LUIZ SUGIMOTO
O aluno com deficiência visual não tem como acompanhar os colegas na escola comum sem dominar o braile, o soroban (ábaco japonês para fazer cálculos) e o reglete (ferramenta de escrita em relevo). Tampouco a criança com deficiência auditiva, sem conhecer a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e o português como sua segunda língua. Já o pequeno portador de deficiência física precisa do apoio da tecnologia assistiva e, para o aluno que apresenta deficiência mental, é fundamental sentir-se apto a lidar com o conhecimento e a aprender os conteúdos escolares, segundo suas capacidades e interesses.
Escolas já estão em 160 cidades
Assegurar a esses alunos melhores condições de freqüentar a escola comum é o objetivo de um projeto nacional, voltado à formação continuada de professores no atendimento educacional especializado. O curso a distância, promovido pela Secretaria de Educação Especial (Seesp) e pela Secretaria de Educação a Distância (Seed), do Ministério da Educação (MEC), contempla uma primeira turma de 1.440 professores de todo o país, devendo chegar a 6 mil formados até o final do atual governo.
O atendimento educacional especializado é uma nova interpretação da educação especial, que antes substituía o ensino comum para alunos com deficiência. Esse atendimento passou a complementar a formação desse aluno, que tem o direito a cursar o ensino regular, nas turmas das escolas comuns.
“Trata-se de propiciar às crianças um atendimento específico, trabalhando sobre as limitações que a deficiência (visual, auditiva, física ou mental) impõe a elas, na escola e na sociedade”, explica uma das coordenadoras do projeto, a professora Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.
A professora ressalta que o atendimento educacional especializado é feito em horário oposto ao das aulas curriculares, nas chamadas salas multifuncionais, equipadas com computadores, softwares especiais para uso de pessoas com deficiência e farto material didático. Esses espaços funcionam preferencialmente em escolas comuns da rede pública e são oferecidas pelo programa “Educação inclusiva Direito à diversidade”, da Seesp.
As salas multifuncionais, segundo Maria Teresa, estão montadas em escolas de mais de 160 municípios-pólo do programa e de outros sob sua abrangência, em todas as regiões do Brasil. “Nessas salas não se ensina os conteúdos do currículo da escola, mas outros conhecimentos fundamentais para que as crianças possam ultrapassar as limitações provindas da deficiência e cursar as escolas comuns com seus colegas sem deficiência”.
Cada município-pólo tem 10 professores fazendo esta primeira formação. Além dos cursos subseqüentes já programados, a expectativa é de que as idéias do projeto sejam disseminadas pelos próprios professores formados, que se comprometem de antemão a dar aulas presenciais para colegas das cidades de abrangência dos pólos.
“A contrapartida das prefeituras é basicamente colocar os computadores em rede. Queremos que as cidades se mobilizem para que cada escola tenha um professor especializado, garantindo à criança com deficiência a inclusão prevista na Constituição”, diz a coordenadora.
Os recursos A elaboração do projeto de educação a distância teve a coordenação da analista de sistemas e pedagoga Edilene Ropoli, mestre pela Faculdade de Educação e integrante da equipe de EAD do Centro de Computação da Unicamp.
“Por se tratar de uma iniciativa do MEC, optou-se pelo uso da plataforma e-Proinfo para desenvolver uma proposta pedagógica voltada ao contexto dos professores-alunos distribuídos por todos os Estados”, informa Maria Teresa Mantoan.
Também foi elaborado um material de apoio bastante rico, composto de livros escritos por especialistas em cada tipo de deficiência e de competência reconhecida no país, vídeos e áudio-livros com todo o conteúdo impresso do curso.
“Quando o curso tratar da deficiência física, por exemplo, os professores terão um livro explicando os avanços no atendimento educacional especializado a esta deficiência, além de experiências práticas de ensino realizadas com sucesso junto a alunos com problemas na locomoção, na comunicação etc”, explica a coordenadora.
Desenhos e textos das crianças, como alguns publicados nesta página, ilustram a obra. Serão distribuídas mais de duas mil coletâneas por todo o país. “Ainda que o professor não esteja fazendo o curso a distância, ele terá, em seu município, um material de consulta que vai servir muito no atendimento ao aluno com deficiência”.
