RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Os temperos industrializados são
os grandes vilões para a alimentação
dos portadores de pressão arterial alta.
Foi o que constatou a pesquisa com os pacientes
atendidos no Ambulatório de Hipertensão
do Hospital das Clínicas da Unicamp.
O estudo mostrou ainda que a maioria dos hipertensos
ingere alimentos salgados com concentração
até quatro vezes maior do que o recomendado
pela Organização Mundial da Saúde
(OMS).
O estudo, realizado em 138 portadores da doença,
apurou que a média de consumo diário
entre os homens é de 17,6 gramas e, nas
mulheres, 13,7 gramas. Pelas orientações
da OMS, a população em geral deve
utilizar, no máximo, seis gramas de sal
diariamente, o que equivaleria a uma colher
de chá rasa. Os portadores de pressão
arterial alta devem se limitar à ingestão
de quatro gramas.
Segundo as enfermeiras Maria Cecília
Bueno Jayme Gallani e Maria Carolina Salmora
Ferreira, que conduziram o estudo no HC, os
hipertensos estão consumindo sal em concentrações
que podem prejudicar o tratamento da doença,
mesmo conscientes das orientações
dos profissionais de saúde. “Os
próprios pacientes desconhecem que exageram
no consumo de um dos principais vilões
da doença. Muitos não sabem o
teor de sal presente nos alimentos, principalmente
naqueles industrializados”, argumentam.
A professora Maria Cecília, orientadora
da dissertação de mestrado, acredita
que as conclusões do trabalho
podem direcionar algumas ações
no sentido de se alertar para o perigo escondido
nos saleiros. “Se o consumo entre os hipertensos
é alto, imagine na população
em geral que, em teoria, não precisaria
se preocupar com o uso do sal”, argumenta.
Os níveis de ingestão recomendados
pela OMS referem-se ao consumo diário
total e, muitas vezes, os rótulos dos
produtos industrializados não são
observados. Na opinião da especialista,
a população corre
sério risco com o hábito abusivo.
Ela lembra que o acúmulo do produto no
organismo é maléfico não
somente para o coração, mas também
para outros órgãos do corpo humano,
como o estômago, por exemplo.
Existe uma adaptação do paladar
ao gosto salgado. O ideal, explica Maria Carolina,
é que se faça uma adequação
do consumo desde a infância. Mas, o que
ocorre é, justamente, o oposto. “Diversos
fatores dificultam a mudança no comportamento.
Como nos casos das refeições fast
food, dos salgadinhos do tipo snacks, os temperos
prontos e caldos, cujos teores de sal são
altos”, alerta. Outro exemplo citado por
Maria Carolina são as papinhas para bebês
que possuem, em média, 156% a mais do
valor diário de sódio do que poderiam
ingerir.
Hipertensos –
A proposta de mensurar os níveis
de ingestão do sal pelos hipertensos
surgiu da própria experiência das
pesquisadoras no atendimento prestado no HC.
Maria Carolina observou que os pacientes afirmavam
a adesão à dieta com pouco sal,
mas sabia-se que os alimentos consumidos possuíam
um teor além daquele mencionado.
A enfermeira resolveu investigar a fundo a questão
e constatou que as principais fontes foram o
sal adicionado e os temperos prontos utilizados
para preparação dos alimentos.
Um dado importante é que os pacientes
com maior nível de consumo também
apresentaram aumento da massa ventricular esquerda,
fator associado a maior risco de doença
cardiovascular.
Instrumentos –
Segundo a professora Maria Cecília, existia
uma lacuna no que dizia respeito a instrumentos
eficazes para mensurar a quantidade de sal que
cada indivíduo ingere. As avaliações
por meio de questionários são
extremamente subjetivas, além de as metodologias
não terem grau suficiente de confiabilidade.
“Se o paciente declara que consome pouco
sal, dificilmente o profissional de saúde
poderia avaliar a que concentração
se referia. Na verdade, não havia mecanismos
confiáveis que comprovassem o nível
de ingestão”, declara a professora.
Neste sentido, a primeira etapa do trabalho
foi justamente desenvolver uma metodologia eficaz
para a medição.
O trabalho, financiado pela
Fapesp, aplicou em cada um dos pacientes quatro
métodos diferentes e uma avaliação,
para chegar à quantidade total do produto
no organismo. O questionário de freqüência
de alimentos com alto teor de sódio,
batizado com o nome de QFASÓ, foi desenvolvido
pelas enfermeiras com base em regras pré-estabelecidas.
Além deste método, outras três
metodologias, já consagradas, foram aplicadas:
o sódio urinário – que consiste
em colher amostras por 24 horas para exame;
o recordatório de 24 horas; e o inventário
de 72 horas.
Segundo as pesquisadoras, a idéia foi
utilizar o maior número de instrumentos
possíveis para alcançar resultados
confiáveis. Em geral, alguns estudos
contemplam apenas o índice apurado na
avaliação de sal per capita, ou
seja, a quantidade de pacotes do produto utilizado
na família, levando em consideração
o número de pessoas que fazem as principais
refeições por semana no domicílio.
O resultado deste método bastante usual,
explica Maria Carolina, seria melhor apurado
se fossem considerados outros itens também
importantes para a medição, como
o feito na pesquisa.
Crenças –
Uma outra vertente do trabalho conduzido pelas
enfermeiras trata da correlação
dos resultados com a aplicação
da escala de crenças sobre a dieta hipossódica
– com baixos teores de sal –, devidamente
adaptada e validada para a população
brasileira. A correlação entre
os itens de benefícios e barreiras levou
a constatar que, quanto mais barreiras o paciente
impõe para seguir o tratamento, maior
o consumo e, conseqüentemente, o nível
alto de pressão arterial sistólica.
“Nem mesmo o grau de escolaridade obteve
alteração em relação
ao comportamento. O significativo foi perceber
esta importância das barreiras”,
explica Maria Cecília.
Entre as principais barreiras, estão
a dificuldade de se alimentar fora do domicílio,
sensação de falta de sabor na
comida com pouco sal, dieta considerada cara,
demanda por tempo para preparo do alimento,
e difícil entendimento
de como seguir as recomendações.
“As questões já eram sabidas
pelas conversas informais que mantínhamos
com os pacientes”, atesta Maria Carolina.
Esses achados remetem à proposta de se
implantar ações educativas com
relação à dieta, focando
mais especificamente nas barreiras. Neste sentido,
um outro trabalho orientado por Maria Cecília
está em andamento. A idéia é
testar uma intervenção junto a
esses pacientes para o planejamento da dieta,
atentando para o caráter comportamental.
Dicas –
Para as pesquisadoras, é importante que
a população aprenda a ler os rótulos
das embalagens dos produtos industrializados.
No caso dos produtos dietéticos, a atenção
deve ser ainda maior, pois eles podem conter
teores de sódio elevado. Lembrar sempre
que o sal é a base de conservação
dos alimentos e, por isso, é bom evitar
o consumo de embutidos e enlatados. O ideal,
na medida do possível, é optar
pelo consumo de alimentos naturais.
Os temperos prontos – caldos, temperos
em pasta e em pó etc –também
são vilões, pois são consumidos
usualmente e contêm grande quantidade
de sal. Na pesquisa, os temperos foram um dos
principais componentes do alto teor de sódio
na dieta dos pacientes. “Não se
deve esquecer, no entanto, de eliminar o hábito
de adicionar sal às refeições
já prontas”, alerta Maria Carolina.
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