MANUEL
ALVES FILHO
Ao contrário do que se acreditava
até recentemente, a próstata não
é um órgão exclusivamente
masculino. Estudos recentes indicam que a mulher
também pode possuir a glândula,
cujas características se aproximam das
do homem. Pesquisas sugerem que a próstata
feminina pode ser afetada pelas terapias de
reposição hormonal ou pelo uso
de anabolizantes, procedimentos que contribuiriam
para o eventual desenvolvimento de tumores malignos.
“Apesar de novos, esses dados são
importantes para orientar as abordagens voltadas
para a preservação da saúde
da mulher”, analisa o professor Hernandes
F. Carvalho, do Instituto de Biologia (IB) da
Unicamp, um dos coordenadores das pesquisas
sobre a próstata feminina.
A descoberta da próstata feminina promete
fomentar intensos debates entre a comunidade
científica. Primeiro, porque toda novidade
leva algum tempo para ser aceita e, conseqüentemente,
absorvida. Segundo, porque as funções
da glândula estariam relacionadas com
dois tabus envolvendo a sexualidade da mulher.
De acordo com o professor Hernandes F. Carvalho,
que também é coordenador do curso
de Farmácia da Unicamp, os estudos preliminares
indicam que o órgão estaria associado
com a chamada ejaculação feminina.
Além disso, também teria ligação
com o Ponto G, zona erógena que, graças
à concentração de terminações
nervosas e vasos sangüíneos, estaria
relacionada à estimulação
sexual da fêmea da espécie humana.
“Entretanto, essas expressões da
glândula prostática feminina precisam
ser investigadas com maior profundidade”,
adverte o docente.
Descobertas
vão fomentar debates entre cientistas
Hormônio –
As pesquisas sobre a próstata feminina
tiveram início com um estudo em torno
de células cancerígenas presentes
em órgãos do aparelho reprodutor
da mulher. Os cientistas perceberam que algumas
delas apresentavam características semelhantes
às da próstata do homem. Ao investigarem
mais detidamente os materiais celulares, por
meio de técnicas específicas,
os pesquisadores acabaram por identificar a
existência da glândula.
O professor Hernandes F. Carvalho explica que,
dependendo do ambiente ou situação
hormonal durante a formação do
feto, a mulher pode ter um maior desenvolvimento
do órgão. “No homem, o desenvolvimento
da próstata depende da testosterona,
hormônio produzido pelos testículos
em dois momentos distintos: durante a embriogênese
e, depois, na puberdade. Na mulher, a glândula
não se desenvolve por causa da ausência
dessa substância. No entanto, se o ambiente
hormonal for alterado por algum motivo, a pessoa
do sexo feminino pode, sim, vir a desenvolver
o órgão na idade adulta”.
Essa hipótese foi confirmada por pesquisas
realizadas com o auxílio de modelos animais.
A equipe do IB usou nos estudos um roedor denominado
gerbilo, comum no deserto da Mongólia,
país da Ásia. Cerca de 50% das
fêmeas dessa espécie apresentam
próstata. Ao alterarem o ambiente hormonal
dos animais, por meio da administração
de testosterona, os cientistas fizeram três
constatações importantes.
Lesões –
Primeiro, identificaram um aumento da glândula.
Segundo, confirmaram preliminarmente a atuação
funcional do órgão. Por último,
detectaram o desenvolvimento de lesões
pré-malignas. O estudo rendeu artigo
que foi publicado numa das mais prestigiosas
revistas internacionais da área da reprodução,
a Biology of Reproduction.
Ao estabelecer uma associação
desses resultados com a situação
das mulheres, o professor Hernandes F. Carvalho
lembra que algumas populações
femininas têm o que os especialistas classificam
de hiperandrogenismo. Mulheres com essa alteração
hormonal apresentam naturalmente dosagens mais
elevadas de testosterona. Uma das manifestações
que acompanham o hiperandrogenismo é
o hirsutismo, que consiste no crescimento de
pêlos em áreas do rosto. Outra
é o ovário policístico.
“Mulheres com esses problemas devem merecer
um cuidado especial por parte dos ginecologistas,
pois podem vir a apresentar patologias ligadas
ao desenvolvimento da próstata”,
alerta o docente do IB.
A mesma atenção, prossegue o pesquisador,
precisa ser dada às atletas que porventura
façam uso de anabolizantes e aos transsexuais
do tipo mulher-homem. Estes últimos,
após a cirurgia para a mudança
de sexo, normalmente são submetidos a
tratamentos hormonais complementares.
O mesmo é válido em relação
às mulheres que lançam mão
de terapias de reposição hormonal,
procedimentos adotados comumente após
a menopausa. O professor Hernandes F. Carvalho
esclarece que, nesse tipo de abordagem, a mulher
recebe dosagens de um precursor do estrógeno,
hormônio feminino.
Acontece que este precursor, depois de ser absorvido
pelo organismo, tanto pode se transformar em
hormônio feminino quanto em masculino.
“Na hipótese de receber uma dosagem
excessiva de testosterona, a mulher também
pode ter manifestações patológicas
relacionadas ao desenvolvimento da próstata.
Em outras palavras, nesses casos os médicos
devem fazer uma investigação mais
profunda para identificar a possível
presença da glândula e de eventuais
doenças a ela relacionadas”, insiste
o especialista.
O docente do IB afirma que é possível
que cânceres de cavidade abdominal constatados
em mulheres possam ter relação
com problemas prostáticos, mas que essa
associação dificilmente é
feita. Por conta disso, em alguns casos a causa
da doença é classificada como
desconhecida. Hernandes F. Carvalho revela que
uma diferença fundamental entre a próstata
feminina e a masculina está na estrutura
da glândula. No homem, o órgão
conta com uma espécie de cápsula
que restringe a disseminação das
células. Na mulher, essa proteção
não existe, o que permite a livre disseminação
das células tumorais na cavidade abdominal.
As pesquisas foram conduzidas pela equipe do
IB em conjunto com Fernanda C. A. Santos, que
realizou seu doutorado no Instituto, e do professor
Sebastião R. Taboga, da Unesp de São
José de Rio Preto. De acordo com Hernandes
F. Carvalho, os estudos estão tendo continuidade,
desta vez com a investigação sobre
o balanço dos hormônios masculino
e feminino no desenvolvimento das próstatas
feminina e masculina. Parte dos trabalhos é
financiada pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estão de São
Paulo (Fapesp).
Glândula
produz líquido seminal
Localizada logo abaixo da bexiga,
envolvendo a uretra, a próstata masculina
pesa entre 25 e 30 gramas e tem o formato de
uma castanha. Sua consistência torna-se
endurecida quando apresenta câncer. Tem
por função produzir cerca de 70%
do líquido seminal, substância
fundamental para a vitalidade e transporte dos
espermatozóides. No homem, o câncer
de próstata atinge cerca de 10% dos indivíduos
com mais de 50 anos e 50% dos que alcançam
os 75 anos. O exame mais eficiente para a detecção
da enfermidade é o toque retal. A possibilidade
de ocorrência de uma glândula prostática
feminina e sua dependência hormonal precisam
ser consideradas em mulheres com dosagens normalmente
elevadas de andrógenos, que recebem tratamento
baseado nessas drogas ou que apresentam ovário
policístico, elementos relacionados ao
quadro de hiperandrogenia.