Estudos de caso A coordenadora ressalta, também, que o curso a distância possui uma metodologia diferenciada, envolvendo estudos de casos reais que são debatidos em fóruns de discussão. “É uma forma de mobilizar o participante do curso, que não fica limitado a ler livros e responder a questões descontextualizadas”.
Segundo Maria Teresa, cada grupo de professores dos municípios-pólo terá um tutor, que coordenará os trabalhos e realizará com eles uma reunião por mês, presencial, para apresentação e discussão das tarefas realizadas a distância. “Os próprios tutores terão o suporte de especialistas nas deficiências, inclusive aqueles que escreveram os livros, e de supervisores de educação a distância”.
Paralelamente, os professores irão construindo um memorial do curso, reunindo em uma biblioteca disponível para cada um deles na plataforma e-ProInfo, suas experiências e opiniões sobre os conteúdos e os resultados obtidos junto às crianças com deficiência. “É um documento que vai servir também como fonte de pesquisa e nos ajudar no aprimoramento dos cursos seguintes”.
Envolvimento O projeto nacional envolve vários alunos de pós-graduação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped) da Unicamp, também coordenado por Maria Teresa Mantoan. Também colaboram integrantes do Projeto Todos Nós, uma outra realização do Leped, que se associou a outras unidades da Unicamp para viabilizar políticas inclusivas de pessoas com deficiência no ensino superior.
A gestão financeira do projeto é da Universidade Federal do Ceará (UFC), representada pela professora Rita Vieira de Figueiredo, que também é uma das idealizadoras e coordenadoras do curso. Para obter informações adicionais: http://www.todosnos.unicamp.br/aee
O lugar de todas as crianças
Tendo trabalhado por 20 anos com alunos portadores de deficiência mental, a professora Maria Teresa Mantoan acumula histórias e experiência suficientes para assegurar que, hoje, é possível oferecer a essas pessoas um mundo muito diferente do que aquele em que viviam. No entanto, ao percorrer o Brasil, ainda presencia casos de segregação.
“Em muitas cidades, ainda há escolas especiais que abrigam pessoas adultas, algumas com mais de 40 anos de idade, que ali permanecem isoladas, realizando atividades ocupacionais, porque não têm mais para onde ir e o que fazer no dia-a-dia. As nossas crianças com deficiência não podem ser formadas para acabar assim”, adverte a professora Maria Teresa.
Na opinião da pesquisadora, as escolas comuns precisam se sentir desafiadas a atender essas crianças, sem limitá-las a programas onde são “treinadas” para corresponder ao que a escola e a sociedade pré-definem como “conhecimentos ao alcance delas”.
“O aluno com deficiência tem sido mais um entre ‘os problemáticos que dão trabalho’ e foge do modelo idealizado do menino aplicado e bem comportado, que é o sonho das escolas e dos professores. Com deficiência ou não, todas são crianças, que têm direito à igualdade de aprender nas escolas comuns e do atendimento às suas diferenças”, reitera.
Por parte dos demais alunos, Maria Teresa vê uma melhora acentuada na receptividade aos colegas com deficiências, reflexo da luta pelo fim do preconceito e da discriminação dentro da sociedade.
“As crianças aprendem conosco a ser preconceituosas, mas também podem aprender a acolher a todos nas suas diferenças. Dentro da família de pessoas com deficiência, especialmente quando se trata de crianças mais novas, a atitude em relação às diferenças e à inclusão escolar e social está mudando”, afirma.
É a própria escola comum, no entanto, que ainda apresenta muitas resistências, desfiando uma lista de obstáculos para oferecer a devida atenção a alunos com deficiência em suas sala de ensino regular.
“Não devemos pensar somente nas barreiras, mas em abrir possibilidades para esses alunos. No nosso curso a distância, estamos formando professores que possam ensinar ao aluno com deficiência visual o uso do soroban, mas é na sala de aula comum que a professora se incumbirá de ensinar-lhe a tabuada, as frações, a matemática”, exemplifica a coordenadora.
Maria Teresa também dirige críticas às instituições especializadas, que insistem em dar às crianças a educação especial substitutiva, excluindo-as da escola comum. “Acho que essas instituições devem tomar outros rumos, dedicando-se ao atendimento clínico, à orientação dos pais e à defesa dos direitos das pessoas com deficiência. É a escola comum o lugar de todas as crianças”