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Criança e cegueira
Cangaço
 

Estudos revelam que cegos com acompanhamento
desenvolvem melhor a fala que portadores de baixa visão

Um novo olhar sobre o desenvolvimento
da linguagem entre crianças com cegueira

CARMO GALLO NETTO

A professora Heloisa Gagheggi Ravanini Gagliardo, da FCM, em sala de atendimento do Cepre: "A constatação é intrigante" (Foto: Antoninho Perri)Os epecialistas concordam que os primórdios da comunicação na criança se estabelecem por meio do olhar. Todas as mães sabem disso. É de se esperar, portanto, que crianças portadoras de deficiências visuais apresentem atraso no desenvolvimento da linguagem, diante da privação total ou parcial da visão, caracterizadas, respectivamente, como cegueira ou baixa visão. É exatamente o que a literatura especializada prevê, caso a criança não seja submetida a estímulos adequados. As pesquisas desenvolvidas no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre) Gabriel Porto, da Unicamp, esmiúçam essas previsões.

Cepre estimula
participação de pais

As publicações especializadas dão conta de que o atraso no desenvolvimento da linguagem deve ser maior em cegos do que em portadores de baixa visão, o que parece à primeira vista até lógico. Pesquisas do Cepre, entretanto, mostram exatamente o contrário: no universo de deficientes visuais acompanhados, 100% dos portadores de baixa visão apresentaram atraso no desenvolvimento da linguagem, índice que cai para 50% entre os cegos.

“A constatação é intrigante” afirma a professora Heloisa Gagheggi Ravanini Gagliardo, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Pesquisadora do Cepre, ela orientou o trabalho de iniciação científica, financiado pela Fapesp, desenvolvido por Bruna Meirelles em seu último ano no curso de graduação de Fonoaudiologia.

Entre as atividades de extensão, o Cepre desenvolve o Programa de Intervenção Oportuna, destinada ao atendimento de crianças com deficiência visual e suas famílias. Os atendimentos, conduzidos por equipe interdisciplinar, ocorrem rotineira e individualmente durante os três primeiros anos de vida dessas crianças.

Bebê é submetido a teste no Cepre: diagnóstico é realizado por médicos das áreas de oftalmologia e otorrinolaringologia da FCM  (Foto: Antoninho Perri)Programa – O Centro mantém, desde 1998, um grupo de pesquisa denominado “Família, saúde e deficiência”, certificado pela instituição e credenciado no CNPq, com linhas de pesquisas que envolvem avaliação, detecção e intervenção oportuna. Nesse contexto, desenvolveu-se o Programa de Detecção de Alterações Auditivas e Visuais em lactentes, ou seja, crianças no primeiro ano de vida.

Heloisa enfatiza que o trabalho do grupo apresenta duas vertentes. A primeira é constituída pelo projeto de pesquisa de detecção de alterações auditivas e visuais de lactentes. Já a segunda envolve o atendimento das crianças com alterações visuais, atividade que também, por sua vez, dá origem a investigações. “Os estudos se orientam para o conhecimento mais profundo do processo de desenvolvimento dessas crianças, de tal forma que possam levar a uma melhor eficiência dos serviços prestados”.

A especialista observa que não existem muitas pesquisas originais sobre o desenvolvimento da criança com deficiência visual. Grande parte dos estudos, realizados no Exterior e publicados nas décadas de 1970 e 1980, se apóia mutuamente e chega a conclusões recorrentes, o que justifica plenamente as pesquisas realizadas no Cepre.

Observando, até os três anos, o desenvolvimento da linguagem nas crianças portadoras de deficiência visual, os pesquisadores do Centro constatam rotineiramente que a maioria apresenta atraso quando comparadas às que apresentam visão normal, mas que faltavam, como efetivamente faltam ainda, instrumentos adequados de avaliação.

A professora Heloisa considera que os trabalhos foram viabilizados com a criação do curso de Fonoaudiologia, o que contribuiu muito para as questões acadêmicas e de pesquisa, ampliando o exercício da docência, o que gerou maior participação dos alunos: “Tendo os alunos de graduação como parceiros nas intervenções, pudemos buscar um conhecimento cada vez maior. As conclusões a serem divulgadas são exemplo disso, pois resultaram do interesse da então nossa aluna de graduação em fonoaudiologia Bruna Meirelles. O estudo foi motivado, entre outros fatores, pela escassez de dados na literatura sobre a linguagem de uma criança com deficiência visual”.

Surpresas – As pesquisas referendaram expectativas, mas também revelaram surpresas. Uma primeira constatação importante é a de que o nascimento prematuro constitui a maior causa de deficiência visual no público alvo do estudo, acarretando a retinopatia da prematuridade. Outras causas são a malformação e as infecções congênitas, que resultam em anoftalmia, catarata ou coriorretinite, esta oriunda, na maioria dos casos, da toxoplasmose congênita. A surpresa foi que, atualmente, o nascimento prematuro é a maior causa da deficiência visual e, também, é mais responsável pela cegueira do que pela baixa visão.

