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Cooperação científica internacional prevê intercâmbio
entre pesquisadores brasileiros e europeus

Unicamp vai integrar rede de
pesquisa sobre fibrose cística

MANUEL ALVES FILHO

Margarida Amaral, da Sociedade Européia de Fibrose Cística, e o professor Antonio Fernando Ribeiro, da FCM: CE quer padronizar níveis de cuidado ao doente (Fotos: Antoninho Perri)Unicamp está finalizando os entendimentos para integrar uma rede internacional de pesquisa sobre fibrose cística, doença genética incurável e potencialmente letal que atinge, em média, uma em cada 8 mil crianças nascidas no Brasil. No final de abril, a portuguesa Margarida Amaral, que coordena estudos científicos desenvolvidos pela Sociedade Européia de Fibrose Cística, esteve visitando a Universidade para discutir detalhes do projeto com o professor Antonio Fernando Ribeiro, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciência Médicas (FCM). Segundo ela, os objetivos centrais da cooperação são promover o intercâmbio entre cientistas brasileiros e europeus e implantar no país novas metodologias úteis para o diagnóstico, manejo, prognóstico e, espera-se, a descoberta num futuro próximo de terapias específicas para a enfermidade.

Doença é incurável e potencialmente letal

Caso a parceria se concretize, a Unicamp será a primeira instituição latino-americana a participar dessa rede internacional de pesquisa sobre fibrose cística, destaca Margarida Amaral. De acordo com ela, perto de 60 centros europeus desenvolvem estudos em torno da doença. O esforço atual da Comunidade Européia tem sido no sentido de padronizar todos os níveis de cuidado ao doente. Ou seja, as nações que integram o bloco estão adotando um protocolo único de atendimento. “Esperamos que o Brasil possa se beneficiar dessa nossa experiência”, diz. A idéia, prossegue a pesquisadora, é promover a troca de experiências entre cientistas brasileiros e europeus. Também faz parte do projeto trazer ao país equipamentos que auxiliem no emprego de novas metodologias. “Se tudo der certo, queremos dar início a essas atividades ainda este ano”.

O professor Antonio Fernando Ribeiro informa que a cooperação ainda depende da definição de recursos, mas adianta que a proposta já está sendo submetida à apreciação de agências de fomento nacionais e internacionais. “Dado ao alcance científico e social dessa parceria, tenho certeza que o projeto será aprovado”, prevê. Ao contrário do que ocorre com algumas doenças genéticas, a fibrose cística não é tão rara. Sua prevalência entre a população é bastante significativa. Nos Estados Unidos, por exemplo, é identificado um caso a cada 2,5 mil nascimentos. Na Europa, essa proporção varia de um para cada 2,5 mil a 6 mil. No Brasil, como já foi dito, a relação é de um portador de fibrose cística entre 8 mil bebês nascidos no país.

Segundo Margarida Amaral, a grande meta da ciência atualmente é descobrir a cura da fibrose cística. Trata-se de um desafio complexo, mas que em sua opinião deve ser perseguido pelos cientistas. Os estudos mais recentes estão direcionados para a investigação do padrão celular e biologia molecular, com o suporte de técnicas como a eletrofisiologia. A representante da Sociedade Européia de Fibrose Cística considera que o conhecimento científico acumulado até hoje tem proporcionado avanços importantes no tratamento dos pacientes, conferindo-lhes maior e melhor sobrevida. Há quatro décadas, o portador da doença dificilmente sobrevivia além dos cinco anos de idade. Hoje em dia, muitos doentes estão na fase adulta. “O passo fundamental, agora, é descobrir como encontrar a cura desse mal”, insiste.

A doença, explica o professor Antonio Fernando Ribeiro, é causada por um gene “defeituoso” transmitido para a criança pelos pais, embora estes não a manifestem. Segundo o docente da FCM, o gene é responsável, entre outros fatores, por fornecer a instrução para a geração de uma proteína que realiza o transporte de íons de cloreto de sódio através das membranas das células. “Quando o gene está defeituoso, o controle do sal no organismo fica prejudicado, acarretando diversos problemas, entre eles o mau funcionamento das glândulas exócrinas”, diz. Tais órgãos, completa, têm a função de produzir secreções (muco), suor e enzimas pancreáticas.

