LUIZ
SUGIMOTO
o professor Jun Takahashi
chegou ao Instituto de Física Gleb Wataghin
em 2005, aceitando o convite para trabalhar
em física de partículas no Departamento
de Raios Cósmicos e participar de mais
um projeto internacional em sua carreira, o
Observatório Pierre Auger, na Argentina,
onde a Unicamp tem uma atuação
importante.
Takahashi, porém, traçou um objetivo
paralelo: formar na Universidade um grupo forte
de pesquisa em física de altas energias,
com foco no QGP, a sua especialidade. QGP é
a sigla em inglês para o plasma de quarks
e glúons, um estado diferente da matéria
como a conhecemos hoje. A licença poética
não é habitual entre cientistas,
mas eles chamam a mistura de “a sopa primordial”.
Primordial porque o plasma de quarks e glúons
– partículas fundamentais ultraquentes
e superdensas, correndo livres de um lado para
outro e chocando-se entre si – está
na origem do universo. A sopa, pelando a temperaturas
na ordem de bilhões de graus centígrados,
teria sido a forma da matéria no universo
nos 10 microssegundos que sucederam o Big Bang,
há 14 bilhões de anos.
Passado aquele instante ínfimo (um microssegundo
é a milionésima parte do segundo),
a sopa começou a esfriar tão rapidamente
quanto se expandia, e os quarks e glúons
acabaram aprisionados permanentemente dentro
de prótons e nêutrons – um
conjunto denominado hádrons.
Formavam-se assim as partículas fundamentais
– ou “blocos construtores”
– que foram interagindo até resultarem
em todas as matérias agora presentes
universo, inclusive as que compõem o
corpo humano. Conhecer como aconteceu a transição
da fase da sopa primordial para a matéria
de prótons e nêutrons aglomerados
em núcleos é muito importante
para ciência.
Jun Takahashi participa da pesquisa de fronteira
deste conhecimento, para onde já levou
três pós-graduandos da Unicamp.
O professor colabora em dois experimentos internacionais
executados no Laboratório Nacional de
Brookhaven, em Long Island (EUA), e no consagrado
Laboratório Cern (sigla em francês
para Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear),
na fronteira da Suíça com a França.
“Na física de partículas,
geralmente se promove a colisão de prótons
com prótons, que são partículas
pequenas. Mas há uma área chamada
física de íons pesados relativísticos,
onde se colide núcleos pesados como de
ouro e de chumbo, a fim de criar um sistema
com energia extremamente elevada, em condições
parecidas com as presentes logo após
o Big Bang”, explica o pesquisador.
Estas colisões altamente energéticas
são provocadas por aceleradores de partículas
gigantescos, como o Rhic (sigla em inglês
para Colisor Relativístico de Íons
Pesados), do Laboratório de Brookhaven.
O acelerador possui dois anéis interconectados,
com 3,8 km de circunferência.
Dentro deles, feixes de núcleos pesados
são guiados em sentidos opostos, por
duas fileiras de 870 ímãs supercondutores
mantidos em temperaturas próximas do
zero absoluto. Há seis pontos onde os
anéis se cruzam e os feixes de núcleos
se chocam praticamente à velocidade luz
(300.000 km por segundo), gerando rajadas muito
quentes e densas de matéria e energia,
como se fossem “mini-bangs”.
“Foi no Rhic que acreditamos ter reproduzido
o plasma de quarks e glúons, a partir
da colisão de átomos de ouro”,
diz Takahashi, lembrando o evento que ganhou
repercussão no meio científico
há cerca de dois anos. “Os hádrons
com seus prótons e nêutrons simplesmente
derreteram, transformando-se na sopa de quarks
e glúons que os compõem”.
Experimento
Star – O professor da Unicamp
acrescenta que, nos pontos de colisão,
foram realizados quatro experimentos por meio
de sofisticados detectores que registravam os
destroços subatômicos. Batizados
de Brahms, Phobos, Phoenix e Star, cada experimento
foi projetado, construído e operado por
equipes internacionais separadas.
Os experimentos menores, Brahms e Phobos, já
foram encerrados, mas Jun Takahashi ainda participa
do Star, que havia possibilitado o seu doutorado
pela USP ao trabalhar na construção
de um detector baseado em uma nova tecnologia
de silício. “É um experimento
de milhões de dólares, que reúne
550 colaboradores de doze países e representando
cerca de 50 instituições”,
informa.
Em abril de 2005, o Laboratório de Brookhaven
anunciou que os cientistas haviam encontrado
“evidências” do plasma de
quarks e glúons. Mas no âmbito
do experimento Star, segundo o professor, já
é aceito por todos que o novo estado
de matéria reproduzido é o QGP.
Mais: que algumas características inesperadas
foram observadas.
“Assim como a água em estado sólido
(gelo) passa para o estado líquido e,
quando a chaleira é colocada para ferver,
vira vapor, supunha-se que a matéria,
submetida a temperaturas extremas, se comportaria
como um gás – um gás ideal
de quarks e glúons. Mas o QGP medido
se comportou mais como um líquido –
um líquido perfeito, com viscosidade
zero”, afirma.