O aumento de problemas visuais em prematuros já era previsto, inclusive na literatura, já que, justifica Heloisa, o acompanhamento pré-natal e os recursos disponíveis nos serviços de  neonatologia têm aumentado a sobrevivência desses bebês. Mas as pesquisas levaram a um fato surpreendente. “Verificamos, no universo de crianças que examinamos, que todas as portadoras de baixa visão apresentavam atraso no desenvolvimento da linguagem, o que se verificava em apenas 50% das crianças com cegueira, diferentemente do que a literatura apontava, pois a perspectiva era de que, neste caso, o atraso fosse maior. Ainda não temos resposta para isso”.

A pesquisadora lembra que o esperado, com base nos estudos disponíveis, era de que nos casos dos portadores de cegueira o desenvolvimento da linguagem seria mais desfavorável quando comparado com o da criança com baixa visão.

Corroborando as expectativas, os estudos realizados pelo Cepre mostram que se a criança portadora de problemas de visão e sua mãe recebem no tempo adequado intervenção de especialistas, os atrasos na aquisição da linguagem não se verificam. Heloisa diz que a cegueira não é impeditiva da aquisição da linguagem, mas ela pode ser limitante se não houver condições favoráveis. Lembra que não há significativa diferença entre os vários grupos sociais atendidos: “O que se verifica é que as crianças provenientes de classes sociais menos favorecidas procuram orientação mais tarde, porque a informação não chega a essas mães”.

Conflitos – A especialista entende que o acolhimento das mães é fundamental. Ele se dá desde a forma como o Cepre recepciona a mãe, geralmente logo depois dela receber o diagnóstico sobre o filho. Ainda sob o impacto da notícia, ela enfrenta uma fase emocional muito difícil, de conflito, muitas vezes depois de ter passado por vários médicos na esperança de encontrar um diagnóstico que negasse a deficiência visual.

Acolhida no Cepre, a mãe é recebida primeiramente pelo serviço social e depois pela equipe de avaliação que investiga o que ela sabe sobre uma criança com deficiência visual. Os especialistas constatam que ela sabe muito pouco, pois nem foi levada a se deter nisso, aturdida pelo fato de ter um filho cego ou deficiente visual.

Heloisa afirma que essa situação toma conta do pensamento da mãe. “Acrescente-se a isso a carga de mitos e fatores culturais: que o cego é dependente, que ela enfrenta provações divinas, que o filho não tem condições de freqüentar a escola etc. O acolhimento oferece um espaço para ela se colocar e a oportunidade de orientações que permitem que essa mãe enfrente a situação com outros olhos, pois seu filho tem potencialidades e não limitações. E, realmente, os deficientes visuais têm todas as possibilidades de crescerem, de se desenvolverem, de se tornarem cidadãos participativos, ativos, condutores dos seus próprios destinos”.

Mas, para isso, acrescenta Heloisa, a participação dos pais é fundamental, pois o desenvolvimento dessa criança vai depender do que é feito no dia-a-dia, porque essa promoção não se resolve em uma hora numa sala com o terapeuta. Isso se dá no dia-a-dia, na hora da troca, do banho, durante a alimentação, no transcorrer das brincadeiras. Para tanto, as mães recebem instruções e orientações de como proceder para desenvolver todo o potencial da criança.

Limitações – Mas como se manifesta o atraso no desenvolvimento da linguagem? No primeiro ano de vida, as limitações são mais profundas na área chamada de receptiva, que diz respeito a como a criança compreende a expressão e a fala. Na perspectiva da mãe, os olhos correspondem aos primórdios da comunicação e essas crianças são desprovidas desse estímulo. Essas mães, à medida que não recebem respostas, principalmente no caso da cegueira congênita, manifestam a tendência de parar progressivamente de falar com a criança, o que a leva a perder inclusive o estimulo auditivo.

“Observamos que as crianças estimuladas, com as quais realizamos intervenção, principalmente de acolhimento e orientação da mãe, que aprende como agir com seu filho de maneira a promover o estímulo, desenvolvem bem a linguagem, diferentemente das crianças que chegaram aqui sem essa orientação. Trata-se de uma constatação muito interessante, desenvolvida durante a pesquisa, e que levantou perspectivas para outras investigações, porque tem muita coisa à espera de respostas nessa área”, afirma a especialista.

Com base nos resultados das pesquisas, a docente diz, entusiasmada, que “as crianças com deficiência visual podem se desenvolver, podem ter um processo de aquisição da linguagem igual ao da criança de visão normal, desde que os pais tornem-se parceiros dos profissionais. Pais orientados são preciosos para o desenvolvimento do seu filho. Nenhum é incompetente, todos são capazes desde que bem-orientados. São eles que vão promover o desenvolvimento da criança”.

A professora faz ainda questão de destacar o caráter interdisciplinar dos estudos, que contam com a intervenção de profissionais de várias áreas, como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fisioterapeutas e psicólogos. “Todos colaboram com tudo, e não só com suas especificidades”. O diagnóstico é realizado por médicos especialistas das áreas de oftalmologia e otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, de onde são também todos os profissionais lotados no Cepre.

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