O paciente com fibrose cística produz secreções bastante espessas, o que dificulta a eliminação dessas substâncias pelo organismo. Como conseqüência, a pessoa normalmente desenvolve problemas respiratórios e digestivos importantes. “Os problemas respiratórios, maiores responsáveis pelas complicações da doença, decorrem freqüentemente de infecções pulmonares provocadas pelo acumulo de catarro. Já os problemas nutricionais advêm da obstrução dos dutos pancreáticos pela secreção excessivamente viscosa. Isso impede que as enzimas pancreáticas sejam lançadas no intestino, atrapalhando conseqüentemente a digestão e absorção de nutrientes e o aproveitamento da energia proporcionada pelos alimentos. Normalmente, o paciente tem dificuldade de ganhar peso, embora possa estar se alimentando bem”, esclarece o professor Antonio Fernando Ribeiro.

Uma linha de investigação adotada na Europa em torno da fibrose cística, particularmente no laboratório coordenado por Margarida Amaral, refere-se às mutações do gene. A pesquisadora relata que a literatura científica já descreveu perto de 1,5 mil delas. Como há casos menos ou mais graves da doença, os cientistas acreditam que a sua manifestação esteja diretamente ligada a essas alterações. “Precisamos entender o que acontece com o gene. Até aqui, nós sabemos que a enfermidade é provocada pela ausência ou baixa atividade da proteína codificada pelo gene da fibrose cística. Entretanto, falta descobrir que fatores modulam positiva ou negativamente sua atividade”, afirma a pesquisadora.

A fibrose cística é mais comum entre os caucasóides (brancos). No homem, ela causa infertilidade em 98% dos pacientes, embora não afete o desempenho e a potência sexual. Nas mulheres, é comum a dificuldade de engravidar, dado que o muco cervical espesso bloqueia a passagem dos espermatozóides. O diagnóstico, conforme o professor Antonio Fernando Ribeiro, pode ser feito por meio do teste do suor, que analisa os níveis de cloro presentes no fluido, e do teste do pezinho, realizado nas maternidades para detectar doenças congênitas nos bebês. “No Brasil, alguns centros também fazem o teste de triagem. Os casos suspeitos são encaminhados para posterior diagnóstico, o que permite a identificação da doença ainda numa fase inicial. Ocorre, porém, que o procedimento ainda não é feito no país como um todo. Isso é um problema, pois como em qualquer doença, o diagnóstico precoce da fibrose cística confere maior efetividade ao tratamento”.

Canções medievais faziam referência a 'suor salgado'

A fibrose cística é conhecida desde a Idade Média, embora ainda não tivesse sido oficialmente relatada pela Medicina naquele período. Canções folclóricas européias da época, entretanto, já faziam menção a crianças que tinham o suor excessivamente salgado. Conforme as letras, todas morreriam precocemente. A doença foi descrita na literatura médica no final da década de 30 do século passado. Nos anos 60, com a ampliação do número de casos diagnosticados, após a difusão do teste do suor, foram criadas diversas associações científicas voltadas à pesquisa sobre a enfermidade, marcadamente nos Estados Unidos e na Europa. Vinte anos depois, foi descoberto o gene responsável pelo mecanismo básico causador do mal.

Atualmente, informa a pesquisadora Margarida Amaral, os estudos científicos estão sendo conduzidos a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Médicos, biólogos, geneticistas, psicólogos, bioquímicos, nutricionistas, fisioterapeutas e tantos outros profissionais estão somando conhecimentos para tentar encontrar a cura da fibrose cística. “A entrada da Unicamp nesse esforço certamente contribuirá para que avancemos em direção a esse objetivo”, analisa a representante da Sociedade Européia de Fibrose Cística.

Tal busca tem servido de alento aos portadores da doença. Além das dificuldades enfrentadas por eles no dia-a-dia, ainda há o problema do custo do tratamento, que por ora é apenas sintomático. O professor Antonio Fernando Ribeiro calcula que a terapia custe em torno de US$ 50 mil ao ano por paciente, algo como R$ 100 mil. No Brasil, os procedimentos são totalmente bancados pelo Estado. Outras informações sobre a enfermidade podem ser obtidas no site do Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC), no seguinte endereço: www.gbefc.org.br.

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