Experimento Alice
– A próxima fronteira para Jun
Takahashi está no experimento Alice,
que será realizado no LHC (Large Hadron
Collider, ou Grande Colisor de Hádron),
o novo e descomunal acelerador de partículas
do Laboratório Cern, que deve entrar
em operação no próximo
ano. Seu anel tem uma circunferência de
27 km e está a 100 metros abaixo do solo.
“Vamos dar continuidade aos estudos do
plasma de quarks e glúons, mas agora
em um regime de energia cerca de 30 vezes maior,
o que significa poder produzir partículas
raras como as que contêm os quarks ‘chamosos’
e ‘bottom’ com maior freqüência,
obtendo assim um maior volume de informações”,
explica o professor do IFGW.
Segundo o pesquisador, o experimento Alice é
também mais completo, com uma capacidade
que permite medir diferentes partículas
e diferentes parâmetros, equivalendo à
soma dos quatro experimentos feitos no Rhic.
Chance aos brasileiros
– O acelerador do Laboratório
Cern vai abrigar quatro experimentos, todos
eles com pesquisadores brasileiros da USP, Unicamp,
UFRJ, UERJ e Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas. Jun Takahashi anuncia, animado,
que a Unicamp foi aceita este ano como parceira
oficial do experimento Alice, que reúne
mais de mil colaboradores de 86 instituições
de 86 países.
Lembrando que a Unicamp já possui grupos
reconhecidos mundialmente em outras áreas
da física, o professor vê a chance
de a instituição crescer na física
de altas energias. “Os alunos têm
a oportunidade de integrar pesquisas de ponta,
inclusive ao lado de prêmios Nobel.
Precisamos ter um grupo identificado
e respeitado como brasileiro, deixando de atuar
apenas como convidados em experimentos de europeus
e norte-americanos”.
Aceleradores
de tecnologias
O
professor Jun Takahashi observa que, na área
de física de partículas, trabalha-se
sempre com muitos parceiros de várias
partes do mundo, o que pede uma forma rápida
e barata para a troca de idéias e de
informações. Foi para isso que
os cientistas do Laboratório Cern criaram,
por exemplo, a World Wide Web (WWW), que se
popularizou como internet. O primeiro servidor
está exposto na sede em Genebra.
“Embora nosso objetivo seja compreender
as leis fundamentais da natureza, muita tecnologia
é gerada nos grandes experimentos com
aceleradores de partículas e detectores.
Pode não haver aplicações
de imediato, mas como nós temos a demanda,
criamos a tecnologia de que precisamos. Muitas
vezes, ela se torna útil para a sociedade”,
diz o pesquisador.
Takahashi antecipa que o mesmo Laboratório
Cern está preparando o que seria a segunda
etapa da internet, uma rede denominada Grid,
conectando computadores do mundo inteiro. A
inspiração veio de outra demanda
dos experimentos. “No meu computador pessoal,
analisar todos os dados gerados no experimento
Alice demoraria anos. Mesmo tendo mil máquinas,
seria insuficiente”, exemplifica.
De acordo com o professor, o Grid vai conectar
milhões de computadores e terá
inteligência para identificar e acionar
um computador ocioso na China, onde seria noite
e o usuário estaria dormindo. “O
Brasil já está inserido no Grid,
graças a um projeto da Fapesp para a
montagem de um cluster”, antecipa.
Takahashi lembra que na sua própria tese
de doutorado, envolvendo um novo detector de
silício para o acelerador Rhic, ele recorreu
a uma tecnologia semelhante à das câmeras
digitais. Esta tecnologia está sendo
adaptada para realizar radiografia de dentes,
na Alemanha, visto que o detector é muito
mais sensível do que o filme de raio-X
e preserva o paciente de uma dose maior de radiação.
Também em laboratórios da Alemanha,
Japão e Estados Unidos estão sendo
desenvolvidos aceleradores de prótons
para depositar o feixe diretamente em tumores,
afetando região muito menor no paciente.
E este tiro no tumor será ainda mais
certeiro, caso o feixe de anti-prótons
(anti-matéria) em testes no Cern seja
liberado para esta aplicação médica.
O professor da Unicamp acrescenta que também
vêm da física nuclear o equipamento
de ressonância magnética, o detector
de radioatividade (Geiger), o detector de fumaça
e o detector implantado no robô Pathfinder
enviado a Marte. “O velho aparelho de
televisão é um acelerador de partículas”.
Sobre criações antigas, Jun Takahashi
recorda que numa feira de ciências organizada
pelo Laboratório de Brookhaven em 1958,
o físico Willy Higinbotham recebeu do
diretor a incumbência de inventar algo
que divertisse a criançada. O físico
criou um circuito com uma tela de osciloscópio,
onde duas barras rebatiam a bolinha de um lado
a outro, simulando um jogo de pingue-pongue.
Era o primeiro videogame.