RAQUEL DO CARMO SANTOS
A natureza tropical brasileira não só encantou os conquistadores europeus, como sempre foi exaltada por escritores e especialistas. As 12 ânforas instaladas nas escadarias do Museu Paulista, por exemplo, chamam a atenção até mesmo de leigos. Elas contêm porções de água de alguns dos principais rios do país Paraná, Amazonas, Rio Negro, Solimões, Paraíba e o São Francisco e representam os Estados brasileiros pelos quais esses rios correm. Elas foram idealizadas por Affonso de Taunay, diretor do Museu de 1917 a 1945. Taunay nunca escondeu, em seus relatos históricos, sua preferência pelo Tietê para representar a idéia de nacionalidade.
Esses aspectos, além de outras questões, fizeram com que a historiadora Marcela Marrafon de Oliveira, orientada pelo professor Edgar Salvadori De Decca, mergulhasse no universo de autores brasileiros para analisar como a nacionalidade brasileira foi representada por meio das imagens dos rios, e identificasse os elementos históricos em obras literárias. A dissertação foi apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
A tendência de envolver a natureza no debate histórico já foi mencionada por outros historiadores de destaque como Keith Thomas, Alain Corbin e Simon Schama. “A pesquisa busca compreender a formação de um território da memória em que a nacionalidade foi construída pela natureza, mais especificamente, os rios. Percebi que o tema entre diferentes autores, de diferentes contextos históricos, transfigura-se a cada nova geração”, explica Marcela.
Uma questão que chamou a atenção da historiadora foi o destaque dado, no Museu, ao rio Tietê, um dos principais símbolos paulistas. Tanto a ânfora como telas que registram episódios das monções estão separados dos outros símbolos e monumentos. Marcela acredita que a eleição de determinados rios pelos autores reflete a forma como entenderam a nacionalidade. “Trata-se de uma construção afirmada, contestada e reformulada ao longo do tempo, desde sua invenção”.
No caso do Museu Paulista, uma justificativa seria a concepção de história de Affonso de Taunay. A historiadora analisa a ligação do diretor com o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e na crença de que escrever a história de São Paulo era contar a própria história do Brasil. “Por isso, a síntese dessa história narrada por Taunay estaria no rio paulista”.
Mas não foi só Taunay que teria predileção por um rio brasileiro. Um outro autor contemplado pela historiadora foi José de Alencar, na obra O Guarani. O “romance das águas”, como foi considerado por alguns autores, traz à cena o Rio Paraíba, comparado ao Paquequer, podendo representar respectivamente Portugal e Brasil, nas comparações dos romances.
Capistrano de Abreu, conterrâneo de José de Alencar e mestre de Taunay, menciona em cartas sua queda pelo Rio São Francisco, visto por ele como o rio “quase santo da história do Brasil”. Marcela acredita, porém, que a escolha de rios de suas próprias regiões de origem, por parte dos autores, não seria uma opção bairrista, mas estaria intimamente ligado à concepção de como vêem e localizam a grande questão da história nacional.