade do latim nos currículos obrigatórios, Charlene Miotti acredita que a maioria das universidades mantém a disciplina como obrigatória por entenderem a importância do aprendizado da língua. “Além de ser um estudo apaixonante, o aprendizado do latim nos oferece a chance de conhecer uma vasta literatura nos seus registros originais. Para os cursos de Filosofia e Literatura ela é imprescindível, pois boa parte das bases do pensamento moderno está no mundo antigo”, observa.
A pesquisadora entende que o estudioso, ao ler os textos nos seus registros originais, ganha um aparato crítico de valor incalculável. “É comum encontrar traduções feitas a partir de textos já traduzidos de outras línguas, ou seja, traduções das traduções”, explica. O acesso aos originais e às traduções possibilita uma leitura mais profunda e muito mais proveitosa.
Charlene Miotti admite que o latim não pode ser considerado uma língua de fácil absorção, mas acredita que o grau de complexidade é semelhante ao de outros idiomas. “O latim é língua de casos, ou seja, a ordem das palavras não importa muito para o entendimento das sentenças, como ocorre no português. Por isso, causa estranheza em um primeiro contato”, observa. Para ela, o aluno que se dispõe a aprender deve abrir mão das idéias pré-concebidas sobre a língua e, principalmente, das idéias comuns sobre o emprego desse aprendizado.
A dissertação de mestrado “O ensino do latim nas universidades públicas do Estado de São Paulo e o método inglês Reading Latin: um estudo de caso”, teve orientação do professor Marcos Aurélio Pereira e foi apresentada recentemente no Instituto de Estudos da Linguagem. Charlene Miotti seguirá dentro da área de Letras Clássicas em seu doutorado, mas desta vez com a proposta de realizar uma tradução inédita de Quintiliano, autor do século I, cujos principais escritos versam sobre gramática e retórica. Ele adianta que estudará especificamente o capítulo 3 do livro 6 das Instituições Oratórias, que trata de estratagemas humorísticos recomendados aos oradores para persuadir o público em geral.